Soroprevalência da toxoplasmose em pacientes HIV reagentes atendidos pelo SAE/CTA

 

Seroprevalence of toxoplasmosis among HIV positive patients treated by SAE/CTA

 

Jéssica Lopes Fontoura1                                       

Renan Melo de Lara1                                            

Cintia Regina Mezzomo Borges2

Júlio César Miné3

 

1Acadêmica (o) de Farmácia da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG – Ponta Grossa, PR, Brasil.

2Professora, Mestre da disciplina de Imunologia do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade Estadual de Ponta  

 Grossa – UEPG – Ponta Grossa, PR, Brasil.

3Professor Doutor da disciplina de Parasitologia Clínica do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade Estadual de

 Ponta Grossa – UEPG – Ponta Grossa, PR, Brasil.

 

Artigo recebido em 31/10/2013

Artigo aprovado em 29/01/2016

 

Resumo

Objetivo: Este trabalho teve como objetivo verificar a soroprevalência da toxoplasmose em pacientes HIV positivos atendidos pelo SAE/CTA do município de Ponta Grossa correlacionando a soropositividade com os dados clínicos dos pacientes, bem como verificar o conhecimento sobre a patologia. Métodos: Resultados: O grupo pesquisado envolveu 38 pacientes, sendo 23 do sexo feminino e 15 do sexo masculino. Do total de pacientes, mais da metade já realizou exames para toxoplasmose (26 pacientes), destes, 84,6% apresentaram sorologia reagente para IgG. Conclusão: Considerando os dados de soroprevalência da toxoplasmose encontrados nos protocolos investigados e a dimensão das consequências da reativação dessa infecção, é nítida a necessidade de um maior acompanhamento bem como a necessidade de informação à população sobre as formas de transmissão.

 

Palavras-chave

HIV; Toxoplasmose; Encefalite

 

 

INTRODUÇÃO

 

A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) foi descoberta em 1981 nos Estados Unidos quando um tipo raro de câncer e infecção pulmonar incomum foi diagnosticado em indivíduos jovens, previamente sadios. O quadro clínico apresentava alterações significativas do sistema imunológico, relacionadas principalmente com a imunidade celular, demonstrando um número muito baixo de linfócitos T CD4+ circulantes nesses pacientes.

Em 1983, um vírus foi identificado como agente etiológico: Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). O vírus pertence à família dos retrovírus, que possuem RNA como material genético, sendo que a enzima transcriptase reversa permite a utilização do RNA como molde para síntese de DNA. As manifestações clínicas do HIV devem-se à disfunção imunológica decorrente da infecção. Inicialmente esta disfunção foi atribuída à predileção do HIV pelos linfócitos T auxiliares (T helper ou linfócitos CD4+). A imunossupressão está ligada ao efeito citopático, ou seja, infecção e destruição pura e simples das células CD4+ havendo imunossupressão.(1)

Infecções oportunistas são um dos principais fatores de risco de morte entre os pacientes afetados pelo HIV.(2) A toxoplasmose apresenta-se como uma infecção oportunista em pacientes imunocomprometidos, sendo potencialmente grave em casos como HIV, infecção do transplante e doenças malignas que recebem terapia de supressão imunológica, podendo resultar em toxoplasmose ocular e encefalite.(3-10)

O Toxoplasma gondii é o agente etiológico da toxo­plasmose; trata-se de um protozoário intracelular obrigatório, um patógeno oportunista que vive em tecidos humanos e outros animais de sangue quente.(11-13) A toxo­plasmose é uma zoonose de distribuição larga e alta prevalência em todo o mundo; acredita-se que um terço da população mundial esteja infectada.(12,14,15)

A prevalência da infecção é dependente de hábitos sociais e culturais, fatores geográficos, climáticos e rotas de transmissão. Há indícios de que a maior prevalência ocorra em áreas quentes e úmidas, sendo um grande problema de saúde pública especialmente em países tropicais.(16,17)

A toxoplasmose pode ser contraída através da ingestão de cistos presentes em carne crua ou mal cozida, pela ingestão de legumes ou água contaminada por oocistos esporulados através das fezes de felídeos, infecção por taquizoítos através de transmissão vertical durante a ingestão de leite num lactente cuja mãe adquiriu uma infecção primária por T. gondii ou horizontal por ingestão de qualquer tipo de leite, sendo este uma fonte potencial de infecção principalmente quando ingerido cru.(3,12,18,19)

