Patogênese do HIV – características do vírus e transmissão materno-infantil

Pathogenesis of HIV – virus characteristics and mother-to-child transmission

 

 

Matheus Costa da Rosa1

Naylê Maria Oliveira da Silva2  

Vanusa Pousada da Hora3

 

1Biólogo – UCPEL Especialista em Agentes infecto-parasitários de interesse humano; Mestre em Ciência – Universidade Federal do Rio Grande – FURG – Rio Grande, RS, Brasil. Doutorando em Biotecnologia – Universidade Federal de Pelotas – UFPel – Pelotas, RS, Brasil.

2Farmacêutica bioquímica. Universidade Católica de Pelotas – UCPEL Mestre em Ciências da Saúde; Doutora em Ciências da Saúde – Universidade Federal do Rio Grande – FURG – Rio Grande, RS, Brasil.

3Bióloga. Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Mestre e Doutora em Biotecnologia – Universidade Federal de Pelotas – UFPel – Pelotas, RS, Brasil.

 

Instituição: Universidade Federal do Rio Grande FURG – Rio Grande, RS, Brasil.

 

Artigo recebido em 03/09/2013

Artigo aprovado em 05/01/2015

DOI: 10.21877/2448-3877.201500203

 

 

Resumo

Diversos estudos estão sendo realizados com a finalidade de determinar quais os principais fatores de risco que aumentam a transmissão vertical do HIV. A progressão para AIDS durante a gravidez, o uso ou não de antirretrovirais, o tipo de parto, o prolongado tempo de ruptura das membranas, a alta carga viral plasmática e a baixa contagem de células T-CD4 têm demonstrado ser os principais fatores de risco para transmissão materno-infantil. No Brasil, a epidemia de AIDS encontra-se em processo de estabilização, mesmo apresentando prevalência elevada. A epidemia é crescente na população feminina, possibilitando a transmissão vertical. Esta realidade evidencia a importância de se conhecer o perfil epidemiológico da transmissão vertical para estimar o risco, estabelecer e orientar medidas preventivas. Como revisão, o objetivo é caracterizar o HIV, classificar a transmissão materno-infantil e relatar a importância dos pré-natais no período gestacional. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica, utilizando periódicos publicados em bases de dados, livros, revistas e utilizando os descritores “HIV”, “transmissão vertical”, “aids” e “gestantes”. Após a seleção dos artigos foram realizadas leituras exploratórias e analíticas evidenciando que medidas como acesso à assistência pré-natal, diagnóstico precoce em gestantes e tratamento adequado se tornam fundamentais para o controle da transmissão vertical.

 

Palavras-chave

HIV; Transmissão vertical; Gestantes

 

 

INTRODUÇÃO

 

A transmissão materno-infantil (TMI) do vírus da imunodeficiência humana tipo 1 (HIV-1) pode ocorrer durante três períodos principais: no útero, no momento do parto e durante a amamentação.(1) O HIV-1 pode ser transmitido intrauterinamente através de transporte celular transpla­centário ou de progressiva infecção dos estratos da placenta até o vírus alcançar a circulação fetal ou, ainda, por rupturas na barreira placentária seguidas de microtransfusões que ocorrem da mãe para o feto.(2) A transmissão no momento do parto ocorre pelo contato do feto com as secreções contaminadas da mãe durante a passagem pelo canal de parto, através de infecção ascendente da vagina para membranas do feto e fluido amniótico ou através de absorção no trato digestivo neonatal. Já no pós-parto, a principal forma de transmissão é a amamentação.(3)

A via vertical de transmissão do HIV-1 pode ser influenciada por fatores diversos, como a via de parto,(4) o uso e o tempo de uso de medicações antirretrovirais,(5) inflamações bucais do recém-nato,(6) prematuridade e elevada carga viral materna.(7) Além destes fatores, a diversidade genética do vírus parece desempenhar um importante papel na transmissão vertical.(1,8)

A epidemia da síndrome da imunodeficiência humana (AIDS) encontra-se em processo de estabilização, porém ainda apresenta valores elevados, sendo crescente entre as mulheres, o que caracteriza a feminização da doença.(9) Segundo o Boletim Epidemiológico de 2015, disponibili­zado pelo Ministério da Saúde, foram notificadas no Brasil, desde 2000 até junho de 2015, 92.210 gestantes infectadas com o HIV, a maioria residente na região sudeste (40,5%), seguida pelas regiões sul (30,8%), nordeste (15,8%), norte (7,1%) e centro-oeste (5,7%). Dessa forma, torna-se importante conhecer o perfil epidemiológico da TMI a fim de se estimar o risco de transmissão vertical para orientar medidas preventivas. No entanto, são poucos os trabalhos que relatam o perfil da TMI no Brasil. Sendo assim, mais estudos são necessários.

