Soroprevalência em doadores de sangue do Vale do Taquari, RS
Seroprevalence in blood donors of Taquari Valley, RS
Fernanda Marca1
Luciana Weidlich2
1Farmacêutica. Pós-Graduada em Análises Clínicas. Centro Universitário Univates – Lajeado, RS, Brasil.
2Farmacêutica Doutora em Ciências Biológicas. Departamento de Ciências Biológicas e da Saúde do Centro Universitário Univates – Lajeado, RS, Brasil.
Instituição: Centro Universitário Univates – Lajeado, RS, Brasil.
Artigo recebido em 02/04/2013
Artigo aprovado em 29/01/2016
Resumo
Objetivo: O presente estudo tem como objetivo determinar a soroprevalência em doadores de sangue do Vale do Taquari, buscando identificar dentre os doadores clinicamente aptos à doação de sangue os indivíduos com antígenos ou produção de anticorpos de doenças infecciosas. Métodos: Foi realizado um estudo retrospectivo da prevalência de marcadores sorológicos em doadores de sangue no banco de sangue Hemovale – Centro Hemoterápico Vale do Taquari, localizado em Lajeado, RS. Resultados: A amostra foi composta por 16.965 doadores de sangue no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2010. A partir dos resultados obtidos pode-se perceber que a prevalência de soropositividade foi de 4,38%, destacando-se o teste Anti-HBC (3,2%) como principal causa de descarte sorológico. A faixa etária predominante entre os doadores está compreendida entre 20-29 anos, sendo 60,7% dos doadores eram do sexo masculino e 39,3% do sexo feminino. Conclusão: Apesar da aparente baixa prevalência geral de indivíduos infectados no presente estudo, torna-se necessário observar os resultados para grupos específicos.
Palavras-chave
Doadores de sangue; Prevalência;Testes sorológicos
INTRODUÇÃO
O processo transfusional tem uma história de pouco mais de um século, sendo reconhecidas classicamente como ponto de partida a descoberta e a descrição do sistema ABO por Landsteiner em 1900. Ao longo de sua história, importantes marcos foram decisivos no sentido de se modificarem conceitos até chegarmos, nas ultimas três décadas principalmente, a um complexo e sofisticado processo que incorpora conhecimentos clínico-epidemiológicos e laboratoriais.(1,2)
A segurança da transfusão sanguínea depende de alguns fatores que, em conjunto, vão determinar a qualidade dos hemocomponentes a serem transfundidos. Dentre eles podemos destacar a seleção da população de doadores, triagem clínica, realização dos testes imunohematológicos, triagem sorológica.
A transmissão de doenças infecciosas pelo sangue é conhecida desde antes de existirem os primeiros bancos de sangue. Todavia, com o aparecimento do HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) em 1981, e a comprovação de que a doença era transmissível pelo sangue, houve uma verdadeira revolução nos serviços de Hemoterapia de todo o mundo.(3)
A hemoterapia, no Brasil e no mundo, tem se caracterizado pelo desenvolvimento e adoção de novas tecnologias objetivando minimizar os riscos transfusionais, especialmente quanto à prevenção da disseminação de agentes infecto-contagiosos.(4) O risco principal é a transmissão de vírus com longo tempo de incubação, os que são portados por indivíduos assintomáticos. Alguns vírus transmissíveis através da transfusão possuem uma grande janela imunológica.(5,6)
Apesar da relevância, no Brasil, não se tem estabelecido o real perfil epidemiológico relacionado à terapêutica e ao uso dos produtos sanguíneos ou às falhas no processo durante o ciclo do sangue. No contexto das atividades relacionadas à vigilância em saúde, a hemovigilância representa uma das áreas estratégicas de atuação do Ministério da Saúde com o objetivo de direcionar ações para aumentar a segurança nas transfusões sanguíneas, com particular ênfase nos incidentes transfusionais.(1)
Essas ações se justificam uma vez que o sangue, pela sua característica de produto biológico, mesmo quando corretamente preparado e indicado, carrega intrinsecamente vários riscos, sendo impossível, portanto, reduzir a zero a possibilidade de ocorrência de reações adversas após uma transfusão.(1)
MATERIAL E MÉTODOS
Foi realizado um estudo retrospectivo da prevalência de marcadores sorológicos em doadores de sangue no banco de sangue Hemovale – Centro Hemoterápico Vale do Taquari, localizado em Lajeado, RS.
Foram incluídos os doadores na faixa etária de 18 a 65 anos que compareceram ao Centro Hemoterápico no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2010, conforme a legislação vigente. Destes, foram excluídas as informações dos doadores que estavam incompletas ou duplicadas.
