Perfil epidemiológico da sífilis adquirida em pacientes de um laboratório clínico universitário em Goiânia-GO, no período de 2017 a 2019
Epidemiological profile of syphilis acquired in patients of a university clinical laboratory in Goiânia-GO from 2017 to 2019
Jessica Amorim de Godoy1
Jessika Araujo Souza De Lima1
Leonardo Luiz Borges2
Mauro Meira de Mesquita3
Iasmim Ribeiro da Costa2
Hermínio Maurício da Rocha Sobrinho4
1Graduanda do curso de Biomedicina da Escola de Ciências Médicas, Farmacêuticas e Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Goiânia-GO, Brasil.
2Professor (a) Adjunto (a) da Escola de Ciências Médicas, Farmacêuticas e Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiânia-GO, Brasil.
3Professor Assistente da Escola de Ciências Médicas, Farmacêuticas e Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiânia-GO, Brasil.
4Professor Adjunto do curso de Medicina da Escola de Ciências Médicas, Farmacêuticas e Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Doutor em Medicina Tropical e Saúde Pública pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
Instituição: Escola de Ciências Médicas, Farmacêuticas e Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Goiânia-GO, Brasil.
Recebido em 05/11/2020
Aprovado em 14/01/2021
DOI: 10.21877/2448-3877.202101999
INTRODUÇÃO
A sífilis é uma infecção sistêmica, exclusiva do ser humano, que possui como agente etiológico uma bactéria, da classe das espiroquetas, a Treponema pallidum, podendo ser transmitida por via sexual e vertical.(1) As infecções por sífilis são frequentemente assintomáticas, entretanto, a maioria dos desfechos adversos pode ser prevenida com detecção precoce e tratamento imediato com penicilina.(2)
Na sífilis adquirida, a transmissão é sexual, sendo o contágio extragenital raro, havendo poucos casos por transfusões de sangue e por inoculação acidental.(3) Quando não tratada adequadamente, a doença que pode ficar por grandes períodos sem sintomas clínicos, pode evoluir atingindo múltiplos sistemas, produzindo lesões cutâneas, mucosas, cardiovasculares e nervosas.(4)
Com a instituição da portaria n° 2.472 de 31 de agosto de 2010 pelo Ministério da Saúde do Brasil, tornou-se compulsória a notificação de sífilis adquirida a partir desta data. No ano de 2017, foram realizadas alterações nos critérios usados para a definição dos casos da doença nas seguintes situações: Indivíduo assintomático, com teste não treponêmico reagente com qualquer titulação e teste treponêmico reagente e sem registro de tratamento prévio. Indivíduo sintomático para sífilis, com pelo menos um teste reagente – treponêmico ou não treponêmico com qualquer titulação.(5)
Atualmente, o número de casos de sífilis no Brasil vem aumentando expressivamente. Em 2019, Goiânia-GO ficou entre as capitais brasileiras que tiveram uma alta taxa de detecção de sífilis com 95,5 casos/100 mil habitantes.(6) Convém ressaltar a importância do diagnóstico e tratamento adequado da sífilis, especialmente em mulheres, visto ser uma doença com graves consequências para a grávida e para o seu feto, pois, quando transmitida intraútero, leva à sífilis congênita.(7,8)
Os exames laboratoriais desempenham papel fundamental na confirmação do diagnóstico, controle da infecção e no monitoramento da resposta ao tratamento. Para diagnóstico da sífilis deve ser considerado os diferentes estágios da doença. Os exames laboratoriais são utilizados na triagem de indivíduos assintomáticos, mas que foram expostos a situações de risco, onde pode ter ocorrido o contágio.(9) Os testes não treponêmicos detectam anticorpos não específicos aos antígenos do T. pallidum, podendo ser quantitativos ou qualitativos, usados para estabelecer a fase da infecção e para o acompanhamento do tratamento.(10)
Os testes imunológicos treponêmicos detectam anticorpos específicos (IgM e IgG) para antígenos do T. pallidum e confirmam o diagnóstico da sífilis. Cerca de 85% das pessoas que contraem sífilis durante a vida apresentarão resultados positivos nos testes treponêmicos, mesmo tendo realizado os tratamentos.(10) Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, é necessário que seja realizado um teste não treponêmico e um teste treponêmico para o diagnóstico de sífilis. Caso o teste treponêmico seja positivo, o teste não treponêmico quantitativo terá suas titulações usadas para avaliar a eficácia do tratamento.(10,11)
Apesar das medidas já instauradas no combate ao aumento da sífilis no estado, como a instituição do Comitê de Investigação de Transmissão Vertical de Sífilis, HIV e Hepatites B e C, por meio da Portaria nº 512/201, nota-se que muito ainda precisa ser realizado para que falhas identificadas nas políticas públicas de saúde não reverberem e provoquem graves consequências para a saúde da população.(12)
Por se tratar de uma doença multifacetada, com graves implicações para os indivíduos afetados, o objetivo deste estudo foi avaliar a soroprevalência de exames laboratoriais realizados para o diagnóstico de sífilis em um laboratório clínico universitário, no município de Goiânia-GO, no período de 2017 a 2019 e determinar o perfil epidemiológico de casos confirmados de sífilis nos usuários deste laboratório.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente estudo trata-se de uma pesquisa retrospectiva e descritiva realizada a partir da análise laboratorial dos testes treponêmicos e não treponêmicos no banco de dados do sistema de gestão do Laboratório de Análises Clínicas (LAC) da graduação em Biomedicina da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), no município de Goiânia, Goiás, Brasil, no período do ano de 2017 ao ano de 2019.
