Perfil epidemiológico da AIDS no Brasil utilizando sistemas de informações do Datasus

AIDS epidemiologic profile in Brazil using the Datasus database

 

 

Camila Souza de Oliveira1                                    

Daniella Souza Mendonça1                                     

Laura Muniz de Assis1                                         

Patrícia Guedes Garcia2

 

 

1Graduada. Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora. Juiz de Fora-MG, Brasil.

2Doutora. Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora. Juiz de Fora-MG, Brasil.

 

Instituição: Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora. Juiz de Fora-MG, Brasil.

 

Recebido em 19/10/2019

Aprovado em 11/09/2020

DOI: 10.21877/2448-3877.202100917

 

 

INTRODUÇÃO

 

O HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) é um retro­vírus causador da doença conhecida como AIDS, sigla em inglês para Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.(1,2) Este retrovírus tem a capacidade de atacar o sistema de defesa dos indivíduos debilitando-os e propiciando o aparecimento de outras doenças oportunistas.(2)

Os primeiros casos de AIDS no mundo foram descobertos e registrados entre 1977 e 1978 nos Estados Unidos da América (EUA), Haiti e África Central, mas somente classificados como tais em 1982.(3,4) Já no Brasil, o primeiro caso da infeção foi relatado em 1980 na cidade de São Paulo, mas também somente classificado em 1982.(4)

O HIV/AIDS representa um problema de saúde pública mundial.(5) Até o fim de 2016, 36,7 milhões de pessoas viviam com HIV no mundo, com o surgimento estimado de 1,8 milhões novos casos de infecção pelo vírus.(6) De acordo com o Boletim Epidemiológico de HIV e AIDS divulgado no final do ano de 2018, estima-se que 866 mil pessoas vivem com o HIV no Brasil.(7)

Atualmente, a epidemia de AIDS representa um fenômeno global e instável, cuja forma de ocorrência nas diferentes regiões do mundo depende, entre outros fatores, da conduta humana individual e coletiva.(8) Esta síndrome destaca-se dentre outras doenças infecciosas pela sua grande capacidade causadora de danos extensos à população e, por isso, desde a sua origem, até os dias atuais tem sido bastante discutida no meio científico e pela sociedade em geral.(8,9)

Por este motivo, entender o atual perfil epidemiológico da AIDS no Brasil é de extrema relevância. Saber quem são as pessoas mais afetadas de acordo com faixa etária, sexo e escolaridade pode contribuir para melhorar as estratégias de prevenção de acordo com os grupos mais afetados. Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi identificar o perfil epidemiológico dos casos de HIV/AIDS no Brasil, utilizando o sistema de informações de saúde do DATASUS.

 

Material e Métodos

 

Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo, cujos dados foram obtidos por meio de consulta as bases de dados SINAN (Sistema de Informações de Agravos de Notificação), SIM (Sistemas de Informações sobre Mortalidade) e SISCEL (Sistema de Controle de Exames Laboratoriais da Rede Nacional de Contagem de Linfócitos CD4+/CD8 e Carga Viral), disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), no endereço eletrônico (http://www. datasus. gov.br), que foi acessado em 04/05/2019, 01/06/2019 e 15/06/2019.

A população do estudo foi constituída por casos de HIV/AIDS em população com faixa etária entre <1 ano a 80 anos e mais; escolaridade (1a a 4a série, 4a completa, 5a a 8a série completa, fundamental completo, ensino médio completo e incompleto, superior completo e incompleto) e ano do diagnóstico entre 2007 e 2017. Para evitar erros de retardo de notificação, optou-se por analisar os dados disponíveis até 2017 e não 2018, visto que 2017 era o último ano em que constavam os dados completos, até o final do ano.

A partir dos dados obtidos pelo DATASUS, foram construídas novas tabelas por meio do programa Microsoft Office Excel.

 

RESULTADOS

 

Os dados representados na Tabela 1 mostram o número de novos casos de HIV, evidenciando uma maior prevalência entre homens na faixa etária de 20 a 34 anos, representando 41,6% do total. Já entre as mulheres, a faixa etária dos 35 a 49 anos foi a que teve maior número de casos sendo 39,8% do total.

 

1

Ainda na Tabela 1 é possível analisar que, em relação ao nível de escolaridade, houve uma maior prevalência entre homens com o ensino médio completo, 34.817, correspondendo a 20%. Já nas mulheres, a prevalência foi de 21.190, equivalente a 27%, totalizando 231.718.

