Tinea capitis nos adultos: série de casos e mini-revisão da literatura brasileira

Tinea capitis in adults: case series and mini-review of brazilian literature

 

Nurimar Conceição Fernandes1, Glória Barreiros2

 

1  Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Serviço de Dermatologia. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

2  Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Laboratório de Micologia Médica. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

 

 

Recebido em 24/02/2022

Aprovado em 30/06/2022

DOI: 10.21877/2448-3877.202200027

 

 

Prezado Editor,

 

A Tinea capitis é considerada rara nos adultos devido a alguns fatores de proteção, como propriedades fungistáticas do sebo em maior quantidade, suor, maior espessura do cabelo e presença do Pityrosporum como um agente de competição nesta faixa etária. Adultos com histórico de diabetes, anemia, imunossupressão, uso de corticoide ou anormalidades hormonais são considerados predispostos.

O presente estudo analisa os resultados do exame micológico de couro cabeludo em 68 homens e 101 mulheres, de 20 a 92 anos, no período de 2010-2021. Estes pacientes apresentavam placas de alopecia descamativas e acinzentadas e cabelos quebrados no couro cabeludo.

Escamas e cabelos foram coletados através de raspagem com bisturi esterelizado e depilação com tesoura esterilizada.

Foram tratados com hidróxido de potássio (KOH) 20% + tinta Parker (preto permanente – Quink) (1:1) durante 30 minutos e observados ao microscópio óptico no aumento de 400x. As amostras foram semeadas no meio de Sabouraud dextrose ágar 2% (BD-DIFCOTM) com cloranfenicol e no Mycosel ágar (BD-DIFCOTM) incubados a 28oC e diariamente examinadas. As culturas sem crescimento durante o período de até quatro semanas foram consideradas negativas.

A identificação fenotípica foi realizada em base morfológica. As características microscópicas foram observadas através de coloração de um fragmento da colônia com bactofenol com azul de algodão à microscopia óptica no aumento de 400x. Culturas em lâmina nos meios Potato-Dextrose ágar (BD-DIFCOTM) e Benelli ágar foram montadas em lactofenol com azul de algodão, permitindo a visualização do arranjo dos conídios.

Entre os 169 pacientes, dois homens e duas mulheres mostraram positividade no exame micológico das escamas (direto e cultura) com isolamento de Trichophyton rubrum e Microsporum canis. Em três homens, a microscopia direta e a cultura foram positivas nas escamas com isolamento de Trichophyton rubrum, enquanto a microscopia direta e a cultura nos pelos foram negativas. Em um homem, a microscopia direta e a cultura foram negativas nas escamas, enquanto no pelo a cultura foi positiva, isolando-se de Trichophyton rubrum. Em uma mulher, a microscopia das escamas foi negativa, enquanto a microscopia direta e cultura foram positivas no pelo com isolamento do Trichophyton tonsurans (Tabela 1).

Adotamos os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS) para definição de idade adulta, isto é, a partir de 20 anos. Quatro casos brasileiros foram publicados no período 2010-2021 nesta faixa etária(1,2) (Tabela 2).

No presente estudo houve nível de concordância de 77,7% entre microscopia positiva e cultura positiva nas escamas e de 55,5% entre parasitismo e cultura positiva nos pelos (ver Tabela 1). A correlação entre microscopia+/cultura+ é relatada em percentuais de 42,7%2 para todos os tipos de Tinea.

Nos casos com exame direto positivo somente nas escamas, consideramos necessário instituir tratamento com terbinafina (250mg/dia/6 semanas) porque as lesões eram compatíveis com Tinea capitis (casos 5-7).

A amostra estudada permitiu concluir que a Tinea capitis nos adultos não é frequente e que o Trichophyton rubrum predomina.

A real incidência de Tinea capitis nos adultos é desconhecida; a classificação inadequada da faixa etária parece-nos um fator relevante(1-5).

 

Tabela 1

Distribuição dos casos de Tinea capitis segundo idade, gênero e exame micológico.

EXAME MICOLÓGICO
MICROSCOPIA CULTURA MICROSCOPIA CULTURA
CASO IDADE SEXO ESCAMA ESCAMA PELO PELO
1 36 M Hifas septadas T. rubrum Ectothrix T. rubrum
2 37 M Hifas septadas T. rubrum Ectothrix T. rubrum
3 51 F Hifas septadas T. rubrum Ectothrix T. rubrum
4 33 F Hifas septadas M. canis Endothrix M. canis
5 53 M Hifas septadas T. rubrum Negativa Negativa
6 50 M Hifas septadas T. rubrum Negativa Negativa
7 49 M Hifas septadas T. rubrum Negativa Negativa
8 47 M Negativa Negativa Negativa T. rubrum
9 70 F Negativa Negativa Endothrix T. tonsurans

Fonte: Arquivos do Laboratório de Micologia Médica da Instituição.

Convenção: M= Masculino; F= Feminino.

 

 

Tabela 2

Tinea capitis nos adultos: seleção dos casos no Brasil (2010-2021).

Autor, ano No de casos Idade Sexo Dermatófitos isolados
Amostra do estudo Tinea capitis M F
Silva, 2018[1] 268 37 0-15 anos 23 14 T. rubrum
2 31-60 anos 2 T. mentagrophytes
1 >61 anos 1 M. canis, M. gypseum
Silva-Rocha, 2017[2] 113 11 0-10 anos * * T. tonsurans, M. canis
1 11-20 anos * *
1 21-30 anos * *
Fajardo, 2017[3] 52 4 45 anos (mediana) * * M. canis, T. mentagrophytes
Veasey, 2017[4] 67 67 8-13 anos (mediana) 42 25 M. canis, T. mentagrophytes, T. tonsurans
Heidrich, 2015[5] 9.048 137 1-98 anos (faixa etária) * * T. rubrum, T. tonsurans, T. gypseum

Fonte: Literatura estudada.

Convenção: M= Masculino; F= Feminino; *= Não mencionado; = nenhum.

 

 

REFERÊNCIAS

 

  1. Silva KA, Gomes BS, Magalhães OMC, Lacerda Filho AM. Etiologia das dermatofitoses diagnosticadas em pacientes atendidos no Laboratório de Micologia Médica no Centro de Biociências da Universidade Federal de Pernambuco, entre 2014-2017. Rev Bras Anal Clin. 2018;50(1):33-7.
  2. Silva-Rocha WP, de Azevedo MF, Chaves GM. Epidemiology and fungal species distribution of superficial mycoses in Northeast Brazil. J Mycol Med. 2017;27(1):57-64. doi: 10.1016/j.mycmed.2016.08.009. Epub 2016 Sep 20.
  3. Fajardo AD, Silva RR, Costa APM, Rossetto AL, Cruz RCB. Estudo epidemiológico das infecções fúngicas superficiais em Itajaí, Santa Catarina. Rev Bras Anal Clin. 2017;49(4):396-400. doi: 10.21877/2448-3877.201700584
  4. Veasey JV, Miguel BAF, Mayor SAS, Zaitz C, Muramatu LH, Serrano JA. Epidemiological profile of tinea capitis in São Paulo City. An Bras Dermatol. 2017;92(2):283-4. doi: 10.1590/abd1806-4841.20175463.
  5. Heidrich D, Garcia MR, Stopiglia CD, Magagnin CM, Daboit TC, Vetoratto G, et al. Dermatophytosis: a 16-year retrospective study in a metropolitan area in Southern Brazil. J Infect Dev Ctries. 2015;29(8):865-71. doi: 10.3855/jidc.5479.

Correspondência

Nurimar Conceição Fernandes

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