Mecanismos de resistência de Candida albicans aos antifúngicos anfotericina B, fluconazol e caspofungina

Mechanisms of resistance of Candida albicans to the antifungals fluconazole, amphotericin B and caspofungin

 

Ana Júlia Hoffmann Vieira1

Jairo Ivo dos Santos2

 

 

1Graduanda. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC – Florianópolis – SC, Brasil.

2Professor. Doutorado. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC – Florianópolis – SC, Brasil.

Instituição: Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC – Florianópolis – SC, Brasil.

Conflitos de interesse: Não há conflitos de interesse.

Artigo recebido em 14/08/2015

Artigo aprovado em 04/02/2016

DOI: 10.21877/2448-3877.201600407

 

Resumo

Candida albicans é a espécie mais comum do gênero Candida a causar infecções invasivas humanas. Essas infecções estão associadas a alta morbidade e alta mortalidade nos pacientes acometidos. Uma das razões pode ser devido à resistência da levedura aos antifúngicos como fluconazol, anfotericina B e caspofungina, que são utilizados na sua terapêutica. A resistência de Candida albicans ocorre por diversos mecanismos como, por exemplo, mutação e recombinação mitóticas, com formação de componentes-alvo dos antifúngicos com menor afinidade de ligação a ele, por superexpressão de bombas de efluxo e formação de biofilmes.

 

Palavras-chave

Farmacorresistência fúngica; Candida albicans; Antifúngicos

INTRODUção

O gênero Candida constitui o principal grupo de leveduras que causam infecções oportunistas no ser humano. Este gênero compõe-se de cerca de 150-200 espécies, muitas das quais podem habitar o trato gastro­intestinal, sistema urogenital, pele, e mucosa do trato respiratório de seres humanos.(1) Elas se tornam patogênicas em pacientes com o sistema imunológico comprometido e, nestas circunstâncias, podem causar doença em praticamente todos os órgãos e tecidos, resultando em infecção superficial, invasiva e sistêmica.(1) Portanto, estão emergindo como agentes de infecções principalmente em neonatos, imunocom­prometidos, idosos, diabéticos, pós-operados, uso prolongado de antibióticos, pacientes internados, uso de corticoides, transplantados, uso de catéteres, nutrição parenteral, gravidez e uso de anti­concepcionais.(1,2)

As espécies de leveduras do gênero Candida mais importantes do ponto de vista clínico e epidemiológico são: Candida albicans, Candida glabrata, Candida tropicalis, Candida parapsilosis e Candida krusei, sendo que a C. albicans permanece como a espécie mais comum nas infecções humanas.(1,2)

A C. albicans constituí-se de uma levedura diploide com dois pares de oito cromossomos. Multiplica-se por brotamento e, em determinadas situações, pode produzir tubo germinativo e então crescer como pseudo-hifa ou hifa verdadeira. A identificação definitiva é geralmente realizada por provas bioquímicas de assimilação de açúcares, utilizando-se kits comerciais como API 20C AUX (BioMérieux), ID 32C (BioMérieux), Candifast (International Microbio) ou pelo sistema automatizado Vitek system (BioMérieux) ou Vitek 2 (BioMérieux).(1,2)

As manifestações clínicas na candidíase apresentam grande diversidade de quadros, como candidíase cutâneo-mucosa e candidíase invasiva ou sistêmica. A candidíase cutâneo-mucosa consiste em manifestações superficiais, apresentando as seguintes formas: candidíase intertriginosa, onicomicose, candidíase oral, vulvovaginite, balanopostite e candidíase cutâneo-mucosa crônica. Já a candidíase invasiva ou sistêmica caracteriza-se por apresentar infecções profundas ou invasivas, podendo localizar-se em um órgão ou disseminar-se via sanguínea (candidemia). Apresentam-se como quadros de sintomatologia cardíaca, digestiva, respiratória, hepática, renal, ocular, do sistema nervoso central, ou disseminada, que é uma forma clínica de difícil tratamento.(1)

As infecções invasivas estão associadas a interna­ções prolongadas, com elevada taxa de mortalidade e aumento no custo hospitalar.(1,3) Nesses casos, a melhora ou até a sobrevivência do paciente depende da rápida identificação do patógeno e, consequentemente, da introdução precoce da terapia antifúngica.(1,2)

Antifúngicos utilizados na terapêutica da candidíase invasiva

Dentre os antifúngicos utilizados na terapêutica de candidíases invasivas destacam-se triazólicos, como fluco­nazol, derivados poliênicos, como anfotericina B, e, do grupo das equinocandinas, a caspofungina.(1,2)

A anfotericina B é indicada para formas graves de doença invasiva, pertence ao grupo dos poliênicos. São grandes moléculas que atuam na membrana celular fúngica, onde possui grande avidez pelo ergosterol, justificando sua especificidade. Também interferem com a permeabilidade e com as funções de transporte pela sua capacidade de formar grandes poros na membrana causando distúrbios graves no equilíbrio iônico, com perda de K+ extracelular,(4) além de utilizar múltiplas vias de sinalização intracelular para indução da morte da levedura.(5)