O objetivo deste estudo de revisão é caracterizar o HIV, classificar a transmissão materno-infantil e relatar a importância dos pré-natais no período gestacional.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

A busca para apresentar a revisão de literatura foi realizada por meio de uma pesquisa bibliográfica, utilizando documentos e periódicos publicados em bases de dados (Scielo, PubMed, Bireme – Biblioteca Virtual em Saúde, e site Google acadêmico), em livros e revistas, usando as palavras-chave: HIV, Transmissão materno-infantil, aids e gestantes.

 

REVISÃO DE LITERATURA

 

Epidemiologia

 

Nos últimos anos, os esforços na luta contra o vírus da imunodeficiência humana têm alcançado importantes avanços na terapia e prevenção desta patologia. Foram obtidos inúmeros progressos no conhecimento dos parâmetros imunológicos e virológicos da doença, transmissão e resistência à terapia antirretroviral. Porém, o número de pessoas que vivem com HIV no mundo ainda é grande.

Segundo The United Nations Joint Programme on HIV/AIDS (UNAIDS),(1) em 2014, 36.9 milhões de pessoas viviam com o HIV. O número de pessoas vivendo com o HIV continua a aumentar, em grande parte porque globalmente mais pessoas possuem acesso à terapia antir­retroviral e, como resultado, estão vivendo mais tempo e de forma saudável, uma vez que, até junho de 2015, 15.8 milhões de pessoas tinham acesso ao tratamento. Apesar de novas infecções pelo HIV terem diminuído, ainda há um inaceitável elevado número de novas infecções e mortes relacionadas à AIDS que ocorrem a cada ano. Em 2014, cerca de 2 milhões de pessoas foram infectadas com o HIV e 1,2 milhão de pessoas morreram de doenças relacionadas à AIDS.

Desde o início da epidemia no Brasil até junho de 2015, foram registrados 798.366 casos da doença. Além disso, observam-se importantes diferenças nas proporções dos dados segundo sua origem em relação às regiões do país. Verifica-se que, nos primeiros 15 anos da epidemia, houve 83.551 casos, com concentração mais acentuada nas capitais do Sul e do Sudeste e em alguns municípios do estado de São Paulo. No período de 1995 a 2004, foram registrados 304.631 casos, o que demonstra uma expansão da concentração dos casos, principalmente nas capitais da região nordeste e centro-oeste e duas capitais do Norte. Por sua vez, no período de 2005 a junho de 2015 foram registrados 410.101 casos, observando-se que a distribuição dos casos se expande para todo o território nacional.(2)

Segundo o Boletim Epidemiológico de 2015, a razão de sexos também varia de acordo com a faixa etária. Entre os jovens de 13 a 19 anos, observa-se uma tendência de aumento da participação dos homens; em 2014 existiam 60% mais homens que mulheres (razão de sexos de 16 casos em homens para cada 10 casos em mulheres). Entre os indivíduos com 20 anos ou mais, observa-se que, à medida que aumenta a idade, a razão de sexos diminui, indicando que há uma participação maior das mulheres nas faixas etárias de maior idade. Em 2014, a razão de sexos nas faixas etárias de 20 a 29 e de 30 a 39 anos foi de 25 e 20 casos em homens para cada 10 casos em mulheres, respectivamente, com aumento nos últimos dez anos.(2)

