Estudo piloto em telecitologia: análise citomorfológica por imagens estáticas

Pilot study in telecitology: diagnosis by static images

 

Jusimar Gonçalves1, Lisiane Cervieri Mezzomo2

 

1  Universidade Feevale – Curso de Especialização em Citopatologia Diagnóstica. Novo Hamburgo, RS, Brasil.

2  Universidade Feevale – Curso de Especialização em Citopatologia Diagnóstica. Doutorado em Patologia – UFCSPA (Porto Alegre, RS). Novo Hamburgo, RS, Brasil.

 

Recebido em 12/07/2020

Aprovado em 08/03/2022

DOI: 10.21877/2448-3877.202202038

 

INTRODUÇÃO

 

O primeiro dispositivo microscópico de captura de imagens foi desenvolvido por Ludwig Edinger em 1910 e utilizado até 1940. Posteriormente, surgiram as câmeras baseadas em filmes, empregadas até os anos 2000, quando as câmeras digitais passaram a ser utilizadas.(1)

Os avanços nas áreas de tecnologia e redes revolucionaram o mundo, incluindo a área da Medicina. A telemedicina e seus vários campos, incluindo a telepatologia, fornecem uma ampla plataforma para consultas e investigações e também podem servir como uma valiosa ajuda educacional. Nesse contexto, a telecitologia, ou citologia digital, é uma área que vem crescendo e se destacando nos últimos anos.(2) Ela compreende o uso de telecomunicações para transmitir imagens de citologia para diagnóstico, consulta ou educação.

A citologia estática envolve o uso de imagens pré-capturadas por uma câmera acoplada ao microscópio óptico e posterior transmissão.(3) É relativamente de baixo custo e de fácil utilização, e atualmente vem sendo utilizada com bastante frequência para esclarecimento de dúvidas com o objetivo de acelerar o processo de consulta e liberação dos resultados citológicos. Nesse método de citologia digital, ou telecitologia, o citopatologista pré-seleciona as áreas, captura as imagens com uma câmera, em seguida digitaliza-as e, então, transmite por e-mail ou outras ferramentas de internet.(4) A metodologia pode ser aplicada à todos os tipos de materiais citológicos, incluindo amostras ginecológicas e não ginecológicas, como raspados, aspirados e amostras de líquidos obtidos por punção ou de forma espontânea. Também pode ser útil no arquivamento e apresentação de casos raros e incomuns, exemplos clássicos de entidades que seriam de alto valor diagnóstico (cujas lâminas poderiam se perder com o tempo), testes de proficiência e propósitos de pesquisa.(2)

No futuro, a telecitologia estática pode ter um lugar que atenda às necessidades clínicas em diferentes situações de prática. Nesse contexto, esse estudo objetiva avaliar o uso da telecitologia estática para o diagnóstico de lesões escamosas de alto grau e investigar a concordância intraobservador entre os diagnósticos citopatológicos obtidos de forma clássica, com o uso do microscópio, e a citologia estática.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

 

Seleção dos casos e captura das imagens

Este estudo transversal foi realizado por meio de seleção de 20 casos positivos de citologia convencional, a partir de um banco de dados (arquivo de lâminas) de um laboratório de Patologia do Meio-Oeste Catarinense. Para a conclusão diagnóstica as lâminas foram triadas por dois observadores com experiência na área, um médico patologista e um analista clínico especialista em citopatologia. Foram incluídos casos de citologia oncótica cervicovaginal, que o autor considerou necessitar de uma segunda opinião ou uma consulta especializada, corados pela técnica de Papanicolaou, com resultado positivo para lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL) e carcinoma de células escamosas (CA), confirmadas pelo exame anatomopatológico. Foram excluídos casos de citologia oncótica cervicovaginal com resultado positivo para as classificações supracitadas que não tiveram correspondente biópsia de colo do útero, lesões intraepiteliais escamosas de baixo grau (LSIL), atipias escamosas (ASC), incluindo atipias escamosas de significado indeterminado (ASC-US) e atipias escamosas não se pode excluir HSIL (ASCH) e também lâminas insatisfatórias para avaliação, quebradas ou danificadas.

