Prevalência de parasitos intestinais em trabalhadores de aviários de uma cidade no Sul do Brasil

Prevalence of intestinal parasites in poultry workers of city in Southern Brazil

 

Máira Lermen de Almeida1

Patrícia Kelly Wilmsen Dalla Santa Spada2

Adriana Dalpicolli Rodrigues3

 

1Biomédica pela Faculdade da Serra Gaúcha – FSG, Caxias do Sul, RS, Brasil.

2Doutora em Biotecnologia pela Universidade de Caxias do Sul. Docente do Curso de Biomedicina, Enfermagem e Nutrição da

Faculdade da Serra Gaúcha – FSG, Caxias do Sul, RS, Brasil. Mestre em Biotecnologia pela Universidade de Caxias do Sul. Pesquisadora no Laboratório Alfa LTDA, Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.

 

Instituição: Faculdade da Serra Gaúcha – FSG, Caxias do Sul, RS, Brasil

Conflito de interesses: Não há conflito de interesses

Suporte financeiro: financiamento próprio

 

Artigo recebido em 07/10/2015

Artigo aprovado em 24/02/2016

DOI: 10.21877/2448-3877.201600419

 

Resumo

As parasitoses intestinais representam um sério problema de saúde pública, podendo ser transmitidas pela ingestão de alimentos contaminados e hábitos de higiene inadequados. Sendo assim, tanto as aves como os indivíduos que as manipulam podem ser meios de propagação de parasitos. O objetivo deste estudo foi investigar a prevalência de parasitoses em trabalhadores de aviários que realizam exames parasitológicos de fezes (EPF) periodicamente. Realizou-se coleta em banco de dados de resultados de EPF nos anos de 2011 e 2012, em um laboratório de Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil. Nas 446 amostras avaliadas, em 2011, observou-se presença de parasitos em 15,9% delas, sendo 9,41% infectados por Endolimax nana, 2,91% por Entamoeba coli, 2,24% por Giardia lamblia, 0,45% por Iodamoeba butschlii, 0,22% por Strongyloides stercorali e 0,67% por verminoses múltiplas. No ano de 2012, foram analisadas 187 amostras, onde também se observou a maior incidência de cistos de protozoários com 9,09% de Endolimax nana, 2,67% de Entamoeba coli, 1,07% de Giardia lamblia e 1,06% infectados por mais de um parasita. Trabalhadores parasitados podem ser uma fonte de contaminação de alimentos e de disseminação de parasitoses. Frente a isso, ressalta-se a importância dos exames periódicos de fezes em trabalhadores envolvidos no manuseio e distribuição de alimentos para consumo humano, como forma de reduzir ou sanar essa fonte de contaminação.

 

Palavras-chave

Parasitos; Contaminação de alimentos; Aves domésticas; Trabalhadores em aviários

 

 

INTRODUÇÃO

 

As parasitoses intestinais, por elevada prevalência e diversidade de manifestações clínicas, aparecem como um sério problema de saúde pública, em especial nos países em desenvolvimento, com insatisfatórias condições de saneamento e educação precária das populações, mais especificamente nas classes sociais menos favorecidas.(1-3) As parasitoses podem ser transmitidas pela ingestão de alimentos contaminados, sendo que essa contaminação pode estar ligada a precários hábitos de higiene pessoal dos manipuladores, à higienização do local e ao controle ambiental na produção e industrialização de alimentos.(1,4)

As aves para consumo são criadas em ambientes confinados, propiciando o crescimento e propagação de microrganismos e parasitos na forma de microssurtos.(5) Algumas condutas adotadas para se garantir a qualidade higiênico-sanitária dos alimentos são, principalmente, a realização de programas de educação continuada para os mani­puladores de alimentos, a realização semestral de exames parasito­lógicos desses indivíduos e o fortalecimento do sistema de vigilância sanitária, para fiscalização de alimentos oferecidos para a população.(6)

No Brasil, apesar da relevância e da atualidade do problema relacionado com contaminação dos alimentos e dos manipuladores, são poucos os trabalhos avaliando a ocorrência de enteroparasitoses em pessoas envolvidas nesta atividade.(7) Em vista disso, o presente estudo objetivou avaliar a presença de parasitos intestinais em trabalhadores de aviários, desde os manipuladores diretos nos viveiros até os envolvidos nos subprodutos, que realizaram exames periódicos de fezes, em um laboratório de Caxias do Sul, RS, no período de 2011 até 2012.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Foi realizado um estudo epidemiológico, descritivo, transversal, analítico e ambispectivo. Foram consultados resultados de exames parasitológicos de fezes (EPF) de funcionários de empresas do ramo aviário, em um banco de dados de um laboratório de análises clínicas de Caxias do Sul, RS, entre janeiro de 2011 e janeiro de 2012. O método utilizado para a realização do EPF foi sedimentação espontânea Hoffman, Pons e Janer.(3)

Foram constituídas tabelas apresentando os resultados em porcentagens, médias e desvios-padrão e analisados estatisticamente, utilizando-se o teste de qui-quadrado (p £ 0,05), no software SPSS para Windows versão 20.0.