No Brasil, desde 2000 até junho de 2015, foram notificadas 92.210 gestantes infectadas com o HIV, a maioria residente na região sudeste (40,5%), seguida pelas regiões sul (30,8%), nordeste (15,8%), norte (7,1%) e centro-oeste (5,7%). A taxa de detecção de gestantes com HIV no Brasil vem apresentando tendência de aumento nos últimos dez anos, sendo que a taxa observada foi de 2,0 casos para cada mil nascidos vivos, passando para 2,6 casos em 2014, indicando um aumento de 30,0%. A tendência de crescimento também é observada nas regiões do país, exceto na região sudeste, que ficou estável, com taxa de 2,3 casos para cada mil nascidos vivos em 2005 e em 2014. O aumento foi maior na região norte (211,1%), que apresentava uma taxa de 0,9 em 2005, passando para 2,8 em 2014. Em 2014, a região sul apresentou a maior taxa de detecção entre as regiões, sendo aproximadamente 2,1 vezes maior que a taxa total do país.(9) O fato das regiões sudeste e sul estarem entre as regiões com mais notificações por infecção de HIV não se deve apenas ao fato de haver altos índices, mas também ao fato do HIV ser diagnosticado de maneira eficaz nestas regiões.(2)

No entanto, tem-se observado uma tendência de queda da TMI no Brasil, sendo de 33,3% nos últimos 10 anos. Observam-se diferenças importantes entre as regiões quanto a essa tendência; nas regiões sudeste, sul e centro-oeste há uma tendência de queda, com um percentual de 58,3%, 40,1% e 26,1%, respectivamente, de 2005 a 2014. A região nordeste apresentou uma discreta queda de 12,1%, passando de 3,3 em 2005 para 2,9 casos por 100 mil habitantes em 2014. Por outro lado, na região norte observa-se, no mesmo período, uma elevação de 69,2% na taxa (de 2,6 para 4,4 por 100 mil habitantes).(2)

 

Transmissão e categoria de risco para infecção

 

A infecção pelo HIV ocorre através da transferência de células e fluídos contaminados pelo vírus. A transmissão acontece por: 1) contato sexual desprotegido; 2) transferência de sangue infectado, por meio de transfusões ou de equipamentos pérfuro-cortantes contaminados pelo vírus; e 3) transmissão vertical, podendo esta ocorrer intraútero, durante o parto, ou através do aleitamento materno.(3)

Os fatores que aumentam os riscos de transmissão do HIV estão relacionados à alta viremia, imunodeficiência avançada e presença de outras doenças sexualmente trans­missíveis (DST). Estudos demonstram que mulheres são mais susceptíveis à infecção pelo HIV, e essa susceptibilidade estaria ligada a cofatores como, por exemplo, a presença de DST, as quais, principalmente as ulcerativas, facilitam a entrada do HIV através da mucosa.(4)

Estudos na Europa Oriental e Ásia Central estimam que cerca de 3,7 milhões de pessoas infectadas pelo HIV são usuárias de drogas injetáveis, profissionais do sexo e, em menor grau, homossexuais.(5) A alta prevalência de HIV também tem sido encontrada em populações carcerárias, especialmente entre usuários de drogas injetáveis.(6)

 

Classificação e características do HIV

 

O HIV é um retrovírus do gênero Lentivírus e possui muitas das características físico-químicas da família Retroviridae. A característica morfológica exclusiva do HIV é um nucleoide cilíndrico no vírion maduro.(7) Atualmente, existem dois tipos identificados como agentes etiológicos da AIDS, o HIV-1 e HIV-2. Estes dois tipos diferenciam-se claramente em parâmetros de dispersão, patogenicidade, transmissibilidade, evolução da doença(8) e susceptibilidade às drogas.(9)

O HIV-2 é endêmico na África Ocidental, já o HIV-1 possui ampla distribuição mundial, sendo responsável pela pandemia hoje registrada. O HIV-2 é menos virulento e trans­missível (heterossexual e verticalmente) do que o HIV-1, estando associado a um longo período de latência, levando ao desenvolvimento tardio da doença.(10,11)

Até o ano de 1992 não se conhecia a variabilidade genética do HIV-1, e as variantes dos vírus eram identificadas apenas com base em seu local de origem, sendo então “americanas” ou “africanas”.(12) No entanto, estudos foram sendo realizados e descobriu-se que a alta divergência de nucleotídeos virais resulta no aparecimento de novas variantes de vírus.(13) Com o a avanço das técnicas de biologia molecular foi possível a realização do sequenciamento total do genoma viral, possibilitando assim a classificação em subtipos, subsubtipos e as formas recombinantes circu­lantes (CRF).(14,15)

Os grupos referem-se a linhagens bastante distintas do vírus, sendo que quatro grupos foram identificados até o momento através de análises filogenéticas: M (main/major), O (outlier), N (new ou New ou non-M/non-O) e o Grupo P.(16,17)