Nos adultos, o período de incubação da infecção pelo T. gondii varia de 10 a 23 dias.(20) Os felinos são a única forma conhecida de hospedeiros que podem libertar oocistos no ambiente através das fezes, vertendo milhões de oocistos infectantes durante um breve período de tempo.(21,22)

Vários surtos de toxoplasmose têm sido relacionados com água, considerada um importante veículo de transmissão. Os oocistos de T. gondii podem persistir durante um longo período no ambiente e são altamente resistentes à inativação por vários procedimentos com reagentes químicos e processos de desinfecção utilizados por concessionárias de água.(14,23,24)

Em seu ciclo de vida são identificados dois hospedeiros: o gato, que é o definitivo, apresenta um papel epide­miológico de extrema importância, e o homem, mamíferos e aves, hospedeiros intermediários.(25,26) Seu ciclo complexo inclui a fase sexuada do parasita, que ocorre no trato gastrointestinal do hospedeiro definitivo, e a fase assexuada, no hospedeiro intermediário. A fase sexual gera oocistos infectantes, enquanto que a assexual produz taquizoítos (fase proliferativa) e, eventualmente, bradizoítos (cistos de tecido, forma latente). Existem três diferentes fases infecciosas no ciclo de vida de T. gondii, ou seja, taquizoítos, bradizoítos contidos nos cistos de tecido e esporozoítos dentro dos oocistos esporulados, que são infecciosas para hospedeiros intermédios e definitivos.(27)

Quando a infecção atinge pessoas imunocompetentes, esta apresenta-se geralmente assintomática ou com sintomas benignos e autolimitada.(10,28-31) Em pacientes saudáveis, após o desenvolvimento de uma resposta imune adequada, a infecção aguda torna-se crônica caracterizada pela persistência de cistos que permanecem dormentes no tecido hospedeiro.(32,33)

Geralmente, em pacientes com HIV, a toxoplasmose é decorrente da reativação da infecção latente pela ruptura dos cistos, causando patologia grave em termos de mortalidade ou sequelas físicas e/ou psicológicas.(32,34) A reativa­ção da infecção nestes pacientes ocorre frequentemente quando os linfócitos T CD4+ caem para valores inferiores a 200 células/mL.(35,36)

A toxoplasmose cerebral em pacientes HIV positivos é a infecção oportunista mais comum, em sua maioria se apresenta como lesões de massa cerebral, com dor de cabeça, confusão mental, febre, letargia, convulsões, paralisia de nervos cranianos, alterações psicomotoras, hemi­paresia e/ou ataxia.(37,38) Mesmo com o uso de HAART (terapia antirretroviral altamente ativa), a neurotoxoplasmose permanece como a causa prevalente das doenças neurológicas em pacientes HIV positivos, sendo particularmente grave entre os de maior imunossupressão e uma ausência de profilaxia.(39)

Na fase aguda da infecção, ocorre inicialmente a produção de imunoglobulina M (IgM), seguida de imunoglobulina G (IgG), podendo produzir também imunoglobulina A (IgA) no caso de transmissão por via oral. A IgG persiste por toda a vida na grande maioria dos pacientes.(40)  Devido à dificuldade para o isolamento do parasita, o diagnóstico normalmente baseia-se em métodos sorológicos com detecção de IgG, IgM e IgA específicos para o T. gondii.(3,29)

Devido à gravidade e irreversibilidade das lesões causadas pelo T. gondii, o diagnóstico precoce bem como a distinção entre as fases aguda e crônica são essenciais para que seja feita a intervenção adequada e a limitação dos efeitos.(28,41)

Este trabalho teve como objetivo verificar a soro­prevalência da toxoplasmose em pacientes HIV positivos atendidos pelo Serviço de Atendimento Especializado/Centro de Testagem e Aconselhamento (SAE/CTA) do município de Ponta Grossa, correlacionando a soropositividade com os dados clínicos dos pacientes, bem como verificar o conhecimento sobre a patologia.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Este estudo retrospectivo foi iniciado após aprovação pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Ponta Grossa (COEP), protocolo número 035005/2013. Desenvolveu-se no período de julho a setembro de 2013, envolvendo 38 pacientes HIV positivos atendidos pelo SAE/CTA, de ambos os sexos e de faixas etárias variadas. Após uma breve explicação sobre o objetivo e a importância da pesquisa, todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Cada paciente recebeu um número único como código de identificação, garantindo a confidencialidade de sua identidade. Durante a aplicação dos TCLE os pacientes foram questionados quanto à forma de transmissão da toxoplasmose e sobre a ciência da realização ou não da sorologia.