O presente estudo foi realizado em consonância com os princípios éticos aceitos pelas normativas nacionais (Resolução CNS 466/12) e internacional (Declaração de Helsinki/World Medical Association), estando aprovado pelo Comitê de Ética do Círculo Operário Caxiense da Faculdade da Serra Gaúcha sob o parecer 636.714.

 

RESULTADOS

 

Foram analisados 446 resultados de EPF de trabalhadores de aviários, em 2011, e 187 resultados, em 2012. A média de idade dos indivíduos avaliados no ano de 2011 foi de 27,5 ± 8,8 anos, para ambos os sexos, sendo 53,36% de homens. Em 2012, 56,68% dos estudados eram homens, com média de idade de 28 ± 9,1 anos. Para o sexo feminino, em 2012, a média de idade foi de 27,4 ± 9.

Nas 446 amostras avaliadas, em 2011, não foi observada a presença de parasitos em 84,1% (n=375). No entanto, em 15,9% (n=71) das amostras foi observada prevalência de cistos de protozoários, sendo 9,41% (n=42) de Endo­limax nana; 2,91% (n=13) de Entamoeba coli; 2,24% (n=10) de Giardia lamblia; 0,45% (n=2) de Iodamoeba butschlii e apenas 0,22% (n=1) por larvas de helmintos (Strongyloides stercoralis). Os portadores de verminoses múltiplas, por Entamoeba coli e Endolimax nana, totalizaram 0,67% dos analisados. (Tabela 1)

1

 

No ano de 2012 (Tabela 2), foram analisadas 187 amostras, das quais não foi observada a presença de parasitos em 161 (86,1%). Nesse período, também se observou a maior incidência de cistos de protozoários, sendo 9,09% contaminados por Endolimax nana, 2,67% por Entamoeba coli, 1,07% por Giardia lamblia e 1,06% infectados por mais de um parasita. Das duas amostras contendo multi­verminoses, uma apresentou Ascaris lumbricoides, Entamoeba coli e Endolimax nana e a outra Srongyloides stercoralis e Entamoeba coli.

 

2

 

Não foram observadas diferenças significativas dos dados avaliados (janeiro de 2011 a janeiro de 2012), entre a ocorrência dos diferentes parasitos e o sexo ou idade dos indivíduos.

 

DISCUSSÃO

 

Pelo que se conhece até o momento, esse é o primeiro estudo que avalia resultados de exame parasitológico de fezes em trabalhadores de aviários na cidade de Caxias do Sul, RS; mesmo em outros ramos alimentícios, não há muitos dados na literatura, assim como no Brasil esse tipo de estudo é escasso. No estudo realizado por Kheirandish et al.,(8) na cidade de Khorramabad (região oeste do Irã), foram analisadas amostras de fezes de 210 funcionários de Fast-food, delicatessen e restaurantes. A prevalência de parasitos intestinais foi de 9%, ou seja, menor do que a encontrada no presente estudo, tanto em 2011 quanto em 2012 (15,9% e 13,9%, respectivamente). Do mesmo modo, os autores encontraram maior prevalência de protozoários e menor de helmintos, sendo 2,9% de Giardia lamblia, 4,3% de Entamoeba coli, 1,4% de Blastocystis sp, e 0,5% de Hymenolepis nana.

Capuano et al.(9) encontraram enteroparasitoses em 33,1% dos manipuladores de alimentos em Ribeirão Preto (São Paulo, Brasil), incluindo 20,0% de casos de poli­parasitismo. Prevalências mais altas de infecções ocorreram entre os indivíduos envolvidos com atividades de manipulação direta dos alimentos (68%), como cozinheiros, auxiliares de cozinha, padeiros, confeiteiros, salgadeiras, pizzaiolos, doceiras, etc. Dentre as diferentes espécies encontradas nesse estudo, as mais prevalentes foram Endolimax nana e Entamoeba coli, estando em acordo com o presente trabalho.