Após a seleção dos casos, os campos microscópicos de valor diagnóstico foram selecionados e capturados digitalmente, sendo a ampliação de 400× utilizada preferencialmente para captura de imagens, em virtude de ser a objetiva usada na rotina de triagem.

Com a área de interesse em foco, a lente da câmera foi aplicada contra uma das oculares do microscópio e a imagem foi capturada. As imagens foram obtidas a partir da objetiva do microscópio óptico Nikon Eclipse E200 LED binocular (Nikon Corporation, Tokyo, Japan), com objetiva de 400x e Smartphone Iphone 5S (Designed by Apple in California), sem adaptador ocular.

De forma a uniformizar a análise, padronizou-se a seleção e captura das imagens estáticas de cada lâmina citopatológica. A seleção das imagens da citologia foi baseada nos critérios de Bethesda, e escolhidas por um observador (responsável pelo estudo), de modo a serem suficientes para a conclusão diagnóstica, baseadas no diagnóstico inicial. A qualidade das imagens digitais foi determinada empiricamente. Apenas imagens consideradas de qualidade ou relevância suficientes foram incluídas no estudo. As imagens obtidas foram em alta resolução, permitindo ao observador a aproximação da imagem e verificação dos detalhes celulares, quando necessário.

 

Transmissão das imagens e diagnóstico citológico

Após a captura das imagens, essas foram transmitidas aos observadores individualmente por meio do aplicativo WhatsApp® (WhatsApp, Inc., Mountain View, Califórnia, EUA). As imagens foram transferidas sem modificação de cor, brilho e tamanho. Para a padronização dos resultados, foi fornecido um formulário estruturado, com opções de respostas, baseado nos critérios de Bethesda. As respostas incluíram desde atipias escamosas, lesões escamosas de baixo e alto grau, e lesões glandulares (Tabela 1). Não foi fornecido aos observadores nenhum tipo de informação clínica ou a respeito do diagnóstico que pudesse influenciar nos resultados. A interpretação telecitológica foi comparada ao diagnóstico final obtido em consenso pelos dois profissionais, um patologista e um citopatologista.

O grupo de observadores incluídos no trabalho foram seis alunos do curso de especialização em Citopatologia Diagnóstica da Universidade Feevale, localizada em Novo Hamburgo-RS que aceitaram participar do estudo. Após a análise dos resultados dos observadores, as lâminas e as imagens de citologia estática foram reavaliadas e as razões de discordância foram determinadas.

 

Aspectos éticos

Todos os participantes incluídos aceitaram participar do estudo e assinaram o TCLE (Termo de consentimento livre e esclarecido). O presente projeto foi cadastrado na Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Feevale.

 

Análise estatística

Os resultados foram avaliados utilizando o software SPSS (IBM SPSS Statistics 24.0), e o coeficiente de Kappa foi calculado para medir a concordância entre os observadores. Valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significantes.

 

RESULTADOS

 

Considerou-se uma média de captura de cinco imagens por caso suficientes para a conclusão diagnóstica. Os campos mais significativos foram selecionados, fotografados através da objetiva do microscópio óptico com o uso de um smartphone e encaminhados aos participantes para posterior avaliação. Os casos foram transmitidos separadamente, ao longo de 6 meses e os participantes tiveram em torno de 7 dias para concluir o diagnóstico.

A Figura 1 exemplifica um caso disponível para avaliação pelos citopatologistas. Nesse caso a paciente tinha 22 anos, assintomática, exame de repetição com histórico de células atípicas de significado indeterminado possivelmente não neoplásicas (ASC-US) há seis meses. O diagnóstico citológico liberado foi de lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL) e o resultado da biópsia histológica foi de neoplasia intraepitelial cervical de grau 3 (NIC 3). As cinco imagens foram disponibilizadas em conjunto para análise pelo participante do estudo. O caso foi transmitido a cada participante individualmente.

