Etiologia das dermatofitoses diagnosticadas em pacientes atendidos no Laboratório de Micologia Médica no Centro de Biociências da Universidade Federal de Pernambuco, entre 2014-2017
Diagnosed dermatophytosis etiology in patients at the Laboratory of Medical Mycology at the Center of Biosciences of the Federal University of Pernambuco, in 2014-2017
Kenia Alves da Silva1
Bruno Severo Gomes2
Oliane Maria Correia Magalhães3
Armando Marsden Lacerda Filho4
- Bacharel em Ciências Biológicas – Universidade Federal de Pernambuco – Recife-PE, Brasil.
- Doutor em Microbiologia –Universidade Federal de Pernambuco – Recife-PE, Brasil.
- Doutora em Biologia de Fungos – Universidade Federal de Pernambuco – Recife-PE, Brasil.
- Pós-doutor em Bioquímica – Universidade Federal de Pernambuco – Recife-PE, Brasil.
Instituição: Universidade Federal de Pernambuco – Recife-PE, Brasil.
Artigo recebido em 18/09/2017
Artigo aprovado em 08/12/2017
DOI: 10.21877/2448-3877.201700619
Resumo
Objetivo: As dermatofitoses afetam boa parte da população mundial, sendo possível observar diferentes padrões de distribuição regional em relação aos tipos e frequências de espécies isoladas. No Brasil, estas diferenças nos padrões são observadas em diversas regiões, entretanto poucos dados foram publicados na região Nordeste nos últimos anos, gerando uma lacuna de informação sobre o tema. Este trabalho teve como objetivo atualizar os dados sobre a incidência de dermatofitose na região. Métodos: Foram agrupadas as dermatofitoses confirmadas em pacientes atendidos no Laboratório de Micologia Médica da Universidade Federal de Pernambuco, no período de janeiro de 2014 a junho de 2017, avaliando-se as possíveis mudanças nas espécies prevalentes. Resultados: Foram analisados 2.893 laudos, onde 268 foram positivos para dermatofitoses. O sítio de infecção variou significativamente conforme a faixa etária. Quanto à etiologia, o gênero Trichophyton foi isolado em um total de 252 amostras, o gênero Microsporum em 9 amostras e o gênero Epidermophyton em 7 amostras. Conclusão: Sobre a frequência das espécies, Trichophyton rubrum foi o agente etiológico predominante, semelhante ao já relatado em várias regiões do Brasil e do mundo, bem como em estudos anteriores da região. O dermatófito zoofílico mais comum foi Microsporum canis, corroborando com uma tendência já relatada por alguns autores. Trichophyton mentagrophytes foi isolado com maior frequência em pé e pele glabra, local em que se constitui um dos agentes etiológicos mais importantes. Contudo, foi observado um declínio significativo na sua detecção em todas as localizações, o que corrobora com estudos anteriores realizados na mesma região
Palavras-chave
Epidemiologia; Trichophyton; Epidermophyton; Microsporum; Dermatofitoses
INTRODUÇÃO
Infecções causadas por fungos constituem um sério problema de saúde pública no Brasil em decorrência de vários fatores como o predomínio de clima tropical, grande extensão territorial, alta incidência de doenças e baixa condição socioeconômica da população.(1)
As micoses superficiais são as mais frequentes, tendo como características a transmissão por contato direto, inflamação local e ausência de anticorpos séricos, e os dermatófitos constituem um grupo de fungos que, em vida parasitária, têm capacidade de invadir tecidos queratinizados de humanos e outros animais, causando infecções denominadas dermatofitoses, acometendo regiões anatômicas específicas como pelos, pele, unhas, mãos e pés, cujos agentes etiológicos são os gêneros Microsporum, Trichophyton e Epidermophyton.(2-5)
A distribuição geográfica de casos de dermatofitoses, quando relacionada a frequência das espécies encontradas e as regiões anatômicas acometidas com maior frequência, é bem variável. Na literatura, mudanças nos perfis epidemiológicos das dermatofitoses são relatadas em vários países, e essas variações estão relacionadas a diversos fatores climáticos, geográficos, ocupacionais e migratórios.(6,7)
O perfil epidemiológico das dermatofitoses é pouco conhecido quando se trata da região nordeste e, por estas não figurarem entre as doenças de notificação obrigatória, no Brasil, apenas estudos fragmentados são encontrados na literatura nacional, fazendo-se inquestionável a necessidade de pesquisas epidemiológicas, clínicas e laboratoriais que apresentem dados reais, no tocante à incidência das dermatofitoses nesta região, bem como a revalidação e atualização dos dados vigentes disponíveis na literatura.(3-8)
MATERIAL E MÉTODOS
As amostras clínicas foram obtidas de pacientes atendidos no Laboratório de Micologia Médica da Universidade Federal de Pernambuco, no período de janeiro de 2014 a junho de 2017, avaliando as possíveis mudanças nas espécies prevalentes.