Após a aplicação dos termos, foi realizada a análise dos prontuários dos pacientes sendo coletados os seguintes dados: sexo, idade, escolaridade, ocupação, sorologia para toxoplasmose, toxoplasmose cerebral, quantificação de linfócitos T CD4/CD8 e carga viral. Os dados obtidos foram avaliados por frequência simples.

 

RESULTADOS

 

O SAE/CTA do município de Ponta Grossa atende pacientes acometidos pelo vírus do HIV de toda a região dos Campos Gerais, que inclui os municípios de Ponta Grossa, Arapoti, Campo do Tenente, Cândido de Abreu, Castro, Ipiranga, Jaguariaíva, Ortigueira, Piraí do Sul, Porto Amazonas, Reserva, Telêmaco Borba, Tibagi, Balsa Nova, Carambeí, Campo Largo, Imbau, Ivaí, Lapa, Palmeira, Rio Negro, São José da Boa Vista, Teixeira Soares e Ventania.(42)

O grupo pesquisado foi composto por 23 pacientes do sexo feminino e 15 do sexo masculino. A média de idade do grupo foi de 52 anos, variando de 29 a 75 anos. O nível de escolaridade foi considerado baixo, apenas 31, 6% dos pacientes possuíam ensino médio completo. A ocupação variou, prevalecendo, entre as mulheres, as donas de casa. Na Tabela 1 estão representados os dados relacionados com o perfil dos pacientes incluídos nesse estudo.

 

 

toxoplasmose_01

 

 

Durante o período em que foi realizada a aplicação dos TCLE, os pacientes foram questionados de maneira informal sobre a toxoplasmose e suas formas de transmissão; dos 38 pacientes, 11 acreditavam saber sobre toxoplasmose, porém, quando questionados sobre a forma de transmissão, pôde-se verificar que apenas oito realmente conheciam a infecção. Sendo assim, concluiu-se que 21% dos pacientes apresentaram conhecimento prévio sobre a toxoplasmose e o seu modo de transmissão.

Dos pacientes estudados, 68,4% (26 pacientes) realizaram exames para toxoplasmose. O Gráfico apresenta o resultado da sorologia desses pacientes, onde 84,6% deles têm sorologia reagente para IgG antitoxoplasma. Dois pacientes com IgG reagente foram diagnosticados com neurotoxoplasmose.

 

 

toxoplasmose_02Sorologia para toxoplasmose dos pacientes HIV positivo.

 

 

Todos os pacientes incluídos na pesquisa faziam uso de terapia antirretroviral altamente ativa (HAART). Após uma conversa informal com um dos médicos do SAE/CTA levantou-se a questão do tratamento da toxoplasmose nos pacientes imunocomprometidos, e o mesmo relatou a inexistência de um protocolo de tratamento. O tratamento empregado por ele incluía os seguintes medicamentos: espiramicina (gestantes), sulfadiazina + pirimetamina e ácido folínico, indicados no tratamento da toxoplasmose aguda. No caso dos pacientes com a neurotoxoplasmose, os mesmos foram encaminhados para um médico especialista (neurologista), que empregava o seguinte tratamento: pirimetamina, ácido folínico, sulfadiazina e sulfametaxazol + trimetoprim.

 

DISCUSSÃO

 

A toxoplasmose apresenta-se como uma das mais importantes infecções oportunistas que acometem os indivíduos imunocomprometidos, sendo uma doença agressiva e frequentemente fulminante em pacientes HIV positivo.(10) Devido ao número crescente de descrições de lesões retinianas associadas com a AIDS, a toxoplasmose vem se tornando uma importante causa de retinite infecciosa. O diagnóstico da toxoplasmose ocular é presuntivo e leva em consideração a clínica do paciente e exclusão de outras doenças como sífilis e citomegalovírus (CMV). Em mais da metade dos pacientes, a coriorretinite pôde ser diagnos­ticada no exame de fundo de olho.(43)

Como apresentado anteriormente, dos 38 indivíduos que participaram da pesquisa, 22 apresentaram sorologia reagente para IgG. Esses pacientes necessitam de maior atenção visto que é frequente a reativação de uma infecção crônica.(9) O local mais comumente afetado pelo T. gondii é o sistema nervoso central (SNC).(44) A neuro­toxoplasmose pode ocorrer quando os níveis de linfócitos T CD4+ são inferiores a 200 células/mL, levando a um quadro de alterações do estado mental, convulsões, déficits motores focais, distúrbios de nervos cranianos, alterações sensoriais, sinais cerebelares e distúrbios do movimento.(37,44) Foram encontrados dois casos de neurotoxo­plasmose na pesquisa, porém não foi possível correlacioná-los com os dados de linfócitos T CD4+ e carga viral já que os relatos são antigos. O diagnóstico da toxoplasmose cerebral baseia-se em sinais e sintomas clínicos, pesquisa de anticorpos no líquido cefalorraquidiano (LCR) e/ou no soro e tomografia com­putadorizada de crânio.(45) Habitualmente existe alteração liquórica, com pleocitose mono­nuclear moderada, elevação de proteínas e glicor­raquia normal ou diminuída.(43)