Foram verificados os resultados dos exames complementares solicitados para diagnóstico da sífilis (VDRL – Veneral Disease Research Laboratory e FTA-Abs – Fluorescent treponemal antibody absorption) do Sistema Único de Saúde (SUS) e o perfil epidemiológico dos pacientes. Foram selecionados todos os pacientes que, por indicação clínica das equipes de saúde da região, passaram pela triagem ou pelo diagnóstico da infecção por sífilis através de exames realizados no Laboratório Clínico da PUC Goiás (LAC-PUC Goiás).
Analisaram-se todos os resultados dos testes não treponêmicos e treponêmicos realizados no laboratório no período temporal mencionado. O diagnóstico da sífilis, após a suspeita clínica, é realizado através dos testes VDRL e FTA-Abs. O FTA-Abs é o teste mais frequentemente usado na confirmação diagnóstica laboratorial, já que detecta anticorpos específicos contra os antígenos das espiroquetas causadoras da sífilis, confirmando a infecção pelo patógeno. Este teste é então utilizado para confirmar a infecção dos pacientes que possuem um teste de VDRL reagente, comprovando que estes não estão vinculados a um falso-positivo, mas sim à infecção propriamente dita.(13,14)
Os critérios de inclusão no estudo foram usuários do laboratório com idade igual ou superior a 18 anos, realização de testes não treponêmicos (VDRL\RPR) e um teste treponêmico positivo (FTA-Abs IgG) para confirmação da doença. Foram excluídos do estudo usuários com idade inferior a 18 anos, resultados que não apresentaram confirmação por testes treponêmicos e casos onde as informações relativas às variáveis sociodemográficas dos sujeitos da pesquisa não estavam completas.
Para a determinação do perfil epidemiológico dos casos confirmados de sífilis adquirida, foram analisadas variáveis sociodemográficas dos usuários (sexo, idade e escolaridade) a partir das informações fornecidas pelo banco de dados do laboratório clínico (LAC PUC Goiás).
Foram analisados os exames realizados de janeiro de 2017 a dezembro de 2019. Quanto aos exames VDRL foram observados se estes eram não reagente ou reagente. Quando reagente, verificado a titulação da reação, sendo que foram considerados como sugestivos de infecção os títulos maiores ou iguais que quatro (T ³ 4). Quanto ao FTA-Abs (IgG) observou-se apenas se estes eram reagentes ou não reagentes.