Dos pacientes, foram registrados dados como idade, sexo e local da lesão. As amostras utilizadas para o diagnóstico das dermatofitoses foram: bulbo piloso, escamas epidérmicas e escamas ungueais colhidas por escarificação utilizando bisturis previamente esterilizados. O exame direto foi realizado após clarificação das amostras clínicas em solução aquosa de hidróxido de potássio a 20% e a espécie definida pela análise das características macro e microscópicas das culturas realizadas em meio ágar Sabouraud dextrosado adicionado de 50mg/L de cloranfenicol.
A identificação do agente etiológico foi feita através do estudo dos aspectos morfofisiológicos das culturas obtidas, segundo Lacaz et al.(9) e Sidrim e Moreira.(5)
RESULTADOS
Foram analisados 2.893 casos de lesões suspeitas de dermatofitose. Destes, 1.332 (46%) foram positivos para dermatomicoses, mas apenas 268 (20,1%) foram diagnosticados como dermatofitoses, através do exame direto e cultura.
Foi observada a associação de espécies de dermatófitos com outras espécies de fungos. Em 26 (9,7%) casos, esses organismos mostraram-se associados a outra espécies (leveduras do gênero Candida, Fusarium spp. e fungos do gênero Trichosporon).
As dermatofitoses foram mais frequentes em pacientes do sexo masculino, acometendo 140 indivíduos. Aspectos relacionados ao sexo e idade estão descritos na Tabela 1.
O sítio de infecção variou significativamente conforme a faixa etária, havendo um nítido predomínio de Tinea pedis e Tinha unguium nos indivíduos com faixa etária entre 31-60 anos, o que correspondeu a 86 (32,1%) pacientes. A idade mínima dos pacientes diagnosticados com dermatofitoses foi de 1 ano e a máxima de 78 anos. (Tabela 1).
Quanto à etiologia, o gênero Trichophyton foi o gênero mais isolado com um total de 252 amostras, onde, em nível de espécie, Trichophyton rubrum se comportou como a mais prevalente, acometendo 46 (17,1%) pacientes. Outras espécies de dermatófitos do gênero Trichophyton também foram encontradas, onde Trichophyton mentagrophytes foi identificado em 17 (6,3%) amostras, Trichophyton verrucosum em uma (0,3%) e Trichophyton tonsurans em uma (0,3%) amostra cada.
O gênero Microsporum foi isolado em nove amostras, sendo Microsporum canis em oito (2,9%) e Microsporum gypseum isolado em um apenas uma (0,3%) amostra. O gênero Epidermophyton foi isolado e confirmado em nível de espécie em sete (2,6%) amostras como Epidermophyton floccosum. As espécies isoladas nos dois períodos estão demonstradas na Figura 1.
Figura 1. Relação entre as espécies identificadas e os locais das lesões nos pacientes atendidos com suspeita de dermatofitoses no Laboratório de Micologia Médica – CB/UFPE no período de janeiro de 2014 a junho de 2017.
