Telemicrobiologia: O telediagnóstico do futuro

Telemicrobiology: The telediagnosis of the future

 

DOI: 10.21877/2448-3877.201800667

 

A telemedicina ou o telediagnóstico foi originalmente concebida para permitir exames clínicos remotos de pacientes, usando a tecnologia de televisão ou imagem. A partir da segunda metade do século XX, os testes laboratoriais passaram a ser um componente essencial à avaliação da condição clínica e clínico-cirúrgica dos indivíduos e, portanto, aos poucos, foram sendo também incorporados ao telediag­nóstico.(1) Na realidade, as provas de laboratório que vêm se beneficiando dessa tecnologia são aquelas que envolvem diferentes tipos de imagens macro e/ou microscópicas, já que permitem, sem maiores dificuldades, sua captura, interpretação e comunicação digital.(1,2)

Em todo o mundo, nas últimas duas décadas, tem havido uma utilização crescente da tecnologia digital para o estabelecimento da etiologia de diversas patologias, o que tem estimulado o surgimento de novas práticas de telemedicina como a telerradiologia e a telepatologia, incluindo, entre outras, a telemicrobiologia.(1,3,4) Particularmente na microbiologia clínica, essas práticas têm levado a uma redução de custos e a novas oportunidades de controle de qualidade, ensaios de proficiência e educação continuada.(2,5)  A introdução do suporte digital e de informática no laboratório de microbiologia tem determinado também um aumento da eficiência e efetividade no diagnóstico das doenças infecciosas, principalmente em instituições onde há limitados recursos técnico-científicos para o desenvolvimento da especialidade.(6) No Brasil, por exemplo, o Programa Nacional de Controle de Qualidade (PNCQ) da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC)  disponibiliza aos laboratórios clínicos participantes um conjunto de programas de telediagnóstico que inclui a tele­bacteriologia, teleparasitologia e telemicologia.

O laboratório de microbiologia clínica tem sob sua reponsabilidade a caracterização do agente causal de um grande número de infecções e seu objetivo é subsidiar o estabelecimento da terapêutica mais adequada pelos médicos que assistem aos pacientes.(1,6) No entanto, esse processo tem se tornado extremamente complexo, não somente pelo avanço do conhecimento acerca da biologia dos microrganismos patogênicos, mas também pela alta tecnologia de diagnóstico que vem sendo incorporada. De fato, o laboratório de microbiologia está sendo desafiado a trabalhar mais, a identificar melhor os microrganismos, a reportar intrincados mecanismos de resistência aos antimicrobianos, a operar automação e a consolidar dados produzidos por diferentes metodologias diagnósticas.(6) No entanto, nem todos os laboratórios estão preparados para assumir as demandas do mundo contemporâneo. Assim, num contexto de menor expertise e facilidades econômicas escassas, a telemicrobiologia pode ser mais um instrumento de melhoria técnica e da qualidade.(1,3,4)

Em decorrência do trabalho da microbiologia ser executado tipicamente através da visualização de imagens, a telemicrobiologia é uma prática  que se adequa à rotina dos procedimentos microbiológicos, não diferindo ou alterando a forma como os profissionais desempenham suas atividades.(3,5) Nesse sentido, a análise micro­biológica remota de imagens estáticas, dinâmicas ou híbridas irá necessitar dos mesmos conhecimentos laboratoriais solicitados para a microbiologia convencional. A semelhança com a microbiologia convencional tem contribuído de maneira importante com a crescente aceitação dessa nova metodologia pelo laboratório clínico.(3,4,5)