Takizawa et al.(5) relataram a ocorrência de entero­parasitos em 343 manipuladores diretos de alimentos na cidade de Cascavel (Paraná, Brasil), através da análise de fezes. Resultados positivos foram observados em 131 (38,2%) amostras. A espécie Endolimax nana (67,9%) foi a predominante, seguido de Entamoeba coli e Giardia lamblia presentes também neste estudo (nos percentuais respectivos de 9,41%, 2,91% e 0,45% em 2011 e 9,09%, 2,67% e 1,07%, em 2012). Além desses parasitos, encontraram Blastocystis hominis (28,2%) e Entamoeba histolytica (10,1%), os quais não foram encontrados nos trabalhadores avaliados por esta pesquisa.

No estudo realizado por Nolla e Cantos(10) foram analisadas as amostras fecais de 238 indivíduos (142 do sexo masculino e 96 do sexo feminino), em Florianópolis (Santa Catarina, Brasil), o qual comparou a prevalência de parasitoses em trabalhadores de uma empresa Fast-food (média de idade de 19 anos) e de feiras livres e sacolões (média de idade de 28 anos). Os protozoários mais frequentes nos trabalhadores foram cistos de Endolimax nana (1,8% e 21,9, respectivamente), Entamoeba coli (10,9% e 18,5% respectivamente), Giardia lamblia (0,8% e 11,8%, respectivamente), corroborando com os dados encontrados no estudo em tela. Entretanto, foram visualizados outros protozoários não encontrados nesta avaliação, como Blastocystis hominis (20,2% e 8,4%, respectivamente) e Entamoeba histolytica (0,8% e 3,4%, respectivamente). Em relação dos helmintos, foram observados Enterobius vermicularis (2,5% e 6,7%, respectivamente) e um percen­tual maior de Strongyloides stercoralis (1,7% cada grupo). No total, o índice de contaminação de trabalhadores de Fast-food foi de 62,2% (n=74) e dos trabalhadores de feiras e sacolões 76,5% (n=91). A partir da avaliação de um questionário respondido pelos trabalhadores, os autores atribuíram o elevado parasitismo à menor renda familiar, ao número de pessoas residentes em cada domicílio, à escolaridade e ao hábito de ingerir verduras e frutas sem a devida higienização. Também verificaram maior prevalência de parasitoses em indivíduos com menor renda e menor escolaridade. Relataram ainda que os trabalhadores de sacolões e feiras livres estão mais susceptíveis às contaminações justamente por causa do manejo de adubos naturais, manutenção manual da terra, menor escolaridade e, às vezes, por más condições de higiene combinadas à habitação precária. Como este estudo foi realizado em banco de dados, não foi possível obter essas informações.

No estudo de Fernandes et al.,(11) foram analisadas amostras fecais de 251 manipuladores de alimentos de restaurantes, com idade entre 20 e 59 anos, pelos métodos de Hoffman, Pons e Janer e de Willis,(3) além de respostas a questionário sobre os aspectos socioeconômicos e sanitários dos indivíduos. O número de amostras positivas para parasitos foi de 51%, sendo identificados casos de polipa­rasitismo. Entre os protozoários, foram encontrados: Entamoeba coli (38%), Endolimax nana (26%), Entamoeba histolytica/E. dispar (17%), Iodamoeba bustchlii (8%). Entre os helmintos foram identificados: Ascaris lumbricoides (48%), Ancilostomídeos (19%), Enterobius vermicularis (13%), Strongyloides stercoralis (10%), Hymenolepis nana (6%) e Taenia spp (4%). Em geral, a prevalência parasitária nesse estudo foi maior do que a observada na presente pesquisa. Entretanto, há concordância com a maior contaminação por protozoários do que por helmintos.

No estudo realizado por Marzochi et al.,(12) foram avaliadas 220 amostras de EPF de trabalhadores de supermercados da zona norte e zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Nesse estudo, 21,4% encontravam-se contaminadas com ovos de helmintos e cistos de protozoários, como Ascaris lumbricoides (7,3%), seguido de Giardia lamblia (4,1%), Entamoeba coli (3,5%), Enterobius vermicularis (2,8%), Trichuris trichiura (2,2%), Hymenolepis diminuta (0,5%), Taenia sp. (0,5%) e Trichosomoides crassicauda (0,5%). Com relação a essa avaliação, a maior contaminação observada foi por helmintos, assim como no estudo de Andargie et al.(13) A hipótese de que trabalhadores de mercado têm contato com muitos outros alimentos, além de aves e derivados, parece justificar a diferença de resultados encontrados nesta pesquisa.