A maioria das cepas do HIV-1 pertence ao grupo M, que é o grupo com maior importância, pelo fato de ser ele o responsável pela pandemia global, dispersando-se primeiro dentro da África, onde se diferenciou em subtipos.(18) O grupo O consiste de um pool altamente divergente, com cepas geneticamente relacionadas sem um clado definido. As infecções pelo grupo O são limitadas à África central e ocidental (principalmente Camarões e países vizinhos), porém, mesmo nessas áreas, elas representam uma minoria das infecções causadas pelo HIV-1. Apenas alguns casos de infecção pelo grupo N (New ou non-M/non-O) foram identificados, e estes foram em pacientes de Camarões.(19) O grupo P foi recentemente identificado e está intimamente relacionado ao SIVgor (Simian Immunodeficiency Virus – Gorilas). Essa nova variante de HIV-1 foi encontrada em uma mulher de Camarões e é diferente dos outros três grupos identificados anteriormente.(17)

O grupo M envolve nove subtipos genéticos puros destinados pelas letras (A, B, C, D, F, G, H, J e K).(20) Alguns subtipos do grupo M dividem-se em subsubtipos, devido a uma identificação mais especifica de suas estruturas filogenéticas. As variantes dos subtipos A e F são ainda segregadas como subsubtipos A1 ou A2 e F1 ou F2 respectivamente.(21)

Sabe-se também que uma porcentagem significativa de cepas de HIV-1 são constituídas por mais de um subtipo e que atingiram proporções epidêmicas.(13) Algumas destas cepas têm sido identificadas em vários indivíduos e vêm desempenhando um importante papel para a epidemia da AIDS, sendo designados como Formas Circulantes Recom­binantes (CRFs).(22)

Os subtipos são aproximadamente equidistantes, sendo que diferentes subtipos diferem em 25% nas sequências de nucleotídeos, e membros de um mesmo subtipo diferem em aproximadamente 10%-20%;(18) sendo assim, para se classificar um novo subtipo, subsubtipo ou CRF, as cepas representativas devem ser identificadas em pelo menos três indivíduos epidemiologicamente não relacionados.(13)

Quanto às características estruturais do vírus, o HIV-1 possui uma forma esférica, com cerca de 100 nm de diâmetro, estando envolvido por uma bicamada lipídica, chamada de envelope, originária da membrana celular da célula hospedeira. Neste envelope são expressas a glicoproteína transmembrana gp41 e a glicoproteína de superfície gp120. Como outros retrovírus, o HIV contém um capsídeo viral, composto principalmente pela proteína p24. As proteínas p7 e p9 formam o nucleocapsídeo, associadas a duas moléculas de fita simples de RNA. Situada entre o envelope e o capsídeo está a matriz proteica, composta pela proteína p17.

Além disso, três enzimas virais se encontram na partícula de HIV-1: protease, transcriptase reversa e integrase.(23) A enzima transcriptase reversa (TR) é responsável pela transcrição do RNA genômico viral em uma fita dupla de DNA,(23) cuja função é criar uma cópia de DNA fita dupla (cDNA) e degradar a fita-molde de RNA viral.(24) Já a enzima integrase é responsável pela integração do cDNA no genoma da célula hospedeira.(25)

O genoma do HIV possui cerca de 9.8 Kb, sendo constituído por três genes principais: gag, pol e env, e seis genes regulatórios.(26) Os genes gag e env codificam proteínas estruturais, o gene pol codifica as enzimas virais, citadas anteriormente, e os demais genes regulatórios são importantes na regulação do ciclo viral e na patogênese do vírus, e o gene env é uma das regiões mais variáveis do genoma do HIV, sendo responsável pela codificação das glico­proteínas transmembrana e de superfície, as quais têm como principal função mediar a entrada do HIV na célula hospedeira.(27)

 

Ciclo replicativo

 

A entrada do vírus na célula hospedeira requer a presença de receptores de membrana. As primeiras células que entram em contato com o HIV-1 são aquelas que fazem parte da linhagem de monócitos, principalmente as células dendríticas.(28) O HIV infecta células que tenham o marcador CD4 (CD4+), principalmente linfócitos T auxiliares,(29) mas também macrófagos teciduais e células da micróglia do sistema nervoso central, o que resulta em uma doença crônica e progressiva, ocasionando uma depressão imunológica.(30)