Na Tabela 2, onde estão demonstrados os novos casos de AIDS a cada ano no Brasil, entre 2007 e 2017, pode-se perceber que de 2007 a 2013 houve aumento do número de casos e a partir de 2014 houve diminuição dos casos. O ano de 2013 teve o maior número de casos dentre os dez anos analisados, tendo um total de 43.269 novos casos e, em contrapartida, o último ano analisado, 2017, foi o ano com a menor incidência, totalizando 37.791.

Entre os indivíduos do sexo feminino, a maior incidência foi em 2008, com um total de 16.281 casos; já nos indivíduos do sexo masculino, 2013 foi o ano com mais casos identificados, 28.147. A Tabela também demonstra que   2008 foi o ano que mais apresentou novos casos entre as mulheres, um total de 16.281; já em 2017 houve uma diminuição para 11.478 casos. Em 2007, os homens tiveram o menor resultado entre os dez anos analisados, 23.049 novos casos, e em 2013 teve-se o maior registro de casos entre os homens, um total de 28.147.

2

 

DISCUSSÃO

 

No período de 2007 a 2017 foram notificados ao SINAN (Sistema de Informação de Agravo de Notificação), SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade) e SISCEL (Sistema de Controle de Exames Laboratoriais), que são sistemas de informações do Ministério da Saúde, 447.578 casos de AIDS.(10). Esses dados corroboram o perfil disse­minador ainda presente e contínuo dessa epidemia pelo país.

Apesar das taxas de incidência estarem em queda desde 2011, quando alcançou o maior valor analisado, de 22,0 casos por 100 mil habitantes, passando para 18,3 casos por 100 mil habitantes em 2007,(7) os números ainda são alarmantes e continuam a preocupar. A epidemia de HIV representa um fenômeno mundial e sua ocorrência depende de vários fatores de comportamento humano individual e coletivo podendo atingir todas as classes sociais, sexo e faixa etária.(9,11) O perfil epidemiológico desta epidemia, atualmente, está em mudança tornando essencial o levantamento e análises desses dados para se avaliar o risco a que certas subpopulações estão expostas.(9,11,12)

Quanto ao fator escolaridade, os resultados obtidos nesse estudo mostram que indivíduos com baixa escolaridade, faixa etária de 5a a 8a série incompleta, apresentam a maior prevalência. De acordo com Fonseca et al.,(13) estes números se devem ao fato de que indivíduos com condições socioeconômicas desfavoráveis e menor nível de escolaridade apresentam este como fator agravante para a disseminação e transmissão do vírus. Menor escolaridade indica menor conhecimento específico sobre a doença, o que dificulta um maior entendimento sobre os riscos da infecção, e estudos comprovam que a informação é o método mais eficiente de prevenção para o HIV.(14,15)

Em contrapartida aos dados anteriormente expostos, os números de indivíduos com maior escolaridade, médio completo, superior incompleto e superior completo, também apresentam um valor bem elevado, 35% do total quando somados. Este fato é proveniente do início da epidemia no Brasil, que se iniciou nas classes mais altas, de maior escolaridade, e posteriormente a disseminação do vírus progrediu para os níveis mais baixos.(13) De acordo com um levantamento realizado pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, os altos índices de casos em maior escolaridade nos dias atuais se devem ao fato de que as pessoas, embora saibam como se prevenir, vêem a AIDS como algo distante de suas realidades.(16)

Ao se analisarem os dados apresentados na tabela sobre faixa etária, esta expõe que existe uma maior concentração de novos casos entre os indivíduos com faixa etária de 20 a 49, que apesar de ser a faixa etária onde há uma maior atividade sexual também é a aquela em que vários indivíduos estão em relacionamentos estáveis. Um importante problema encontrado, quando se pensa na redução de riscos para contaminação pelo HIV em homens e mulheres presentes nesta faixa etária, está na inocência desses indivíduos em achar que não irão se contaminar pelo vírus, por acreditarem na fidelidade de seus parceiros sendo que, hoje em dia, o índice de infidelidade tem aumentado desordenadamente, principalmente no Brasil e América Latina, onde há um traço cultural geral que aceita a experiência como algo normal.(17)