Os resultados coletados foram tabulados em uma planilha no Microsoft Excel 2013, sendo expressos em valores absolutos (individuais), média e desvios-padrão (± DP) ou frequências e porcentagens, por meio de gráficos e tabelas. O teste do qui-quadrado foi empregado para avaliar a dependência entre as variáveis sexo e nível de escolaridade com o tempo de amostragem dos indivíduos. Além disso, a análise de correlação de Spearman foi utilizada para verificar a possível associação entre a variável nível de escolaridade e frequência de indivíduos infectados. As análises estatísticas foram executadas por meio do software Past versão 3.25 e foram considerados significantes valores de p < 0,05.15
O estudo teve a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Goiás aprovado com o protocolo CAAE: 08254212.5.0000.003, com número do parecer: 235.376, e obedeceu as diretrizes e requisitos da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados
A presente pesquisa analisou, no banco de dados do Laboratório de Análises Clínicas da PUC Goiás, um total de 8.884 exames de rastreamento para sífilis adquirida solicitados no período do ano de 2017 ano de 2019. No ano de 2017 foi realizado um total de 1.975 exames de rastreamento da sífilis, no ano de 2018 foram realizados 5.104 exames e no ano de 2019 um total de 1.805 exames. Os imunoensaios laboratoriais utilizados no rastreamento para a sífilis consistem em testes não treponêmicos VDRL e/ou RPR (Rapid Test Reagin), cujos resultados positivos foram confirmados por teste treponêmico de Imunofluorescência denominado FTA-Abs (IgG) obedecendo-se as recomendações do Ministério da Saúde do Brasil.
Dentre a população pesquisada no ano de 2017, um total de 62,10% (1.226/1.975) indivíduos era do sexo masculino e 37,90% (749/1975) do sexo feminino. Já no ano de 2018, a população era composta de 58,82% (3002/5.104) do sexo masculino e 41,17% (2102/5.104) do sexo feminino e no ano de 2019 a população era composta de 50,10% (904/1.805) do sexo masculino e 49,9% (901/1.805) do sexo feminino.
No que se diz respeito ao comparativo percentual entre o sexo da população estudada em relação aos resultados de exames de rastreamento para sífilis positivos (reagente) observou-se que, no ano de 2017, 47,9% eram indivíduos do sexo masculino e 52,1% eram do sexo feminino, em 2018, 72,9% eram do sexo masculino e 27,1% eram do sexo feminino e em 2019, 63,0% eram do sexo masculino e 37,0% eram do sexo feminino (Figura 1). Observou-se diferença estatisticamente significante entre o sexo dos indivíduos com exame positivo para sífilis e o período temporal avaliado (p=7,554E-12).
Figura 1. Comparativo percentual entre os sexos dos pacientes pesquisados no período de 2017 a 2019.
No ano de 2017 do total de 1.975 exames 219 (11,1%) foram reagentes para o VDRL e 1.756 não reagentes (88,9%). O ano de 2018 os exames VDRL reagentes foram 878 (17,2%) enquanto que os não reagentes foram 4.226 (82,8%) exames. Por último, no ano de 2019 foram constatados 181 exames (10,1%) de VDRL reagentes e 1.624 (89,9%) não reagentes (Figura 2).
Figura 2. Percentual de exames de rastreamento para sífilis reagentes e não reagentes entre os anos de 2017 a 2019.
O total de casos confirmados de sífilis adquirida observado em usuários do LAC PUC Goiás mensalmente durante o período temporal analisado é apresentado na Figura 3, a seguir.
Figura 3. Curva demonstrando total de resultados de exames positivos para Sífilis mensalmente no período de 2017 a 2019.
A partir dos resultados reagentes do exame VDRL foi possível estabelecer uma curva comparativa dos números de resultados positivos, mensalmente, entre os anos de 2017 e 2019 (Figura 3). A média de resultados reagentes para sífilis no ano de 2017 foi de 18 casos, em 2018 foi de 73 casos e em 2019 de 16 casos. Do total de 1.278 exames reagentes para sífilis, nos três anos, as titulações de VDRL mais frequentes foram: Titulo = 2 com 30,4% e Titulo = 4 com 14,2%.
Em 78,7% (1.005 resultados) dos resultados do exame não treponêmico reagente foi realizado pelo menos um exame treponêmico para confirmação da infecção, o FTA-Abs, para pesquisa de anticorpos IgG. No ano de 2017 constataram-se 92,40% de exames reagentes, nos anos de 2018 e 2019 as frequências de reatividade de IgG para antígenos de T. pallidum aumentaram, respectivamente, para 98,20% e 92,80% de exames reagentes (Figura 4).