O ciclo replicativo do HIV-1 pode ser dividido em duas fases, a fase precoce e a fase tardia. A fase precoce começa com o reconhecimento da célula alvo pelo vírus maduro e envolve todos os processos que conduzem à integração do cDNA genômico no cromossoma da célula hospedeira. A fase tardia começa com a expressão do genoma proviral, envolvendo todos os processos que incluem a formação e maturação de novas partículas virais.(31)

Na fase precoce do ciclo replicativo, as partículas virais ligam-se especificamente na célula CD4+ através da proteína de superfície gp120. A ligação do receptor CD4 permite que a gp120 se ligue a correceptores (CCR5 ou CXCR4) sobre a superfície da célula hospedeira. Após a ligação da gp120 e correceptores, a glicoproteína gp41 é incorporada na membrana celular, resultando na fusão do revestimento viral e da membrana da célula alvo, produzindo um poro, através do qual o núcleo viral penetra no citoplasma da célula.(25) Após a fusão, o processo de transcrição reversa se inicia. A transcrição reversa do RNA genômico é feita por meio da enzima viral, transcriptase reversa, no citoplasma da célula hospedeira. O produto da transcrição reversa, cDNA de cadeia dupla, é transportado para dentro do núcleo onde o cDNA é integrado, ou seja, incorporado no genoma da célula hospedeira, resultando no DNA proviral. Esta integração é devida à atividade catalítica da enzima integrase.(25)

Inicia-se então a fase tardia com a expressão regulada do genoma proviral. O processamento das proteínas virais com as proteases virais ocorre, seguido pela montagem do novo virion, que é liberado através da membrana da célula hospedeira por brotamento.(25,31)

 

Transmissão materno-infantil

 

Muitos estudos têm sido realizados com o intuito de determinar quais os principais fatores que ocasionam a transmissão vertical do HIV-1. A redução da transmissão vertical de HIV é um componente importante da política de prevenção da mortalidade materno-infantil do Pacto pela Saúde do Ministério da Saúde.(2)

A transmissão materno-infantil pode ocorrer durante três períodos principais: no útero, no momento do parto e durante a amamentação.(32) Uma importante via para a transmissão intrauterina são rupturas na barreira placen­tária seguidas de microtransfusões que ocorrem da mãe para o feto. Essa rota também é considerada plausível para a transmissão de outros vírus, como, por exemplo, os causadores de hepatites.(33) Além das microtransfusões, o HIV-1 pode ser transmitido intrauterinamente por meio de transporte celular transplacentário ou, ainda, pela progressiva infecção dos estratos da placenta até o vírus alcançar a circulação fetal.(34) Já a transmissão no momento do parto ocorre pelo contato do feto com as secreções contaminadas da mãe durante a passagem pelo canal de parto, através de infecção ascendente da vagina para membranas do feto e fluido amniótico ou através de absorção no trato digestivo neonatal. No pós-parto, a principal forma de transmissão é a amamentação.(14)

A progressão para AIDS durante a gravidez, o uso ou não de antirretrovirais, o tipo de parto, o prolongado tempo de ruptura das membranas, o alto nível de carga viral plasmática e a baixa contagem de células CD4+ têm sido identificados como fatores de risco para a transmissão materno-infantil.(35,36) No entanto, na maioria das vezes, a infecção pelo HIV-1 em crianças é evitável. Em países industrializados da América do Norte e Europa, a transmissão vertical tem sido bastante controlada. Quando se faz uso de testes para detecção de HIV como parte dos cuidados pré-natais, do uso de antirretrovirais (ARV), da cesárea eletiva, e quando não há o aleitamento materno, torna-se possível a queda da taxa de infecção para 2%.(37)

Os diferentes subtipos genéticos do HIV-1 também podem contribuir para as variadas proporções na transmissão vertical do vírus.(38)

O Sul do Brasil tem a maior taxa de prevalência de AIDS do país e é a única região das Américas onde o HIV-1 subtipo C prevalece.(39) Em Porto Alegre, RS, por meio de um estudo que envolveu 128 voluntários soropositivos para HIV-1, foi observada uma alta prevalência do subtipo C (29%) e subtipo B (22,6%) e ainda a prevalência de CRF31_BC (23,4%) recentemente identificado.(40)