As Figuras 2 e 3 são exemplos de imagens digitais avaliadas pelos participantes do estudo com maior porcentagem de acerto, com 100% de concordância.

Já as Figuras 4 e 5 foram casos que obtiveram as menores taxas de concordância (17% e 33%, respectivamente). Atribui-se a essas baixas taxas de concordância algumas características contidas nos esfregaços, como intensa sobreposição celular, grande quantidade de sangue e infiltrado inflamatório abundante, o que muitas vezes dificulta a análise. Também relaciona-se com a pouca experiência dos observadores, pois todos eles estão em fase de formação na área. Entre as respostas para o caso 4, dois observadores consideraram como LSIL e outros dois como CA, e para o caso 11 cinco observadores consideraram como CA e somente um considerou como HSIL.

 

Figura 1

Caso 8 no qual as principais características citológicas encontradas foram células imaturas com macronucleose, contorno de membrana nuclear irregular, cromatina grosseira, mal distribuída e hipercromática. O diagnóstico liberado pelo laboratório foi HSIL. As respostas das análises foram todas idênticas às do diagnóstico do laboratório. O nível de concordância foi de 100%.

Figura 2

Caso 1 no qual as principais características citológicas encontradas foram células imaturas com macronucleose, contorno de membrana nuclear irregular, cromatina grosseira, mal distribuída e hipercromática. O diagnóstico liberado pelo laboratório foi HSIL. As respostas das análises foram todas idênticas às do diagnóstico do laboratório. O nível de concordância foi de 100%.

Figura 3

Caso 2 no qual as principais características citológicas encontradas foram células imaturas com macronucleose, contorno de membrana nuclear irregular, cromatina grosseira, mal distribuída e hipercromática com presença de grande quantidade de sangue. O diagnóstico liberado pelo laboratório foi HSIL. As respostas das análises foram todas idênticas às do diagnóstico do laboratório. O nível de concordância foi de 100%.

Figura 4

Caso 11 – 17% de concordância

Figura 5

Caso 4 – 33% de concordância

Casos 11 e 4 – Diagnóstico laboratorial HSIL. Presença de células imaturas com macronucleose, contorno de membrana nuclear irregular, cromatina grosseira, mal distribuída e hipercromática. Muitas vezes os critérios entre HSIL e CA não são muito claros, o que pode levar a confusão no diagnóstico.

 

Considerou-se que todas as imagens capturadas pela objetiva do microscópio obtidas por meio de câmera do smartphone apresentaram resolução adequada e possibilitaram aos participantes a visualização dos detalhes citológicos de forma satisfatória.

Além disso, considerou-se que o aplicativo WhatsApp® foi uma ferramenta rápida e bem-sucedida na transferência de imagens na técnica de telecitologia. Todos os participantes relataram ter visualizado as imagens de forma satisfatória e rapidamente após a transmissão.

A avaliação dos 20 casos de citologia incluídos resultou em concordância considerável entre os observadores, tendo como média geral 72,5%.

Os resultados obtidos das análises das imagens enviadas via WhatsApp® são mostrados Tabela 1.

 

Tabela 1

Resultados das análises dos 20 casos de citologia incluídos no estudo e a concordância intraobservadores