Embora todos os pacientes que participaram da pesquisa utilizem HAART, o mesmo não diminui ou exclui a possibilidade do desenvolvimento da neurotoxoplasmose. Um estudo anterior comparou dois grupos pré e pós-HAART e se observou uma diminuição nos quadros de infecção por CMV e herpes após o uso de HAART, porém o mesmo não foi observado na toxoplasmose.(46)

Observou-se que, dos 38 pacientes, 12 não possuíam dados de sorologia para toxoplasmose nos prontuários e quatro dos 26 pacientes que haviam realizado a sorologia obtiveram resultado de IgG não reagente. Isso implica a importância da criação de programas de atenção básica e prevenção primária contra a infecção pelo T. gondii na comunidade, de modo a reduzir os riscos de transmissão da infecção em indivíduos soronegativos. Estes programas tornam-se imprescindíveis quando se trata de pacientes imunocomprometidos, nos quais essa infecção oportunista pode ser fatal.

A pesquisa revelou a prevalência da baixa escolaridade entre os indivíduos, além da observação da falta de conhecimento sobre a infecção, confirmando a necessidade de disseminar a informação através de propagandas de fácil acesso, como televisão e internet. Cuidados simples como a lavagem correta dos alimentos, consumo de carnes bem cozidas e não entrar em contato com fezes de felinos podem evitar a primo infecção.

Dentre os dados coletados, a faixa etária dos pacientes mostrou que todos têm mais de 25 anos. Um estudo anterior demonstrou que o índice de infecção por T. gondii aumenta com a idade. No Brasil, 42% das crianças com até 5 anos de idade apresentavam anticorpos contra o parasita, aumentando a soropositividade para 56% entre 5 e 20 anos, e chegando a mais de 70% após os 20 anos.(43) Este dado reforça a necessidade da realização da soro­logia para que, caso necessário, seja realizado o acompanhamento dos pacientes com a saúde mais fragilizada.

O tratamento da toxoplasmose está indicado nos casos agudos (IgM reagente) e nas reagudizações e tem como finalidade o combate das formas trofozoíticas. Os fármacos não têm ação sobre os cistos e dessa maneira não há indicação para a forma crônica da doença. Os fármacos utilizados no tratamento da toxoplasmose no SAE/CTA de Ponta Grossa condizem com os propostos na literatura.(43)

 

CONCLUSÃO

 

Considerando os dados de soroprevalência da toxoplasmose encontrados nos protocolos investigados e a dimensão das consequências da reativação dessa infecção, é nítida a necessidade de um maior acompanhamento, bem como a necessidade de informação à população sobre as formas de transmissão. É necessário um maior investimento e a inclusão da sorologia para toxo­plasmose como um exame obrigatório em pacientes imuno­comprometidos. Medidas simples podem evitar a primo infecção; sendo assim, investimentos na prevenção poderiam evitar gastos futuros no tratamento, melhorando a qualidade e expectativa de vida do paciente. A porcentagem dos pacientes que haviam realizado a sorologia para toxoplasmose ainda é muito pequena, levando em consideração a gravidade da infecção.

 

Agradecimentos

À Secretaria Municipal de Saúde de Ponta Grossa e ao SAE/CTA.

 

 

Abstract

Objective: This work had as objective to verify toxoplasmosis seroprevalence among HIV patients treated at the SAE/CTA of the city of Ponta Grossa, correlating seropositivity to clinical data from patients, as well as to verify their knowledge about HIV patology and it has involved 38 patients. Methods: Results: The surveyed group had 23 women and 15 men. More than half of all the patients have already been tested for toxoplasmosis (26 patients of 38). 85% of these patients are IgG reagente. Conclusion: Considering data of toxoplasmosis soroprevalence found in the protocols surveyed and the magnitude of the consequences of its infection reactivation, the need for a larger monitoring as well as information of the population about the modes of transmission became clear.

 

Keywords

HIV; Toxoplasmosis; Encephalitis

 

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Correspondência

Jéssica Lopes Fontoura

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