Figura 4. Resultados do exame de FTA-Abs IgG para confirmação do diagnóstico laboratorial da Sífilis
Com relação aos dados sociodemográficos avaliados nesta pesquisa constatou-se que a média da idade da população estudada foi de 37,6 ± 15,81 anos, a que se manteve próxima quando analisada a cada ano, onde no ando de 2017 a média de idade foi de 36,9 ± 14,98 anos com predomínio da faixa etária de 18 a 29 anos que correspondeu a 32,9% dos casos com resultados reagentes de VDRL. No ano de 2018 a média de idade foi de 38,2 ± 16,17 anos, também com o predomínio da faixa etária de 18 a 29 anos totalizando 41,0% dos exames reagentes do VDRL. Já no ano de 2019, a média de idade foi de 37,5 ± 15,65 anos, sendo que a faixa etária mais prevalente continuou sendo a de 18 a 29 anos, correspondendo a 30,9% dos exames de VDRL reagentes (Tabela 1). Não foi observada diferença estatisticamente significante ao nível de 5% entre as faixas etárias avaliadas em relação ao período temporal estudado (p = 0,059809). Assim, considerando um nível de significância de 5%, não é possível afirmar que existe mudança no perfil dos portadores de sífilis entre 2017 e 2019.
Foi realizado o levantamento de dados quanto à escolaridade dos pacientes com exame reagente de rastreamento e confirmatório para sífilis. Os dados nos três anos analisados se apresentaram semelhantes em quase todas as categorias. Os grupos de maior prevalência foram o de indivíduos que possuíam o ensino fundamental incompleto (27,8%/2017, 28,1%/2018 e 30,9%/2019), seguido pelo que possuía o ensino fundamental completo (22,8%/2017, 20,8%/2018 e 26,8% 2019), ensino médio incompleto (18,7%/2017, 16,2%/2018 e 16%/2019) e, finalmente, os que apresentavam o ensino médio completo (13,2/2017, 13,9%/2018 e 12,9%/2019). Os demais grupos de escolaridade apresentaram um percentual de positividade, no exame de VDRL, menor ou igual a 9,1% no período temporal estudado (Tabela 1). O teste do qui-quadrado sugere existir uma dependência entre o nível de escolaridade e o período compreendido no estudo (p= 4,55 x10-5). Por meio da análise de correlação de Spearman, foi possível constar uma associação negativa (R= -1) e significativa ao nível de 5% entre o nível de escolaridade e a proporção de indivíduos infectados, portanto os indivíduos com menores níveis de escolaridade apresentaram maior prevalência de sífilis, o que pode estar associado a falta de informação e cuidados na prevenção desta doença.
A sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST), cujo agente etiológico é o Treponema pallidum. A apresentação dos sinais e sintomas da doença é muito variável e complexa. Quando não tratada, evolui para formas mais graves, podendo comprometer o sistema nervoso, cardiovascular, respiratório e sistema gastrointestinal. É uma doença que ainda se constitui um problema de Saúde Pública no Brasil, tanto pelo grande número de casos quanto pelas suas complicações.(15,16) É uma doença de notificação compulsória regular, assim, todo caso confirmado deve ser notificado à Vigilância Epidemiológica conforme o critério: indivíduo assintomático com teste não treponêmico reagente com qualquer titulação e teste treponêmico reagente; ou clínica compatível, com pelo menos um teste reagente. A notificação e vigilância epidemiológica são necessárias para interromper a cadeia de transmissão e indicar as medidas de controle à doença.(16,17)
Discussão
A sífilis é um grande problema para a atual saúde pública brasileira, não apenas pela gravidade da própria doença, mas também como um fator de risco para outras doenças infecciosas, como o HIV 19, pois demonstra um comportamento sexual onde o indivíduo não utiliza preservativos, sendo este o principal meio de prevenção das infecções sexualmente transmissíveis (IST’s).(18)
Dada a importância do diagnóstico laboratorial da sífilis adquirida, o presente estudo buscou avaliar a prevalência de casos de sífilis adquirida em usuários atendidos em um laboratório clínico universitário localizado em Goiânia-GO. Foram analisados resultados de exames de rastreamento e confirmação para sífilis no período de 2017 a 2019. No que se refere-se à população estudada neste período temporal constatou-se uma maior distribuição de exames analisados entre pacientes do sexo masculino (5.192) em relação aos pacientes do sexo feminino (3.692). No que se refere ao percentual de resultados de exames de rastreamento para sífilis positivos em relação ao sexo dos pacientes, observou-se uma maior prevalência de resultados positivos no sexo masculino nos anos de 2018 (72,9%) e 2019 (63,0%) (Figura 1). Esse dado também foi evidenciado no Boletim epidemiológico do estado de Goiás onde em 2018 verificou-se que 61,9% dos casos de sífilis adquirida ocorreram em homens.(19) Já no Brasil os números, segundo o boletim epidemiológico de 2019, em 2017, 41,7% dos casos de sífilis adquirida ocorreu em homens e no ano de 2018 constatou-se um aumento para 42,6%.(6)
De acordo com o Boletim Epidemiológico de Sífilis de 2019, observou-se que a sífilis adquirida teve sua taxa de detecção aumentada de 59,1 casos por 100 mil habitantes, em 2017, para 75,8 casos por 100 mil habitantes, em 2018.(6) O aumento da incidência do número de casos de sífilis adquirida no Brasil evidencia a necessidade de estratégias governamentais adequadas para o controle e enfrentamento da doença pela população. De acordo com o Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde do Brasil, nos anos de 2017 e 2018 foram confirmados, respectivamente, 384 e 457 casos de Sífilis Gestacional no município de Goiânia-GO, evidenciando-se o aumento de número de casos de sífilis na capital do estado de Goiás.