Casos Cito Histo Obs. 1 Obs. 2 Obs. 3 Obs. 4 Obs. 5 Obs. 6 Concordância

Citologia

1 HSIL NIC3 HSIL HSIL HSIL HSIL HSIL HSIL 100%
2 HSIL NIC2 HSIL HSIL HSIL HSIL HSIL HSIL 100%
3 HSIL NIC2 HSIL HSIL CA LSIL HSIL HSIL 67%
4 HSIL NIC3 CA LSIL LSIL HSIL HSIL CA 33%
5 HSIL NIC2 HSIL HSIL HSIL LSIL HSIL HSIL 83%
6 HSIL NIC1 HSIL HSIL HSIL HSIL HSIL ADENO 83%
7 HSIL NIC3 CA HSIL HSIL HSIL HSIL HSIL 83%
8 HSIL NIC3 HSIL HSIL HSIL HSIL HSIL HSIL 100%
9 HSIL NIC3 HSIL CA CA HSIL LSIL HSIL 50%
10 HSIL NIC3 HSIL HSIL LSIL HSIL HSIL HSIL 83%
11 HSIL NIC3 CA CA HSIL CA CA CA 17%
12 HSIL NIC3 HSIL CA HSIL HSIL HSIL HSIL 83%
13 HSIL NIC3 HSIL HSIL HSIL HSIL HSIL CA 83%
14 HSIL NIC3 HSIL HSIL HSIL LSIL HSIL HSIL 83%
15 HSIL NIC3 HSIL HSIL HSIL HSIL HSIL CA 83%
16 HSIL NIC3 CA HSIL HSIL HSIL HSIL HSIL 83%
17 HSIL NIC2 HSIL LSIL HSIL HSIL HSIL HSIL 83%
18 CA CA CA CA CA HSIL CA CA 83%
19 CA CA CA ADENO CA HSIL CA HSIL 50%
20 CA CA HSIL ADENO CA LSIL HSIL HSIL 17%
Concordância entre os observadores     75% 65% 80% 65% 85% 65% 72%

72,5%

LSIL – Lesão intraepitelial escamosa de baixo grau; HSIL – Lesão intraepitelial escamosa de alto grau; CA – Carcinoma de células escamosas; ADENO – Adenocarcinoma; HISTO – Histológica; CITO – Citologia; OBS – Observador.

 

 

A análise estatística mostrou que o presente estudo teve uma taxa moderada de concordância dos casos entre os diagnósticos microscópicos e das imagens digitais, com um coeficiente Kappa K= 0,43. Quando analisamos os dados individualmente para cada observador, o maior nível de concordância alcançado foi de 85% com um coeficiente kappa de K= 0,60, uma concordância moderada. Entretanto três observadores obtiveram 65% de concordância e valores de Kappa classificados como de fraca a razoável concordância.

O maior valor de Kappa e o melhor índice de acertos foram vistos em 3/20 casos com 100% de acerto pelos observadores. Atribui-se o alto índice de acerto nesses casos ao grau de alterações presentes nas lâminas, em que os critérios de hipercromasia, cromatina granular com formação de grumos e irregularidades na borda nuclear estavam bem evidentes. Entretanto, a maioria dos casos (casos 5, 6, 7, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18) apresentou 83% de concordância. O caso 3 apresentou 67% de concordância, seguido de concordância nos casos 9 e 19, com 50% de concordância; o caso 4 apresentou 33% de concordância.

Apenas dois dos 20 casos (11 e 20) tiveram 17% de concordância e foram considerados os casos com maior índice de discordância. Esses dois casos eram de HSIL e CA respectivamente, fato esse que pode ter como explicação a intensa sobreposição celular capturada nas imagens, dificultando a identificação da origem celular (glandular ou escamosa), o que também pode explicar a interpretação de adenocarcinoma em uma HSIL e também a aplicação dos critérios para diagnóstico.

Posteriormente à obtenção dos resultados, as lâminas dos casos discordantes foram reavaliadas e as imagens microscópicas foram comparadas com as imagens capturadas. As características citológicas e estruturais dos casos que apresentavam desconformidade diagnóstica (n= 27,5%) são atribuídas à pouca experiência em leitura de lâminas dos observadores. Por se tratar de imagens estáticas, o observador não tem controle sobre a ampliação e foco, o que dificulta muitas vezes a análise, especialmente em casos que exigem maior atenção aos critérios citomorfológicos. Além disso, o número de imagens enviadas é um fato que limita a observação em apenas alguns campos selecionados da lâmina e isso, para as pessoas com pouca experiência, pode ser considerado um fator de insegurança no momento da liberação do laudo. Vale considerar também o fato de que este trabalho utilizou como avaliadores os alunos em formação do curso de especialização na área, e portanto observadores com variabilidade de conhecimentos e de treinamentos. Atribui-se esse aspecto às baixas concordâncias encontradas nesse trabalho.