Um dado importante e que requer atenção é o alto índice de casos de HIV na população com idade acima de 50 anos, com um número bastante considerável de 13,7%. Segundo Olivi et al.(18) e Orel et al.,(19) a possível explicação para esse número provém do preconceito de acreditar que a AIDS ainda é restrita aos mais jovens e na inadequação da linguagem utilizada pelo profissional de saúde, que tem receio de que o paciente vá se sentir constrangido em falar de sua sexualidade.(18,19) Fato este que os impede de incorporar a necessidade de medidas de prevenção voltadas a esta população. Acredita-se que a sexualidade não seja investigada, pois existe na sociedade a noção de que o sexo e a sexualidade não existem na velhice.(18-20)

A infecção pelo HIV e a AIDS fazem parte da Lista Nacional de Notificações Compulsórias por doenças, agravos e eventos em saúde pública, estabelecida pela portaria n° 204 de 17 de fevereiro de 2016, devendo seus casos serem reportados às autoridades de saúde, ficando estes dados armazenados no SINAN.(21)

Ainda que exista essa obrigatoriedade, tem-se observado, ao longo dos anos, uma diminuição do percentual de casos de AIDS oriundos do SINAM. Em 2017, por exemplo, último ano abordado neste estudo, dos 37.791 casos de aids detectados, 55,6% provieram do SINAM, 7,4% do SIM e 37,0% do SISCEL. A observada subnotificação de casos no SINAN traz relevantes implicações para a resposta ao HIV/AIDS, visto que informações importantes permanecem desconhecidas, tais como número real total de casos, comportamentos e vulnerabilidades das subpopu­lações, entre outros. Além disso, a ausência de registro pode comprometer a racionalização do sistema para o fornecimento contínuo de medicamentos e as ações prioritá­rias às populações chave e populações mais vulneráveis.(7,22)

 

CONCLUSÃO

 

Durante esses longos anos de epidemia, houve um avanço considerável no tratamento de HIV/AIDS, e, por este motivo, frente à análise dos dados, é possível perceber que a adesão da população é positiva. Todavia, ainda houve um aumento considerável da doença nos últimos anos, reforçando a necessidade de ampliação de campanhas e políticas públicas educativas, com enfoque principalmente nos adultos jovens e nos idosos. Além disso, é fundamental que todo profissional de saúde esteja capacitado a expandir seus conhecimentos e gerar informações úteis aos pacientes, a fim de promover prevenção, cessar transmissão e proporcionar tratamento eficaz.

 

 

Abstract

Objective: To identify the epidemiologic profile of HIV/AIDS cases in Brazil using the DATASUS database. Methods: The data were obtained through the consultations of SINAN (Information system of Notifiable Diseases), SIM (Mortality Information System) and SISCEL (System of Control of Laboratory Tests of the National Network of CD4+/CD8 Lymphocytes Count and Viral Load) databases, made available by the Informatics Department of the United Health system (DATASUS). Results: A higher prevalence was evidenced among men aged between 20 and 24 tears, representing 41,6% of the total. Among women, the age group from 35 to 49 years was the one with the highest number of cases. Conclusion: During these long years of the epidemic, there was a considerable advancement in the treatment of HIV/AIDS; however, there is still a significant increase of the disease in the recent years, reinforcing the need to expand educational campaigns and public policies

 

Keywords

HIV; Acquired Immunodeficiency Syndrome; epidemiology

 

 