Todas as informações foram coletadas a partir do banco de dados disponibilizado pela instituição, onde a pesquisadora teve acesso a todas as informações pertinentes à pesquisa. Os dados foram analisados em relação à prevalência de positividade para cada um dos marcadores testados e também em relação à ocorrência de positividade para mais de um marcador para o mesmo doador, assim como para associações entre ocorrência de positividade e outros dados dos pacientes. Os dados foram submetidos ao teste qui-quadrado, sendo considerados significativos os valores de P < 0,05. Todas as análises foram realizadas com o programa estatístico SPSS (Statistical for Social Science-Version 18.0 Inc., Chicago, IL, EUA).
Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Centro Universitário Univates, sob protocolo número 025/11.
RESULTADOS
A amostra foi composta por 16.965 indivíduos, os quais foram doadores de sangue no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2010. Todas as bolsas de sangue foram testadas para doenças hemotransmissíveis. Do total de 16.965 bolsas testadas, 740 (4,38%) foram rejeitadas na triagem sorológica por apresentarem positividade para um ou mais marcadores sorológicos e 163 (1,0%) foram descartadas por apresentarem resultados inconclusivos, ou seja, com valores próximos ao cutoff, para um ou mais marcadores sorológicos.
Foi observado que 60,7% (10.300) dos doadores eram do sexo masculino e 39,3% (6.665) do sexo feminino. A idade média dos indivíduos analisados foi de 35,46 ± 10,99 (Média ± Desvio-padrão). Quanto à faixa etária observou-se o maior número de candidatos com idade entre 20 e 29 anos (34,3%) conforme Tabela 1.
A prevalência de testes reagentes foi também mais prevalente na faixa etária dos 20 aos 29 anos, exceto no teste Anti-HBC, para o qual a prevalência foi mais significativa na faixa dos 40 aos 49 anos.
Observou-se uma maior prevalência de Anti-HBC e Anti-HCV entre os 20 e 29 anos, diferença estatisticamente significante (Teste qui-quadrado, P< 0,001 para ambos os testes).
A Tabela 2 demonstra a prevalência dos resultados reagentes ou inconclusivos das doenças transmissíveis pelo sangue. Destaca-se o teste Anti-HBC, marcador que demonstra se o doador já teve contato com o vírus da Hepatite B, com 3,2% (539) de bolsas descartadas na triagem sorológica, sendo mais prevalente na faixa etária dos 40 aos 49 anos conforme Tabela 1, seguido pelo HBsAg, que é também um marcador da Hepatite B, com 0,2% (37) bolsas descartadas com faixa entre 20 e 29 anos. Os demais testes apresentaram baixa prevalência ou zero número de casos como, por exemplo, o teste HTLV.
Na Tabela 3, pode-se observar que a incidência de testes reagentes é predominante na população masculina, sendo possível observar que os testes com maior prevalência de casos reagentes em relação ao sexo são: Anti-HIV I/II, 76,9% entre o sexo masculino enquanto que 23,1% no sexo feminino, seguido do Anti-HCV com 76,2% dos casos reagentes na população masculina, e na população feminina 23,8% das doadoras apresentaram resultados reagentes. Observou-se associação entre sexo e o teste Anti-HBC (Teste qui-quadrado, P=0,023).
O teste qui-quadrado, com P=0,023, demonstrou esta associação significante entre sexo e o teste Anti-HBC. Foi também observado que as mulheres apresentaram maior prevalência e maior chance de resultado positivo no teste de PAI, em relação aos homens (Teste qui-quadrado, P=0,004; odds ratio = 2,710).
DISCUSSÃO
O processo de verificar a segurança das transfusões de sangue começa durante o recrutamento de potenciais doadores pela triagem clínica. Assim, os indivíduos que relatam a história de ter recebido transfusões de sangue e/ou de ter fatores de risco comportamentais, ou seja, uso de drogas ilícitas, ter relações sexuais desprotegidas, troca frequente de parceiros sexuais, etc são avaliados como inaptos para doar sangue.(1,5)
Quanto ao gênero, observou-se a predominância do sexo masculino, 60,7% (10.300), contra 39,3% (6.665) do sexo feminino; valores semelhantes aos encontrados nesta pesquisa são citados em outros trabalhos e ainda com diferenças maiores, onde existe um predomínio de 75,6% de candidatos do sexo masculino à doação.(7,8)
A taxa de descarte sorológico apresentada por este estudo foi de 5,38%, o que não representa a prevalência de uma determinada infecção na população de doadores de sangue; contudo, reflete um conjunto de variáveis que têm extrema importância para a qualidade do sangue.