 

DISCUSSÃO

 

A medicina digital tornou-se um dos tópicos mais estudados nas últimas décadas, pois sua aplicabilidade reside não apenas no uso de dispositivos digitais para fins médicos, mas também altera o cenário geral de previsão de doenças, prevenção, diagnóstico, tratamento e manejo pós-tratamento. Dentro desse cenário, introduz-se a citologia digital, ou telecitologia, um componente do que já é conhecido como Telepatologia. Nos últimos anos testemunhou-se o amplo uso da telepatologia na educação, consultas, arquivamento de lâminas e testes de proficiência, e nesse contexto a telecitologia vem se tornando uma prática na avaliação à distância usando imagens digitais.(3)

A citologia digital é uma área recente e ainda em expansão, com alguns trabalhos publicados.(5-10) Entretanto, a maioria dos estudos que foram realizados com essa metodologia incluiu uso de profissionais experientes para a avaliação das imagens, muitas vezes com tempo de rotina superior a 10 anos. Este trabalho difere em parte, uma vez que os avaliadores foram estudantes em fase final de conclusão do curso de especialização em citopatologia, com média de 1,5 anos de treinamento, porém com pouca experiência na área. A importância dessa análise reside no fato de expor as principais dificuldades encontradas pelos profissionais da área especialmente quando considerados critérios citológicos limítrofes. Os resultados refletem a variabilidade de critérios citológicos presentes nas lesões e que muitas vezes acabam se sobrepondo, dificultando o diagnóstico.

É importante destacar que a citologia é dependente do olhar do observador e apresenta variabilidade de interpretações, mesmo entre profissionais com ampla experiência. Além disso, o diagnóstico de lesões de alto grau é muitas vezes difícil mesmo para consultores experientes, e algumas vezes apresenta considerável variabilidade intraobservador e interobservador. Esse estudo demonstra esses critérios, uma vez que alguns casos tiveram maior variabilidade de interpretações.

Considera-se que a limitação do número de imagens por caso, aliada à pouca experiência dos avaliadores, pode ter dificultado a análise do diagnóstico e diminuído os valores de concordância geral. Além disso, as imagens enviadas de forma estática para análise, ao contrário da análise microscópica, não possibilitam o uso de recursos como intensidade de luz, modificações na resolução e especialmente o exame de células em vários planos focais. Considera-se esses recursos essenciais na análise citológica, especialmente em casos de lesões com grupamentos tridimensionais, grupos sinciciais e células sobrepostas, frequentes em lesões de alto grau.

Essa limitação pode ser observada no estudo de ZIOL et al.,(6) que analisaram 100 casos de citologia cervicovaginal e observaram que apesar do processo de digitalização de imagens dos esfregaços citológicos cervicais com diagnóstico difícil ser geralmente preciso, ele sofreu com as questões pertinentes às imagens estáticas, como a incapacidade de foco e a falta de resolução, particularmente para as células de tamanhos pequenos. Os autores relatam uma concordância que variou de 68% a 85%. Nosso estudo encontrou concordância semelhante e corrobora esses dados já publicados.

No estudo de GALVEZ et al.(5) foram analisadas as características citológicas específicas identificadas em 21 casos de aspirações por agulha fina da mama. Os autores observaram que todas as características avaliadas poderiam ser identificadas tanto nas imagens estáticas quanto na análise microscópica, com 81% de concordância. Em nosso estudo, a análise das imagens digitais teve concordância de 72,5%, próximo aos valores encontrados nesse trabalho.