Azólicos constituem um grupo de agentes fungistáticos sintéticos com amplo espectro de atividade, baseados nos núcleos imidazol ou triazol.(5) Eles atuam inibindo a enzima fúngica lanosina-14a-desmetilase, que é responsável pela conversão de lanosterol em ergosterol, afetando diretamente a fluidez da membrana e nas enzimas ligadas a ela.(4,5) No caso de infecção invasiva, um dos mais utilizados é o fluco­nazol.(5) É um antifúngico triazólico que alcança grandes concentrações no líquido cefalorraquidiano, podendo ser a primeira opção nos casos de meningite fúngica, alcançando também boas concentrações no humor vítreo, saliva, pele, unhas e tecido vaginal.(4)

A caspofungina pertence ao grupo das equino­candinas e é administrada intravenosamente. Ele atua contra o crescimento de fungos através da inibição da b-1,3-D-glucano-sintase.(6) Este polímero é necessário para manter estável a estrutura das paredes celulares fúngicas, sendo que, na sua ausência, as células fúngicas perdem a integridade e ocorre a sua lise.(6) O amplo espectro de atividade fungicida contra as espécies de Candida, baixos efeitos colaterais e perfil de interação favorável faz da caspofungina terapia de primeira linha para as diversas manifestações clínicas da candidíase.(7)

Mecanismos de resistência de C. albicans a antifúngicos

Uma vez identificado o patógeno causador da infecção, a falha na terapia antifúngica pode ocorrer por diversos fatores, como resistência in vitro (intrínseca ou desenvolvida ao longo da terapia) ou resistência clínica.(8)

A resistência clínica ocorre quando o fungo é aparentemente susceptível ao antifúngico in vitro, porém não in vivo, devido à impossibilidade do antifúngico agir no seu alvo. Pode ser resultado de terapia em pacientes muito imunodeprimidos, neutropênicos, infecção em tecidos pouco vascularizados ou abcessos fechados, falta de aderência do paciente ao tratamento e formação de biofilmes em próteses e catéteres.

Várias espécies de leveduras do gênero Candida têm a habilidade de produzir biofilme, inclusive C. albicans.(8,9)

A resistência microbiológica, por sua vez, envolve mecanismos moleculares e pode ser intrínseca ou adquirida.(8) A resistência intrínseca é uma característica fenotípica de determinada espécie de microrganismo e confere a ele a resistência inata antes da exposição deste ao antifúngico. Isso ocorre, por exemplo, com a espécie de C. krusei, que possui resistência intrínseca ao fluconazol.(8) Já a resistência adquirida ocorre em microrganismos que desenvolveram mutações após a exposição ao antifúngico e posteriormente houve a seleção, sobrevivência e proliferação daqueles mutantes resistentes.(8)

Fatores de transcrição mutantes contribuem com a formação de resistência microbiológica aos antifúngicos. A resistência que ocorre em C. albicans inclui uma variação que tem como fundo a descendência clonal. A falta de recombinação sexual leva à aquisição de resistência a drogas através da plasticidade do genoma e aumento de taxas de mutação e de recombinação mitóticas.(10) Entretanto, a resistência mediada por bombas de efluxo é uma das mais comuns.(10) Na Tabela 1 estão descritos os principais mecanismos de resistência de C. albicans para os antifúngicos anfotericina B, fluconazol e caspofungina.

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As bombas de efluxo são compostas por proteínas, que estão divididas em dois grupos com base na sua estrutura e tipo de energia que utilizam para o transporte de várias moléculas. O primeiro grupo inclui transportadores que utilizam a degradação de ATP como fonte de energia, a esse grupo de proteínas dá-se o nome de família ABC (cassete de ligação de ATP). Já o segundo grupo consiste de transportadores cuja energia é obtida a partir de um gradiente de concentração de prótons presentes em membranas biológicas. Esta categoria é constituída por proteínas MFS (Major Facilitador Superfamily).(8,11) Observa-se que mutações em genes que interferem na regulação das bombas de efluxo podem levar à superexpressão destas, fato que ocorre em certos casos de resistência, onde a concentração de antifúngico no microrganismo e sua ação são alterados pela retirada de droga.(11-14)

Na literatura tem sido relatada ocorrência relativamente baixa de casos de resistência à anfotericina B, pois mutações que levam a esse tipo de resistência trazem consequências à sobrevivência da levedura, diminuindo drasticamente sua tolerância a estresses externos bem como aumentando a ocorrência de defeitos na filamentação e invasão tecidual.(15) Os mecanismos envolvidos em aumento de resistência à anfotericina B resultam de alterações na composição da membrana plasmática fúngica, alterações quantitativas de esfingolipídeos na membrana com diminuição da formação de ergosterol e funcionamento incorreto de bombas de efluxo, mutação do gene ERG3, que leva à formação de esteróis com menor afinidade de ligação da anfotericina B(14) e superexpressão de bombas de efluxo.(16)