REFERÊNCIAS

  1. World Health Organization (WHO). HIV/AIDS. Available from: URL: https://www.who.int/features/qa/71/en/. Accessed June 15, 2019.
  2. Ministério da Saúde. HIV e AIDS. Available from: URL: http://bvsms.saude.gov.br/dicas-em-saude/2409-hiv-e-aids. Accessed June 21, 2019.
  3. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Kaposis sarcoma and pneumocistis pneumonia among homossexual male residents of New York city and California. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 1981;30:305-8.
  4. Ministério da Saúde. História da AIDS. Available from: URL: http://www.aids.gov.br/pt-br/centrais-de-conteudos/historia-aids-linha-do-tempo. Accessed June 15, 2019.
  5. Organização Pan-americana da Saúde (OPAS). Available from: URL: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content &view=article&id=5666:folha-informativa-hiv-aids&Itemid=812. Accessed June 20, 2019.
  6. Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS). Estatísticas. Available from: URL: https://unaids.org.br/estatisticas. Accessed June 25, 2019.
  7. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico HIV/AIDS 2018. Available from: URL: http://www.aids.gov.br/pt-br/noticias/ministerio-da-saude-lanca-campanha-para-conter-avanco-de-hiv-em-homens. Accessed June 15, 2019
  8. Brito AN, Castilho EA, Szwaecwald CL. AIDS and HIV infection in Brazil: a multifaceted epidemic. Rev Soc Bras Med Trop. Mar-Apr 2001;34(2):207-17. doi: 10.1590/s0037-86822001000200010. [Article in Portuguese].
  9. Lima TC, Freitas MIP. Comportamentos em saúde de uma população portadora do HIV/Aids. Rev Bras Enferm. 2012;65(1):110-115. doi:10.1590/s0034-71672012000100016.
  10. DATASUS. DST- AIDS. Available from: URL: http://www2. aids.gov.br/cgi/tabcgi.exe?tabnet/br.def. Accessed July 10, 2019.
  11. De Cock KM, Jaffe HW, Curran JW. The evolving epidemiology of HIV/AIDS [published correction appears in AIDS. 2012 Aug 24;26(13):1733]. AIDS. 2012;26(10):1205-1213. doi:10.1097/QAD.0b013e328354622a.
  12. Santos NJS, Tayra A, Silva SR, Buchalla CM, Laurenti R. A Aids no estado de São Paulo: as mudanças no perfil da epidemia e perspectivas da vigilância epidemiológica. Rev. bras. epidemiol. [Internet]. 2002 Dec;5(3):286-310. Available from: http://www.scielo. br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-790X2002000300007&lng=en.https://doi.org/10.1590/S1415-790X2002 000300007
  13. Fonseca MG, Bastos FI, Derrico M, Andrade CL. Tavares TC, Szwarcwald CL. AIDS e grau de escolaridade no Brasil: evolução temporal de 1986 a 1996 [AIDS and level of education in Brazil: temporal evolution from 1986 to 1996]. Cad Saude Publica. 2000;16(## Suppl 1):77-87. [Article in Portuguese].
  14. Irffi G, Soares RB, DeSouza AS. Fatores socioeconômicos, demográficos, regionais e comportamentais que influenciam no conhecimento sobre HIV/AIDS. Economia 2010;11(2):333-56.
  15. Gomes RRFM, Ceccato MGB, Kerr LRFS, Guimarães MDC. Fatores associados ao baixo conhecimento sobre HIV/AIDS entre homens que fazem sexo com homens no Brasil. Cad Saúde Pública 2017;33(10):1-15.
  16. Secretaria de Estado da Saúde. Boletim Epidemiológico AIDS. Available from: URL: http://saude.sp.gov.br/resources/crt/vig. epidemiologica/boletim-epidemiologico-crt/boletim_epidemiologico _201`7.pdf. Accessed August 30, 2019.
  17. Neundorfer MM, Harris PB, Britton PJ, Lynch DA. HIV-Risk factors for midlife and older women. Gerontologist 2005;45(5):617-25. doi: 10.1093/geront/45.5.617.
  18. Olivi M, Santana RG, Mathias TAF. Behavior, knowledge and perception of risks about sexually transmitted diseases in a group of people over 50 years old. Rev Latino-Am Enfermagem 2008;16(4):679-85. doi: 10.1590/s0104-11692008000400005.
  19. Orel NA, Spence M, Steele J. Getting the Message out to older adults: effective HIV health education risk reduction publications. J Appl Gerontol.2005;24(5);490-508.
  20. Inelmen EM, Gasparine G, Enzi G. HIV/Aids in older adults: a case report and literature review. Geriatrics 2005;60(9):26-30.
  21. Ministério da Saúde. Portaria n°204 de 17 de fevereiro de 2016. Available from: URL: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/ pdf/2018/abril/25/Portaria-n—2014-de-17–Fevereiro-2016.pdf. Accessed August 15, 2019
  22. Godoy VS, Ferreira MD, Silva EC, Gir E, Canini SRMS. O perfil epidemiológico da AIDS em idosos utilizando sistemas de informações em saúde do DATASUS: realidades e desafios. DST – J Bras Doenças Sex Transm 2008;20(1):7-11.

 

 

Correspondência

Camila Souza de Oliveira

Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora.

 Alameda Salvaterra, 200 – Salvaterra

36033-003 – Juiz de Fora-MG, Brasil