No estudo realizado por Oliveira et al.,(14) foram analisados 601 EPF de trabalhadores rurais de assentamentos da região sul do estado de Sergipe, Brasil. A ordem de prevalência geral das enteroparasitoses foi Endolimax nana (54,6%), Entamoeba histolytica (22,2%), Giardia lamblia (15,6%), Ascaris lumbricoides (15,3%), Ancilostomídeos (13,2%), Iodamoeba beustschilli (5,9%), Schistosoma mansoni (4,3%), Trichuris trichiura (3,3%), Strongiloides stercoralis (2,5%), Enterobius vermiculares (0,4%), Taenia saginata, Taenia solium e Hymenolepis nana (0,2% cada). As taxas de poliparasitismo, ao contrário dos dados encontrados neste trabalho, foram altas, com 37,8% dos examinados albergando mais de uma verminose. Os resultados deste trabalho mostraram as precárias condições de saneamento de assentamentos, que resultam não somente em elevados níveis de parasitismo intestinais, como também na frequente ocorrência de poliparasistismo.

Em geral, ao se compararem os estudos citados acima com os deste estudo, pode-se verificar que foram avaliados mais indivíduos masculinos do que femininos, sendo a idade média entre eles bastante próxima. Embora não tenha sido aplicado nenhum questionário, a baixa prevalência de parasitoses se deve, provavelmente, ao fato das amostras avaliadas pertencerem a trabalhadores de uma empresa de grande porte. Essa empresa disponibiliza atendimento médico local, plano de saúde aos seus funcionários, palestras diversas sobre saúde e equipamento de proteção individual adequado para cada função (dados esses obtidos junto ao departamento de pessoal da empresa em questão). Outro fator a ser considerado é que a cidade de Caxias do Sul apresenta mais de 325.694 habitantes(15) e conta com unidades básicas de saúde nos bairros, posto central de atendimento, além de possuir saneamento básico na grande maioria dos bairros, mesmo os mais afastados do centro. Ainda, em acréscimo, o laboratório onde foram coletados os dados realiza apenas o método de sedimentação espontânea Hoffman, Pons e Janer,(3) visto que, quanto mais amostras e/ou técnicas realizadas, maior a chance de se visualizarem parasitos, já que a distribuição no bolo fecal não é uniforme e a eliminação parasitária pode ser intermitente, principalmente de protozoários que foram os mais prevalentes.

A partir dos dados apresentados e das informações coletadas na literatura, neste estudo pode-se concluir que, embora seja relatada maior incidência de parasitoses em crianças, o parasitismo em adultos é extremamente crítico. Trabalhadores parasitados podem ser fonte de contaminação de alimento e disseminação para a população em geral, pois, uma vez contaminados, esses indivíduos tornam-se veículos de propagação de verminoses em suas residências e locais de convívio. Portanto, torna-se importante a realização de exames periódicos de fezes em trabalhadores envolvidos no manuseio e distribuição de alimentos, como forma de reduzir ou sanar contaminações, evitando problemas de saúde subsequentes.

 

Abstract

Intestinal parasites infection, a serious public health problem, can be transmitted by ingestion contaminated food and inadequate hygiene habits. Therefore, birds and those handling the birds can be parasites propagation means. The aim of this study was to investigate the prevalence of parasitic infections in poultry workers who parasitological examinations (EPF) periodically. The collection was made in the database of EPF results for the years 2011 and 2012 in a laboratory of Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brazil. In the 446 samples evaluated in 2011, we observed the presence of parasites in 15.9% of samples, with 9.41% infected Endolimax nana; 2.91% Entamoeba coli; 2.24% Giardia lamblia; 0.45% Iodamoeba butschlii, 0.22% Strongyloides stercoralis and 0.67% for multiple worms. In the year 2012, 187 samples, which also observed a higher incidence of protozoan cysts with 9.09% of Endolimax nana, 2.67% Entamoeba coli, 1.07% Giardia lamblia and 1.06% infected by more than one parasite. Infected workers can be a source of contamination food and parasites dissemination. Faced with this, it emphasizes the importance of periodic stool examinations in workers involved in the handling and distribution of food, as a way to reduce or cure the current contamination.

 

Keywords

Parasites; Food contamination; Poultry; Aviary workers

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência

Adriana Dalpicolli Rodrigues

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