Dentre as sorologias reagentes, a pesquisa do anticorpo contra o núcleo da Hepatite B, o Anti-HBC, foi o mais encontrado (3,2%). Como demonstram outros estudos, a prevalência média, em bancos de sangue no Brasil, do vírus da Hepatite B (VHB) é em torno de 8%. Nos estados do Sul é da ordem de 0,3% a 1,7%, no Rio de Janeiro e São Paulo, 2,05% a 4,3%, Salvador, 4,0%, Cuiabá, Campo Grande e Goiânia, 5,3%, e no Nordeste e na região amazônica, 2,8% a 10,3%.(9,10)
Fica evidente a existência de uma variação significativa da prevalência entre os estados do Brasil para esta infecção. Devemos considerar que estas variações entre os estados podem estar relacionadas a diversos fatores como: testes com princípios diferentes (automatizados ou não), perfil do doador, entrevista clínica do doador de sangue. É importante observar que um número variável de doadores com possíveis resultados positivos é desqualificado para a doação após uma entrevista clínica eficiente.
Com relação ao teste Anti-HCV foi encontrada uma baixa prevalência (0,1%). Segundo Mendes-Correa,(11) entre os doadores de sangue, a prevalência de anticorpos para o Anti-HCV varia entre 0,84% e 3,4% em diferentes partes do Brasil. As maiores taxas de prevalência foram observadas nos estados da região norte (2,12%). As regiões centro-oeste, nordeste e sudeste apresentaram taxas intermediárias (1,04%, 1,19% e 1,43%, respectivamente). A região sul, por sua vez, mostrou baixa prevalência de positividade para o Anti-HCV (0,65%).(12)
Em um estudo realizado por Araújo,(13) a reatividade para Anti-HIV em bancos de sangue varia entre 0,016 e 2,88%, estando assim de acordo com os dados encontrados neste estudo.
Os anticorpos irregulares (PAI) ocorrem em até 3% dos pacientes transfundidos em um hospital; mas, em certos pacientes, esse risco é bem maior, na ordem de 7% a 10% em politransfundidos, 6% a 36% em indivíduos falciformes e 3% a 10% em talassêmicos.(14) A prevalência destes anticorpos irregulares foi mais frequente no sexo feminino do que no masculino, como pode ser observado na Tabela 3. Isto normalmente ocorre mais em mulheres, pois a gestação faz com que ocorra contato do sangue do feto com o da mãe.
A presença de hemácias contendo Hb S em doadores de sangue brasileiros é representativa, chegando a 2,4%.(15) A heterogeneidade étnica da população brasileira, além de variações técnicas, dificulta a comparação dos resultados.(16)
Não é possível extrapolar os dados de prevalência obtidos em bancos de sangue para a prevalência na população em geral, mas pode-se supor que a prevalência dos marcadores nessa população seja maior do que neste estudo, uma vez que um número importante de candidatos à doação é considerada não apta por apresentar fatores de risco para doenças infectocontagiosas, e, assim, não foi incluída neste levantamento. Desta maneira, este estudo pode ser útil como um indicativo das doenças mais frequentes e também de grupos onde ocorre maior prevalência de doenças, para que, então, sejam realizados estudos populacionais nestes grupos, a fim de se obterem dados epidemiológicos consistentes para a implementação de estratégias de prevenção e tratamento dirigidas às populações adequadas.
CONCLUSÃO
Com o desenvolvimento de novas tecnologias, cada vez mais poderemos detectar as sorologias positivas em menor tempo e com maior sensibilidade, reduzindo as janelas imunológicas. Este fato, aliado a uma legislação adequada e rígida, permitirá que o sangue tenha qualidade e mínimos riscos de contaminação ao receptor.
Apesar da aparente baixa prevalência geral de indivíduos infectados no presente estudo, torna-se necessário observar os resultados para grupos específicos. Estes resultados podem auxiliar as autoridades de saúde no desenvolvimento de novos estudos e de estratégias de prevenção e tratamento destas doenças.
Agradecimentos
Aos funcionários e diretores do Hemovale – Centro Hemoterápico Vale do Taquari, pela disponibilização dos dados e pelo apoio no desenvolvimento deste estudo.
À profª Dra. Luciana Weidlich, pela orientação e ajuda na montagem e realização deste artigo e à Msc. Andressa de Souza, pela importante ajuda na análise estatística.
Abstract
Objective: The present study aims to determine the prevalence in blood donors of Taquari Valley, seeking to identify among the donors medically fit to donate blood to individuals producing antibodies or antigens of infectious disease. Methods: We conducted a retrospective study of the prevalence of serological markers in blood donors at the blood bank Hemovale – Center Hemotherapeutic of Taquari Valley, located in Lajeado, RS. Results: The sample consisted of 16.965 blood donors from January 2009 to December 2010. From the results obtained can be seen that the prevalence of seropositivity was 4.38%, highlighting the test Anti-HBC (3.2%) as main reasons for disposal serological. The age distribution among donors is between 20-29 years, 60.7% of donors were male and 39.3% female. Conclusion: Despite the apparent low overall prevalence of infected individuals in this study, it is necessary to observe the results groups.
Keywords
Blood donors; Prevalence; Serologic tests
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Correspondência
Fernanda Marca
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