O principal agente isolado e identificado em nível de espécie nas amostras de pele glabra, região inguinal e pés foi o Trichophyton rubrum que totalizou 38 (14,1%) das amostras coletadas no estudo; no couro cabeludo Microsporum canis e Microsporum gypseum somaram respectivamente oito (2,9%) e uma (0,3%) do total de amostras; nas escamas ungueais Trichophyton rubrum foi isolado em cinco (1,8%) amostras e Trichophyton mentagrophytes em três (1,1%). Dos quarenta casos de dermatofitose em couro cabeludo, 57,5% ocorreram nas amostras de pacientes pertencentes ao sexo masculino. Das sete ocorrências de Epidermophyton floccosum, cinco amostras foram isoladas na região inguinal.
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Foi observada maior ocorrência de dermatofitoses no gênero masculino em comparação ao feminino, e a maior frequência de casos identificados esteve em indivíduos com faixa etária entre 31 e 60 anos. Este resultado corrobora com dados já discriminados na literatura, que indicam que essa frequência pode ser proveniente da alta atividade da população durante essa faixa etária, somado a hábitos de vida que levam a maior exposição aos dermatófitos. Alguns autores também relatam que os fatores predisponentes para a alta infecção nessa faixa etária podem ser caracterizados pela profissão exercida, traumas por atividades profissionais e contato com produtos químicos.(6-8)
O grupo com faixa etária entre 0 e 15 anos não apresentou incidência para dermatofitoses em pés, mãos e unhas. O fato de crianças possuírem sítios menos queratinizados que adultos e tornarem-se menos susceptíveis a infecções por tais fungos queratinofílicos é relatado por Araújo et al.(12) Já Sidrim et al.(5) relatam que casos de infecção em couro cabeludo são mais comuns em crianças do gênero masculino e em idade escolar.
Os dados da literatura corroboram com esta pesquisa ao indicar a maior frequência de infecções fúngicas e Tinea capitis na população de 0 a 12 anos. Alguns autores relacionam a maior incidência de casos nessa faixa de idade com fatores imunológicos, que ainda não são bem desenvolvidos contra esse tipo de infecção, agregado a facilidade de contaminação elevada em escolas devido a aglomeração de crianças em um ambiente pequeno. Existe a probabilidade de haver maior infecção nos meninos do que nas meninas da mesma idade, devido ao tamanho dos cabelos, que, por serem curtos, facilitam a infecção do couro cabeludo pelos dermatófitos.(6,7,12)
As lesões na região inguinal são mais comuns, segundo a literatura, em adolescentes e adultos jovens que praticam atividades físicas mais intensas, devido ao constante contato da pele local com a roupa íntima, acrescido do calor e da umidade, que favorece o aparecimento de lesões. O índice de contágio acaba sendo alto e frequentemente ocorrem epidemias em ambientes familiares ou escolar, já que a transmissão pode ocorrer de forma indireta, através do contato íntimo com roupas e/ou locais contaminados.
Divergindo de outras pesquisas, observou-se que a incidência de infecções na região inguinal foi maior na faixa etária de 31 a 60 anos, tal resultado pode ser relacionado ao aumento atividades físicas ou a rotina intensa dos indivíduos dessa faixa etária.(7,10,12)
A alta incidência de casos de infecções nos pés e unhas comprova os relatos da literatura de infecções fúngicas na região dos pés serem comuns em regiões tropicais, devido ao clima quente e úmido que, quando combinados e associados aos hábitos de vida, favorecem a contaminação.(1,6,7)
Também é comum haver contaminação entre sítios anatômicos do próprio paciente, o que explica os casos encontrados neste trabalho de infecções ungueais múltiplas (unhas dos pés e das mãos), infecções ungueais múltiplas com lesões nos pés ou em diversas áreas do corpo. Em relação à alta taxa de acometimento do gênero masculino, a possibilidade da alta prevalência de infecções nos pés e unhas pode ser atribuída ao maior uso de sapatos fechados por longos períodos durante o dia, bem como uma menor atenção à higiene pessoal quando comparado aos hábitos femininos.(1,7,10)
Sobre a frequência das espécies, T. rubrum foi o agente etiológico predominante neste estudo, o que corrobora os dados da literatura de vastas pesquisas realizadas em outras regiões e em diferentes épocas.(5-8,12)
