Relação neutrófilo-linfócito e resposta imune como fatores de prognóstico para COVID-19

Neutrophil-lymphocyte relationship and immune response as prognostic factors for COVID-19

 

João Marcelo Ramalho Alves

Médico Intensivista, Superintendente do Hospital Universitário Gaffreé e Guinle – HUGG/EBSERH – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

Instituição: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

Recebido em 21/09/2020
Artigo aprovado em 30/09/2020
DOI: : 10.21877/2448-3877.20200014

Prezado Editor

Ao final de 2019, uma síndrome respiratória aguda grave, associada à tempestade de citocinas descontro­ladas, causada pelo novo coronavirus-2 (SARS-CoV-2), foi identifi­cada em Wuhan, na China, e rapidamente se espalhou pelo mundo. Atualmente temos mais de 21 milhões de casos, mais de 755 mil mortos em 218 países.

A comunidade científica internacional nunca experimentou período de tão intensa produção de pesquisas nas áreas da epidemiologia, diagnóstico tendo como base os passos anteriormente trilhados nas pandemias de SARS-CoV(2002/03) e MERS-CoV (2012/13), que acometeram a Ásia e o Oriente médio, respectivamente.

A doença é dividida em três fases: 1) fase de replica­ção viral, onde o vírus se liga a receptores ACE2 prioritariamente nas células do aparelho respiratório, iniciando o ciclo de infecção, que dura geralmente até o sétimo dia da doença; 2) fase pulmonar, caracterizada pelo processo imuno­trombótico, com aparecimento de infiltrados pulmonares em vidro fosco, febre mais elevada, dispneia e uma variedade de reações inflamatórias, ocorrendo entre o oitavo e o décimo segundo dias; 3) fase de hiperinflamação, na qual alguns pacientes apresentam piora clínica, caracterizada por insuficiência respiratória, choque, hipotensão e trombo­em­bolismo, como consequência da tempestade de citocinas.

O desempenho dos testes diagnósticos está intimamente relacionado com a cinética viral da COVID-19, onde o tempo de contágio, a fase da doença e a gravidade da infecção podem apresentar alterações em seus resultados.

O padrão ouro de identificação viral é o RT-PCR na detecção do vírus, sendo realizado a partir da coleta de células da nasofaringe com auxílio de swabs, bem como escarro ou fluido bronco alveolar (BALF), que são transportados em meio viral. No entanto, a taxa positiva das amostras analisadas demonstrou-se inferior a 75%. Desta forma, ensaios imunológicos para SARS CoV-2 são necessários para se diagnosticar, com precisão, a COVID-19. Os anticorpos SARS-CoV-2 IgM específicos foram detectados usando-se um ensaio imuno­croma­tográfico de ouro coloidal SARS-Coloidal (GICA). Os resultados foram analisados em combinação com a data de coleta da amostra e informações clínicas (Quadro 1). O GICA foi concordante com os casos positivos detectados por RT-qPCR-COVID-19 em 82,2% (37/45), bem como em 32,0% (8/25) nos pacientes clinicamente confirmados RT-qPCR negativos (análise no período de 4-14 dias após o início do sintoma). A investigação de pacientes com IgM negativo, RT-qPCR-positivo-COVID-19 mostrou que metade deles desenvolveu doença grave.(1,2)

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A relação neutrófilo/linfócito (NRL) pode ser útil como preditor de gravidade e desfecho da doença. Quanto maior o NRL, maior o valor de citocinas inflamatórias (IL-2, IL-6 e IL-10) e maior serão os valores de IgG e, conse­quente­mente, maior será a gravidade com pior prognóstico.(3)

Uma ativação imune exagerada com altos níveis de IgG foi associada à gravidade, onde fenótipos NRL elevado – IgG elevado, NRL elevado – IgG baixo, NRL baixo – IgG elevado e NRL baixo – IgG baixo foram de 72,3%, 48,5%, 33,3% e 15,6 respectivamente.  Além disso, a elevação das taxas de NRL e IgG também estiveram associadas a aumento de citocinas pró-inflamatórias. Em contra­partida, a taxa de recuperação de pacientes graves estava, segundo este estudo, inversamente proporcional, ou seja, quanto menores o NRL e o IgG, maior a chance de recuperação (Figura 1).(3)

O IgG para SARS-CoV-2 é inicialmente detectado após quatro dias de doença, atingindo pico em média de quatro semanas. Títulos altos e precoces foram observados em casos graves, enquanto que, em casos leves, os resultados na maioria foram títulos baixos de IgG, sustentando a hipótese de que uma resposta imune robusta também levaria a maiores danos em tecidos imunomediados.

A linfopenia com NRL elevado também já foi descrita em pacientes com maior gravidade, tornando o NRL um bom indicador de imunidade inata e o IgG um indicador de imunidade adquirida.

Enquanto isso, uma resposta tardia da IgM estaria associada à gravidade. A investigação de pacientes com IgM negativo com RT-PCR positivo mostrou que metade destes evoluiu  para formas graves da COVID-19, levando a crer que pacientes nestas situações não desenvolveram níveis detectáveis de anticorpos IgM no início da doença.(2)

Os testes laboratoriais traduzem, portanto, uma ferramenta de auxílio a tomadas de decisões clínicas no diagnóstico da fase da doença por infecção causada pelo SARS-CoV-2, cujos resultados negativos ou positivos devem ser cuidadosamente analisados, pois resultados negativos não são exclu­dentes e devem ser interpretados com auxílio dos dados clínicos.

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                              Figura 1. Relação NRL/IgG e gravidade da doença.

 

 

REFERÊNCIAS

  1. Ma H, Zeng W, He H, Zhao D, Jiang D, Zhouet P, et al. Serum IgA, IgM, and IgG responses in COVID-19. Cell Mol Immunol. 2020 Jul;17(7):773-775. doi: 10.1038/s41423-020-0474-z. Epub 2020 May 28.
  2. Shen L, Wang C, Zhao J, Tang X, Shen Y, Lu M, et al. Delayed specific IgM antibody responses observed among COVID-19 patients with severe progression,. Emerg Microbes Infect. 2020 Dec;9(1):1096-1101. doi: 10.1080/22221751.2020.1766382.,
  3. Zhang B, Zhou X, Zhu C, Song Y, Feng F, Qiu Y, et al. Immune phenotyping based on neutrophil-to-lymphocyte ratio and IgG predicts disease severity and outcome for patients with COVID-19. Front Mol Biosci. 2020 Jul 3;7:157. doi: 10.3389/fmolb. 2020. 00157. eCollection 2020.

 

 

 

Correspondência

João Marcelo Ramalho Alves

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