No presente estudo foi possível verificar um constante crescimento dos casos de sífilis adquirida com um pico no ano de 2018 de 17,2% de VDRL reagente, no ano de 2017, 11,1% dos exames não treponêmicos foram reagentes, em 2019 essa taxa regrediu para 10,1%. Esse aumento foi observado no número de casos de sífilis adquirida em todo o estado de Goiás; no ano de 2017 foram registrados 2.432 casos de sífilis, em 2018 esse número subiu para 4.828 casos, um aumento de 98,5% em relação a 2017 e em 2019 uma regressão caindo para 2.602 casos de sífilis adquirida registrados.(6) Nos três anos, 5.192 homens realizaram o exame e 18,5% obtiveram resultado reagente no teste não treponêmico, enquanto que 3.692 mulheres realizaram o exame, tendo 11,3% de exames reagentes.
O exame mais utilizado de teste não treponêmico é o VDRL com uso recomendado apenas para triagem dos pacientes com suspeita de infecção, por ser sensível para detecção, mas, no entanto, não é específico, podendo gerar resultados falso-positivos. O VDRL é reativo a partir da segunda semana de infecção após o surgimento do cancro duro, reduzindo os títulos após o primeiro ano e negativando após uma média de 12 meses depois do tratamento.(13)
Em estudo realizado no mesmo laboratório que avaliou casos de sífilis entre os anos de 2010 a 2014, observou-se um constante aumento a partir do ano de 2012, chegando a 8,70% de VDRL positivos no ano de 2014, com maior número de casos reagentes no gênero masculino (9,79%).(20)
A constatação de maior prevalência de casos de sífilis adquirida no gênero masculino neste estudo, pode ser explicada, possivelmente, devido a uma característica de promiscuidade com um maior número de parceiras (os) entre os homens, além de ser um grupo que procura menos os serviços de saúde. Isso ocorre como consequência histórica da falta de políticas de saúde pública da voltadas para os homens, que de certa forma os excluem, onde estes deixam de procurar a assistência médica de forma preventiva, só buscando auxílio médico quando já apresentam sinais e sintomas da doença.(21)Outro ponto é o não tratamento dos parceiros das mulheres diagnosticadas com a doença, levando às reinfecções. Estudo mostra que o número de parceiros não tratados é superior aos tratados, o que impossibilita a quebra da cadeia de transmissão.(22)
O nosso estudo mostrou que o maior número de casos de sífilis adquirida ocorreu na população jovem, na faixa etária de 18 a 29 anos, com um percentual de 34,9% do total de casos nos três anos, se aproximando muito da faixa etária estudada no boletim epidemiológico de 2019 onde a razão dos três anos da população entre 20 e 29 anos foi de 35,5%.(6)Em relação à idade, o Boletim Epidemiológico (2018) da sífilis no Distrito Federal, destaca que a maioria dos casos notificados foram na faixa etária de 20 a 39 anos, e entre o período de 2012 a 2017 houve crescente número de casos em jovens de 15 a 19 anos, e em adultos maiores de 60 anos. Ressaltaram que a distribuição entre os sexos foi de dois casos masculinos para um caso feminino.(23)
O nível de escolaridade da população estudada é baixo, e a maioria da população (> 75,0%) não possuía ao menos o ensino médio completo. Vale ressaltar que, neste estudo, a maioria dos pacientes atendidos no laboratório clínico eram provenientes do convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil. Portanto, é possível concluir-se que se trata de uma população com pouco, com menor grau de escolaridade e menor acesso à informação de qualidade. Como no estudo realizado a partir do banco de dados do e-SUS, foram analisados dados de 400 usuários do SUS com idade entre 20 e 59 anos em 2015, 70,3% dos usuários cadastrados apresentam nível de escolaridade baixo, na qual fazia parte dessa população de analfabetos até ensino fundamental completo.(24)
Os fatores culturais, sexuais e comportamentais influenciam na alta incidência dos casos de sífilis.(25) Existem alguns grupos que possuem maior predisposição para contrair a doença, dentre eles estão os homossexuais, profissionais do sexo, usuários de drogas ilícitas, pessoas que já tiveram algum tipo de infecção sexualmente transmissível, pessoas que possuem múltiplos parceiros sexuais, moradores de rua.(26,27)