Estudos realizados na cidade de Rio Grande, RS têm demonstrado que o subtipo C é mais prevalente em transmissões materno-infantil que os demais subtipos presentes na região. Segundo Tornatore et al.,(41) o subtipo C teve uma prevalência de 71,5% das transmissões verticais ocorridas na cidade de Rio Grande, RS, enquanto que o subtipo B teve 28,5% de prevalência; no entanto, o pequeno número amostral não possibilitou atribuir ao subtipo C um fator para TMI do HIV-1. Outro estudo também relata uma alta prevalência do subtipo C no Sul do Brasil. Rodrigues et al.(42) descrevem que a proporção do HIV-1 subtipo C em gestantes de Criciuma, SC é a maior descrita nas Américas, apresentando este subtipo 78,6% de prevalência.

Apesar dos altos índices de TMI, um recente estudo demonstrou que as taxas de TMI vêm decrescendo conforme os anos, demonstrando que, entre o período de 1998 a 2004, as taxas de transmissão vertical eram de 11,8%, e entre os períodos de 2005 a 2011 as taxas de transmissão vertical decresceram para 3,5%.(43)

Observa-se que na região sul do Brasil a transmissão vertical do HIV e a vulnerabilidade das mulheres à aids estão relacionadas com a baixa escolaridade, más condições econômicas, contato sexual precoce e a falta do uso de preservativos. O aumento nas taxas de gravidez entre mulheres infectadas pelo HIV na região sul ilustra a necessidade de esforços contínuos no pré-natal e neonatal para manter a saúde da mãe, se necessário fazer alterações no ARV durante a gravidez e acompanhar o recém-nascido após o parto.(39)

O acesso à assistência pré-natal, ao diagnóstico precoce de HIV em gestantes e ao tratamento adequado da AIDS é fundamental para o controle da transmissão vertical do HIV-1.

 

Considerações finais

 

Através desta revisão é possível concluir que o aumento do número de gestantes infectadas pelo HIV na região sul ilustra a necessidade de esforços contínuos no pré-natal e neonatal para manter a saúde das gestantes. Nota-se que o uso de antirretroviral no período gestacional é de extrema importância para que ocorra um declínio na carga viral materna impedindo a transmissão vertical; se necessário, deve ser feito um acompanhamento do recém-nascido após o parto.

O acesso à assistência pré-natal, ao diagnóstico precoce de HIV em gestantes e ao tratamento adequado da AIDS é fundamental para o controle da transmissão vertical do HIV. Com isso, as políticas de saúde, assim como as estratégias e intervenções traçadas pelos profissionais da área devem voltar-se para a educação e incentivo ao planejamento das gestações e à procura dos serviços de pré-natal o mais cedo possível. Contudo, o acesso das gestantes aos serviços de pré-natal deve ser facilitado e a qualidade do serviço deve ser monitorada. Desse modo, a triagem, o diagnóstico e o acompanhamento das gestantes, assim como o tratamento de infecções, serão realizados de modo mais eficiente, o que parece ser a maneira mais eficaz para se reduzirem infecções pediátricas e proporcionar melhor qualidade de vida às gestantes soropositivas.

 

Abstract

Several studies have been conducted in order to determine the main factors that cause the transmission of HIV. The mother-child transmission can occur during three main periods in the womb, during childbirth and during breastfeeding. Progression to AIDS during pregnancy, the use of antiretroviral drugs or not, type of delivery, prolonged rupture of membranes, high plasma viral load and low count of CD4 T-cells have been risk factors for maternal-child. In Brazil, the AIDS epidemic is in the process of stabilizing, but still has high values. The epidemic is growing among women. This fact demonstrates the importance of the epidemiological profile of maternal-infant transmission in order to estimate the risk of vertical transmission to guide preventive measures. As a review, the goal is to characterize HIV, classify the child and maternal transmission and report the importance of prenatal care during pregnancy. We performed a literature search using journals published in books databases, magazines and using the “HIV descriptors”, “vertical transmission”, “aids” and “pregnant women”. After selecting the items were held exploratory and analytical readings showing that measures such as access to prenatal care, early diagnosis in pregnant women and treatment are key to the control of vertical transmission.

 

Keywords

HIV; Vertical transmission; Pregnant women

 

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