O que é Urbanorum spp.?

What’s Urbanorum spp.?

 

Elenice Messias do Nascimento Gonçalves1, Dorca Lopes1, Ana Lucia de Carvalho Avelino1, Wladimir Ribeiro dos Santos1, Vera Lucia Pagliusi Castilho1

 

1  HCFMUSP, Divisão de Laboratório Clínico – Parasitologia. São Paulo, SP, Brasil.

 

Recebido em 23/08/2022

Aprovado em 24/10/2022

DOI: 10.21877/2448-3877.202200065

 

 

Caro Editor,

 

É fato conhecido e descrito que Francisco Tirado Santamaría, em 2006, apresentou à comunidade científica um novo parasito: Urbanorum spp.(1) Embora o encontro das estruturas descritas em diversas amostras fecais examinadas seja rotineiro no Laboratório de Parasitologia da Divisão de Laboratório do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, não as consideramos parasito devido ao total desconhecimento de sua classificação científica e de seu ciclo biológico. Em nossas investigações microscópicas percebemos a falta de organelas celulares, tanto em amostras fecais diluídas em salina (exame direto) com e sem lugol, assim como nos métodos que compõem nosso exame parasitológico, a saber: Faust e cols., Lutz (Hoffman, Pons e Janer), Rugai modificado e coloração tricromo. O resultado foi parecido quando estas amostras fecais foram submetidas às colorações de Kinyoun, Gram-Chromotrope e Leishman. Sob microscopia de luz polarizada observamos presença de cruz de Malta.(2) Estes achados corroboram com a opinião descrita pela Sociedade Brasileira de Análises Clínicas – SBAC em “Posicionamento da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC) sobre o reporte da estrutura denominada “Urbanorum spp.” em amostras de fezes (2021).(3)

Casualmente, deparamos com imagens semelhantes no livro Métodos de Laboratório Aplicados à Clínica Técnica e Interpretação, 6ª edição, de 1985, com citação da tese do Dr. Joaquim Romeu Cançado, intitulada “A obstrução catarral do cístico”, de 1948, e apresentada em concurso de docente livre de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais.(4) Resgatamos cópia desta tese, na qual o autor descreve que esta estrutura microscópica nada mais é do que o denominado muco oleaginoso relatado, em 1928, por Lyon e Swalm, responsável pela obstrução catarral do cístico e, em 1943, observou a formação deste muco oleaginoso em uma paciente sem nenhum acometimento do sistema biliar. Há a descrição experimental em que, se uma pequena quantidade de bile recém-coletada for depositada em tubo de ensaio e acrescida de igual volume de ácido clorídrico (HCl 0,1N) se observa, após 15 minutos, uma sedimentação de flocos amarelados, viscosos e felpudos tal qual o muco oleaginoso e que, se submetidos à microscopia, são observadas aglomerações de gotas oleaginosas. O autor chama a atenção para o fato de que o denominado muco oleaginoso não tem mucina em sua constituição e é decorrente da junção de ácidos biliares naturais da bile (ácido glicólico e ácido taurocólico) resultantes da ação do HCl contido no suco gástrico sobre os sais biliares (glicolato e taurocolato de sódio) próprios da bile. As gotículas de ácidos biliares precipitados entram em coalescência e coram-se de amarelo pela bilirrubina gerando gotas, lagos e lençóis.(4). Com base nos achados descritos na tese citada, acreditamos que esta estrutura, tão polêmica, nada mais é que o denominado muco oleaginoso produzido pelo organismo humano, que em sua composição não apresenta muco e não é oleaginoso e também não tem significação patológica.

 

REFERÊNCIAS

 

  1. Santamaría FT. Urbanorum spp. Buenas Tareas [Internet]. 2015. [acesso em 03 de Aug 2022]: http://www.buenastareas.com/ensayos/Urbanorum-Spp/70918639.html.
  2. Castilho VLP, Gonçalves EMN. Urbanorum spp.: Um novo parasita ou não? In: Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial. 52º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial; Centro de Convenções de Florianópolis – CentroSul; Florianópolis – SC, Brasil. 2018.
  3. Poloni JAT, Silveira ACO, Martinello F, Anghebem MI, Neufeld PM, Tasca T, Lima LM. Posicionamento da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas sobre o reporte da estrutura denominada Urbanorum spp. em amostras de fezes – 2021. RBAC. 2021. 53(3): 316-9.
  4. Cançado, JR. A obstrução catarral do cístico. Belo Horizonte Tese [Livre docência em Clínica Médica] – Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais:1948.

Correspondência

Elenice Messias do Nascimento Gonçalves

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