Os testes não treponêmicos detectam anticorpos não específicos (anticardiolipina) para os antígenos do T. pallidum, que são utilizados para rastreio de casos possíveis de sífilis, e podem ser qualitativos ou quantitativos.(19,28) No que se diz respeito à análise dos títulos do exame de VDRL, no período estudado, constatou-se que a maior parte se concentrou entre os títulos 2 e 4, correspondendo a 44,9% dos resultados reagentes, seguidos dos títulos 8 a 32 resultando em 35,2% do total. Os títulos ³ 1/16 são sugestivos de infecção pelo T. pallidum e representaram 42,4% dos exames reagentes, uma vez que exames com titulações inferiores com teste treponêmico negativo são considerados falsos positivos.(29) Isso se deve ao fato de títulos baixos também serem encontrados em outras doenças que causam a liberação da cardiolipina, como lúpus eritematoso sistêmico, síndrome antifosfolipidica, e outras colagenoses, na hepatite crônica, no uso abusivo de drogas ilícitas injetáveis, na hanseníase, na malária, na mononucleose, na leptospirose, ou efeito temporário de algumas medicações.(29)
Um aspecto relevante observado nesta pesquisa é que 21,3% de todos exames realizados do ano de 2017 ao ano de 2019 com VDRL reagente não possuíam a confirmação laboratorial por um teste treponêmico, por falta de solicitação médica. Assim, a assistência médica e o tratamento dos pacientes foram incompletos. Ressalta-se que caso o paciente não seja bem orientado quanto à prevenção e ao tratamento, o mesmo pode continuar propagando a doença.(11)
No que tange à organização dos serviços de vigilância em saúde, pode-se atuar para além dos processos de diagnóstico (detecção) e registro (notificação), avançando na produção de estudos sobre análises de situação de saúde locais, buscando identificar a dinâmica cotidiana existente no território, no sentido de subsidiar o planejamento em saúde e fomentar a participação popular. Ainda que as ações de vigilância epidemiológica voltadas para a identificação dos casos para tomar medidas de controle sejam importantes, é fundamental avançar para a atuação de vigilância em saúde que esteja articulada aos processos sociais que ocorrem no território e integrada à atenção primária em saúde.
Conclusão
Os resultados desta pesquisa evidenciam que a população goiana encontra-se sujeita a um crescimento de infecção por sífilis, especialmente, em adultos jovens do sexo masculino. Sabe-se que a ocorrência dos casos está associada ao manejo inadequado da doença, com perda de oportunidade de diagnóstico e tratamento, ao tratamento ineficaz dos pacientes, à falta de tratamento do parceiro, à investigação inadequada e à falta de conscientização dessa parcela da população.
Mesmo com exames de diagnóstico específicos e tratamento simples, a sífilis continua sendo um problema de saúde pública com um constante aumento. As atuais estratégias de controle e prevenção da doença têm se mostrado ineficaz para uma diminuição significativa dos números de casos.
É possível observar que o panorama da sífilis no Brasil e no município de Goiânia-GO é preocupante, pois os casos vêm aumentando consideravelmente. É necessário o desenvolvimento de novas estratégias de políticas públicas, que visem à promoção de ações educativas, por equipe qualificada, direcionadas ao controle da doença, incluindo ações de notificação, busca ativa, tratamento adequado e acompanhamento sorológico para comprovação da cura, a fim de que possam ser propostas mudanças que impliquem em um melhor enfrentamento da doença. Assim, ressalta-se a importância da educação em saúde com o intuito de informar quanto às formas de prevenção, transmissão e de tratamento, além de incentivar a proteção da população durante toda a sua vida sexual, por meio da utilização do preservativo nas relações sexuais, principalmente os indivíduos que não possuem um único parceiro.