Esfingolipídeos podem modular a resistência à anfo­tericina B.(17) Eles são necessários para vários processos celulares, incluindo a manutenção da integridade da membrana plasmática e bom funcionamento de certas proteínas da membrana. Alterações na composição da membrana, como o aumento de esfingolipídeos, podem afetar positivamente o funcionamento de bombas de efluxo.(17) A quantidade de esfingolipídeos presentes na membrana é balanceada com a de ergosterol, sendo que, se há uma alteração quantitativa nos esfingolipídeos também haverá no ergos­terol, e, consequentemente, na oferta de sítio de ligação de anfotericina B.(17) Além disso, a diminuição da produção de ergosterol causada pelo tratamento anterior com azólicos pode levar secundariamente a um aumento de resistência a anfotericina B devido à menor oferta de sítio de ligação e possível superexpressão de bombas de efluxo.(17) Por fim, outro mecanismo de resistência reportado é o da redução da sensibilidade ao antifúngico em resposta adaptativa ao estresse oxidativo induzido pela ação de anfotericina B.(18)

Jia et al., em 2009,(19) reportaram que o gene RTA2 está envolvido no surgimento de resistência aos azólicos em C. albicans por meio da regulação positiva da calci­neurina.(19) A calcineurina é uma fosfatase ativada por Ca2+ e calmodulina, que está presente em células eucariontes e atua na sinalização da célula fúngica em resposta a estímulos externos.(19) A RTA2 está envolvida na redução de sensibilidade in vitro de C.albicans ao fluconazol, bloqueando sua capacidade de danificar a membrana através da regu­lação da calcineurina.(20) Quando há mutação na calcineurina, esta se torna inviável na redução da sensibilidade de fluconazol e outros azólicos, tornando assim a calcineurina essencial para o desenvolvimento de resistência.(21,22)

A proteína do choque térmico Hsp90 também é um regulador da resposta ao estresse, ela está envolvida de produção de biofilme.(23) O estresse oxidativo induzido pela ação de fluconazol pode ser reparado por resposta adapta­tiva, contribuindo para a redução da sensibilidade ao anti­fúngico.(18)

Mutações no gene ERG11 estão associadas com resistência aos azólicos, pois afetam a expressão do gene que pode mudar a afinidade de lanosterol-14-a-demethylase por drogas azólicas,(24,25) bem como alterações quantitativas destas proteínas.(14,26) Por outro lado, mutações no gene ERG3 também aumentam a resistência de C. albicans ao fluconazol.(27,28)

Li et al.(29) mostraram a importância do papel da família de histona desacetilases (HDACs) no desenvolvimento de resistência aos azólicos em C. albicans. A desacetilação de histona pode levar à expressão de genes relacionados aos estágios iniciais de adaptação ao estresse azólico, tais como genes associados às proteínas transportadoras nas bombas de efluxo.(29) Histonas desacetilases são uma família de enzimas importantes que atuam no núcleo para desacetilar histonas em lisinas, fatores de transcrição, proteínas de transdução de sinal e outras proteínas celulares.(29)

A caspofungina não sofre os efeitos da bomba de efluxo presentes em C. albicans já que não atinge concentrações apreciáveis no ambiente intracelular da levedura.(11) Contudo, há relatos de diminuição da susceptibilidade de C. albicans à caspofungina relacionada à mutação no gene FKS1 que codifica a enzima b-1,3-D-glucano-sintase.(14) Múltiplas mutações em FKS1 têm um maior risco de falha terapêutica, e as várias mutações FKS1 SH diferem em elevações nas concentrações inibitórias mínimas do anti­fúngico.(30)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o aumento do uso de drogas antifúngicas, o número de relatos de resistência aos medicamentos anti­fúngicos também aumentou, o que evidencia ainda mais a necessidade de se compreenderem os mecanismos celulares moleculares envolvidos no desenvolvimento da resistência aos antifúngicos.

Não foram desenvolvidas até o momento estratégias definitivas para se evitar e combater o aparecimento de resistência a antifúngicos. Entretanto, pode ser possível desenvolver procedimentos análogos àqueles que são utilizados para os antibacterianos como, por exemplo, uso adequado nas dosagens de antifúngicos, escolha de um antifúngico mais adequado a um determinado fungo, aderência do pacientes ao tratamento, aperfeiçoamento dos métodos de diagnóstico das infecções fúngicas e melhoria no monitoramento da susceptibilidade ou resistência dos isolados fúngicos, que deve ser considerada a fim de melhor detectar o surgimento de cepas resistentes ou não.

Abstract

Candida albicans is the most frequent species of the genus Candida to cause invasive infections. These infections are associated with high morbidity and mortality in the infected patients. One reason may be due to resistance to antifungal agents used in the therapeutics of the infections such as fluconazole, amphotericin B e Caspofungin. Resistance occurrence in Candida albicans is reported to occur by several mechanisms such as mutation and mitotic recombination, with the formation of the antifungal target components with lower binding affinity to it, overexpression of efflux pumps and biofilm formation.

Keywords

Fungal drug resistance; Candida albicans; Antifungal agents

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Correspondência

Jairo Ivo dos Santos

Departamento de Análises Clínicas

Centro de Ciências da Saúde

Universidade Federal de Santa Catarina

Campus Universitário, Trindade

88040-970 – Florianópolis – SC, Brasil