Contudo, apesar do gênero Trichophyton compor a maior quantidade de casos de Tinea capitis, em nível de espécie, Microsporum canis foi observado na maior quantidade de isolados devido à sua extrema facilidade em parasitar pelos. A prevalência de Microsporum canis nos casos de Tinea capitis também foram citadas por Siqueira et al.(10) e Couto et al.(11)
O dermatófito Microsporum canis é relatado como importante agente etiológico de Tinea capitis em outras regiões, fato que pode ser considerado verídico quando correlacionado aos dados encontrados no nosso estudo, onde dos sete casos de infecção por M. canis, seis acometeram a região do couro cabeludo e apenas um caso acometeu a pele glabra. Da mesma forma que já foi relatado em estudos realizados em outras regiões do país, as dermatofitoses por M. gypseum não costumam ter alta frequência. Também foi observado que apesar de Trichophyton rubrum não ser considerado um agente frequente de Tinea capitis, a espécie foi isolada neste tipo de lesão, corroborando com os dados de outros autores. (7,11,13)
A espécie T. mentagrophytes foi a segunda espécie com menor incidência (1,1%) nos laudos analisados. Pesquisas publicadas de outras regiões do país mostram um padrão divergente do encontrado em nosso trabalho, onde colocam T. mentagrophytes como o segundo agente mais frequente em casos de dermatofitoses e com alta taxa de distribuição em regiões tropicais, sendo superado apenas por T. rubrum.(12,13)
A espécie Epidermophyton floccosum obteve índice de incidência próximo ao da espécie M. canis, em contrapartida, obteve incidência maior do que a espécie T. mentagrophytes, o que vai contra os dados disponíveis na literatura. Contudo, E. floccosum manteve uma relação equivalente em incidência quando comparado com outros trabalhos. As infecções por E. floccosum diagnosticadas em nosso trabalho foram observadas com maior incidência na região inguinal e em indivíduos do sexo masculino, o que é validado por estudos semelhantes realizados por outros autores.(7)
Variações na frequência das espécies de fungos dermatófitos são algo comum de uma região para outra com o passar dos anos, pois existe a susceptibilidade dos agentes a diversos fatores como alterações climáticas, migração populacional e o desenvolvimento de novas terapias antifúngicas. Por conta disso, estudos prospectivos sobre a epidemiologia e etiologia das dermatofitoses e de outros tipos de micoses devem ser realizados continuamente, de modo a contribuir com o conhecimento, atualização dos dados sobre o tema e o controle de infecções fúngicas em cada região.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Universidade Federal de Pernambuco e ao Laboratório de Micologia Médica do Centro de Biociências pelo apoio e colaboração durante a execução deste trabalho.
Abstract
Objective: Dermatophytosis affect a large part of the world population making possible to observe different patterns of regional distribution in relation to the types and frequencies of isolated species. In Brazil, these differences in patterns are observed in several regions, but few data have been published in the Northeast region in recent years, generating a lack of information about the theme.This study had as objective to update data on the incidence of dermatophytosis in the region. Methods: The dermatophytosis confirmed in patients were grouped at the Laboratory of Medical Mycology of the Federal University of Pernambuco, from January 2014 to June 2017, evaluating the possible changes in the prevalent species. Results: A total of 2.893 reports were analyzed, where 268 were positive for dermatophytosis. The site of infection varied significantly by age group. Regarding the etiology, the genus Trichophyton was isolated in a total of 252 samples, the genus Microsporum in 9 samples and the genus Epidermophyton in seven samples. Conclusion: About the frequency of species, Trichophyton rubrum was the predominant etiological agent, similar to the one that had already been reported in several regions of Brazil and of the world, as well as in previous studies of the region.The most common zoophilic dermatophyte was Microsporum canis, corroborating with a tendency already reported by some authors.Trichophyton mentagrophytes was isolated more frequently on the skin of the feet and glabrous skin, where it is one of the most important etiological agents. However, a significant decline in detection was observed at all areas, which corroborates previous studies conducted in the same region.
Keywords
Epidemiology; Trichophyton; Epidermophyton; Microsporum; Dermatophytosis
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