Abstract
Objective: Syphilis is an infectious disease, transmitted sexually and vertically during pregnancy. When not treated properly, the disease can remain in the organism for long periods without clinical symptoms, it can evolve reaching multiple systems. The objective of this study was to determine the epidemiological profile of users of the Clinical Laboratory of PUC Goiás, with confirmed cases of acquired syphilis, in the period from 2017 to 2019. Methods: This is a retrospective research, based on the analysis of the results of the VDRL exams and FTA-Abs in the laboratory’s electronic database. Results: A total of 8,884 screening tests for acquired syphilis were ordered during this period. Of this total, 11.1%, 17.2% and 10.9% had positive results in the VDRL, respectively, in the years 2017, 2018 and 2019. A percentage of 78.7% of the positive tests for syphilis (VDRL) were confirmed by the FTA-Abs (IgG) treponemic test. In 2017, 32.45% of the tests were reactive for FTA-abs; 7.95% in 2018, and 9.3% in 2019. The results of this research show a higher prevalence of cases of acquired syphilis in young male adults (47.9% / 2017; 72.9% / 2018; 63,0% / 2019) with low education. Conclusion: In recent years, syphilis has become a major public health problem, as it increases every year, even with simple treatment and rapid diagnosis. Control measures, mainly aimed at the adequate treatment of the patient and partner, use of condoms, information to the population must be strengthened by health programs for syphilis control in the studied population.
Keywords
Syphilis; epidemiology; clinical diagnosis; serology
REFERÊNCIAS
- Secretaria Estadual de Vigilância em Saúde de São Paulo-SP. Boletim Epidemiológico de Sífilis, 2008. Disponível em: http://www.cvs.saude.sp.gov.br/cvs.asp.
- Bottino G. Sífilis: Diagnóstico, Tratamento e Controle. An Bras Dermatol. 2006;81(2):111-126.
- Brasil, Ministério da Saúde. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 8ª ed., 2010.
- Santana RL, Parahyba MJPC, Alencar MJ, Marques DA. Teste VDRL para o diagnóstico da sífilis. Avaliação dos resultados em uma unidade de atenção primária de saúde. RBAC. 2006; 38(2):71-73.
- Brasil. Ministério da Saúde. Portaria N° 2.472, de 31 de Agosto de 2010. Acesso em: nov.2019. Disponível em: http://bvsms. saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt2472_31_08_2010.html
- Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis. 2019. Acessado em: mar/2020. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2019/boletim-epidemiologico-sifilis-2019
- Lazarini FM, Barbosa DA. Educational intervention in Primary Care for the prevention of congenital syphilis. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2017;2835-2845.
- Cruz V, Ferraz K. Sífilis: uma realidade prevenível. Sua erradicação, um desafio atual. Rev Saúde e Pesq. 2009:2(2):257-263.
- CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), Ministério da Saúde. Testes para diagnóstico da Sífilis, 2015. Acesso em: nov/2019. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2015/Relatorio_PCDT_IST_CP.pdf
- Brasil. Ministério da Saúde. Manual Técnico Para Diagnostico da Sífilis. 2016. Acesso em: Out.2019. Disponível em: http://www. aids.gov.br/pt-br/pub/2016/manual-tecnico-para-diagnostico-da-sifilis
- Pereira LFS, Cardoso MO, Castro FS, Costa SHN. Avaliação da prevalência dos caso de sífilis na população da Vila Mutirão atendida pelo Laboratório Clínico PUC Goiás. Rev Brasileira Militar de Ciências. 2019:5(13):40-46. Disponível em: https://rbmc. emnuvens.com.br/rbmc/article/view/23/19
- Secretaria do Estado da Saúde Goiás. Situação epidemiológica da sífilis adquirida, sífilis em gestante e sífilis congênita no Estado de Goiás. Secretaria Estado da Saúde Goiás. 2017.
- Martins MA, Carrilho FJ, Alves VAF, Castilho EA, Cerri GG. FMUSP. Clínica Médica. 2a ed. v. 7., 2016. p. 309
- Trinh TT, Kamb ML, Luu M, Ham DC, Perez F. Syphilis testing practices in the Americas. Trop Med Int Healt. 2014;22(9): 1196-1203.