A telemicrobiologia pode ser procedida de várias formas, a mais comum é a telemicroscopia, que inclui fotomicrografias de lâminas contendo preparações microscópicas. Essa prática é a mais elementar, todavia, a mais difundida, tendo em vista ser de baixo custo e necessitar de menor recurso tecnológico, pois requer apenas um microscópio que tenha acoplado uma câmara digital.(3,4) Atualmente, inclusive, câmeras de celulares têm sido empregadas para a obtenção de imagens diretamente da ocular de microscópios.(3) Imagens de muito melhor qualidade e resolução podem ser obtidas de lâminas totais. Para tanto, infraestrutura e aparelhos sofisticados são necessários para o escaneamento de imagens estáticas ou dinâmicas (eixo Z) dessas lâminas totais e vídeos gravados ou em tempo real.(1,3,6) As imagens  assim obtidas podem ser enviadas por e-mail, celulares, videoconferências ou por sistemas de informação e comunicação de dados com finalidades consultivas ou diagnósticas intra e interinstituições.(6,7)

Além de seu característico uso na telemicroscopia, a telemicrobiologia pode ser também empregada para análises remotas de imagens digitais de culturas de microrganismos.(7) A leitura digital de placas requer um sistema sofisticado que possa simultaneamente incubar as placas de cultura e movê-las, em momentos programados, para a estação de captura de imagem. As imagens obtidas de culturas e testes de susceptibilidade a antimicrobianos são analisadas e interpretadas por microbiologistas em monitores de computadores, utilizando softwares específicos.(3,6,7) A análise remota de culturas evita atrasos, procedimentos manuais repetitivos e exposições a temperaturas de incubação subótimas e documenta de forma permanente as imagens das leituras.(7) A integração entre a telemicroscopia  e a imagem digital de colônias e testes de sensibilidade permite maior efetividade da análise micro­biológica remota. Da mesma forma, a possibilidade de se analisarem múltiplos espé­cimens obtidos de um mesmo paciente facilita o estabelecimento de estratégias terapêuticas centradas no próprio paciente.(3,6,7)

Apesar de ainda não disponível de forma ampla ao laboratório de microbiologia clínica, a telemicrobiologia é um instrumento da modernidade que invariavelmente será incorporado à rotina da análise microbiológica dos processos infeciosos, trazendo eficiência na definição das etiologias e dos padrões de susceptibilidade, ao fluxo e processo de trabalho, à avaliação e comunicação de dados, à geração de resultados e à emissão de laudos.(3,7)

 

Referências

  1. Suhanic W, Crandall I, Pennefather P. An informatics model for guiding assembly of telemicrobiology workstations for malaria collaborative diagnostics using commodity products and open-source software. Malar J. 2009;8:164.
  2. Ribeiro OD, Hilleshein KD, Sartori B. Telepatologia. Anais de Medicina. Resumos. 2014;1(1). Disponível em https://editora.unoesc.edu.br/index.php/anaisdemedicina/article/view/4659. Acesso em 12 jan 2018.
  3. Rhoads DD, Mathison BA, Bishop HS, da Silva AJ, Pantanowitz L. Review of Telemicrobiology. Arch Pathol Lab Med. 2016;140(4):362-70.
  4. Rhoads DD, Habib-Bein NF, Hariri RS, Hartman DJ, Monaco SE, Lesniak A, et al. Comparison of the diagnostic utility of digital pathology systems for telemicrobiology. J Pathol Inform. 2016;7:10.
  5. Urtiga KS, Louzada LAC, Costa CLB. Telemedicina: uma visão geral do estado da arte. São Paulo-SP: Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). 2004. Disponível em: http://telemedicina.unifesp.br/pub/SBIS/CBIS2004/trabalhos/arquivos/652.pdf. Acesso em 12 jan 2018.
  6. Rhoads DD, Sintchenko V, Rauch CA, Pantanowitz L. Clinical microbiology informatics. Clin Microbiol Rev. 2014;27(4):1025-47.
  7. Rhoads DD, Novak SM, Pantanowitz L. A review of the current state of digital plate reading of cultures in clinical

microbiology. J Pathol Inform. 2015;6:23.

 

 

Paulo Murillo Neufeld, PhD

Editor-Chefe da Revista Brasileira de Análises Clínicas