- Brasil, Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis 2017. Acessado em 02/05/2019. Disponível em http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/boletim-epidemiologico-de-sifilis-2017.
- Coelho JMR, Dantas FCS, Pena LTG, Barbosa JJ, Costa CM, Ferreira LI, Meira Fb. Sífilis: um panorama epidemiológico do Brasil e do município de Volta Redonda/RJ. Brazilian J Heal Rev. 2018;1(1):128-147.
- Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis. 2018. Acessado em: maio/2019. Disponível em http://www.aids.gov.br/
- Schnaider JJC, Ribeiro C, Breda D, Skalinski LM, Orsi E. Perfil epidemiológico dos usuários dos Centros de Testagem e Aconselhamento do Estado de Santa Catarina, Brasil, no ano de 2005. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro-RJ. 2008;24(7):1675-1688. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csp/v24n7/22.pdf
- Brasil. Secretaria de Saúde do Estado de Goiás. Boletim Epidemiológico de Sífilis de 2018. Acesso em: Fev/2020. Disponível em: https://www.saude.go.gov.br/images/imagens_migradas/2019/03/boletim-epidemiologicosifilis-2018.pdf
- Miranda COP, Rizzo IRC. Panorama da sífilis em Goiânia segundo levantamento realizado no laboratório clínico da PUC Goiás entre 2010 e 2014. EVS Est Vida e Saúde. 2018;45:66-70. Disponível em: http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/estudos/article/view/5260
- Travaim SF, Machado BS, Domingues BS, Morais LI, Alves HNS, Pereira GCA, Gois RV. Análise do perfil epidemiológico dos casos de sífilis notificados no município deji-paraná no período de 2012 a 2016. BJSCR 2017;21(2):42-4. Disponível em: https://www. mastereditora.com.br/periodico/20180103_165852.pdf
- Pires ACS, Oliveira DD, Rocha GMNM, Santos A. Ocorrência de sífilis congênita e os principais fatores relacionados aos índices de transmissão da doença no Brasil da atualidade – revisão de literatura. Rev Uningá. 2014;19(1):58-64. Disponível em: http://revista.uninga.br/index.php/uningareviews/article/view/1522/1137
- Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Boletim Epidemiológico Sífilis. 2018. Acesso em 01/2020. Disponível em: http://www.saude.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2018/05/Boletim-sifilis-2018.pdf
- Dietrich A, Colet CF, Winkelmann ER. Perfil de saúde dos usuários da rede de atenção básica baseado no cadastro individual e-SUS. Rev Pesqui. (Online). 2019;11(5):1266-1271. Disponível em: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/viewFile/7494/pdf_1
- Cavalcante AES, Silva MAM, Rodrigues ARM, Netto JJM, Moreira ACA, Goyanna NF. Diagnóstico e Tratamento da Sífilis: uma Investigação com Mulheres Assistidas na Atenção Básica em Sobral, Ceará. J Bras Doenças Sex Transm. 2012;24(4):239-245.
- Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Junior PRB. Praticas de risco ao HIV de mulheres profissionais do sexo. Rev Saúde Pública. 2014;48(3):428-437. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rsp/v48n3/pt_0034-8910-rsp-48-3-0428.pdf
- Pinto VM, Tancredi MV, Alencar HDR, Camolesi E, Holcman MM, Grecco JP, Grajeiro A, Grecco ETO . Prevalência de Sífilis e fatores associados a população em situação de rua de São Paulo, Brasil, com utilização de Teste Rápido. Rev. Bras. Epidemiol. 2014; 7(2): 341-354.
- Reis GJ, Barcellos C, Pedroso MM, Xavier DR. Intraurban differentials in congenital syphilis: A predictive analysis by neighborhood in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Cad. Saúde Pública. 2018;34(9):1-13.
- Nadal SR, Framil VMS. Interpretação sorológicas para diagnostico e seguimento pós-terapêutico da sífilis. Rev. Bras. Coloproct. 2007;27(4):479-482.
- Hammer Ø & Harper DAT. 2006. Paleontological Data Analysis. Oxford, Blackwell, 2006.
Correspondência
Jessica Amorim de Godoy
Escola de Ciências Médicas, Farmacêuticas e Biomédicas
Av, Universitária 1.440, Setor Universitário
74605-010 – Goiânia-GO, Brasil