Outro trabalho, publicado por DELLA MEA et al.,(7) utilizou 48 casos de citologia de punção aspirativa por agulha fina (PAAF) de lesões mamárias. Os autores relataram que o uso de imagens estáticas enviadas por e-mail alcançou um resultado de concordância em 84% dos casos, o que é semelhante ao encontrado em nosso trabalho. Esses valores de concordância semelhantes podem ser explicados devido ao fato de se tratarem de dois estudos com análise somente de imagens estáticas, diferenciando-se apenas pelo método de envio das mesmas. Posteriormente, o mesmo percentual foi encontrado por AYATOLLAHI et al.,(8) com 85% de concordância para a interpretação de imagens estáticas de amostras de 50 esfregaços de derrame pleural com diferentes diagnósticos.

Além desses, nossa análise encontrou resultados semelhantes de concordância com estudo publicado por JIALDASANI et al.(11) Os autores analisaram 46 casos enviados de dois hospitais rurais a cerca de 500km de um centro terciário de câncer. Os casos foram submetidos a uma segunda opinião durante um período de dois anos e avaliados por meio de uma abordagem de armazenamento estático e de telecitologia direta. A concordância diagnóstica foi de 74%.

MARCHEVSKY et al.(9) analisaram 27 amostras coletadas por punção aspirativa por agulha fina (PAAF) de pacientes com pancreatite crônica com alterações epiteliais de reparo atípico e adenocarcinomas pancreáticos de baixo grau que foram revisadas por quatro citopatologistas experientes que utilizaram a telecitologia e microscopia de rotina. A comparação entre os diagnósticos corretos e as consultas realizadas pelos dois métodos e entre os diagnósticos realizados nos mesmos casos pelas duas modalidades produziu coeficientes kappa variando de K=0,44 a K=1. Esses valores de concordância são esperados nesse tipo de estudo, visto que os observadores são citopatologistas experientes e com segurança na liberação dos laudos. Além disso, a grande variabilidade de concordância foi semelhante ao que encontramos nessa análise.

Podemos inferir que nossos resultados corroboram esses estudos anteriormente publicados, e que são semelhantes aos casos já publicados na literatura.

Um fator que pode ter sido preponderante para a discrepância dos resultados das análises entre os observadores incluídos nesse estudo é a impossibilidade de análise da lâmina toda, ou seja, a disponibilidade de apenas alguns campos (5) pode ter dificultado a interpretação dos diagnósticos citológicos. Esse fato reflete outra característica inerente ao método de citologia estática, que é o viés do olhar do observador que está capturando as imagens. É importante destacar que o diagnóstico citológico final é baseado na análise do conjunto de características citológicas microscópicas da lâmina como um todo, e que a captura das imagens deve refletir a totalidade das características observadas para que o diagnóstico seja fidedigno.

 

CONCLUSÕES

 

Consistente com trabalhos anteriormente publicados, este estudo mostrou que capturar e transferir imagens microscópicas é um método prático, fácil e econômico. É previsível que as imagens digitais transferidas pela técnica de telecitologia por meio do uso de dispositivos como o WhatsApp® sejam usadas cada vez mais, porque essa ferramenta permite que as imagens sejam facilmente compartilhadas. Dados desse estudo indicam que a telecitologia pode ser usada para realizar avaliações de adequação remota com eficácia moderada a alta quando comparada à microscopia convencional. Acredita-se, portanto que a citologia estática pode ser uma ferramenta consultiva potencialmente útil para a interpretação de espécimes citológicos com dificuldades diagnósticas, especialmente quando se deseja uma segunda opinião. São necessários, no entanto, estudos mais robustos e que comparem de forma mais controlada a análise do material recebido/enviado pela tecnologia de transmissão de imagens com a análise da lâmina microscópica para que seja avaliada a aplicabilidade do método para o diagnóstico. Acredita-se que com o avanço contínuo da tecnologia, o futuro da telecitologia testemunhará melhorias no método e aceitação pela comunidade.

 

REFERÊNCIAS

 

  1. Sahin D, Hacisalihoglu UP, Kirimlioglu SH. Telecytology: Is it possible with smartphone images?. Diagnostic Cytopathology. 2018;46:40-46.
  2. Nishat R, Ramachandra S, Behura SS, Kumar R. Digital cytopathology. J Oral Maxillofac Pathol, 2017. 21(1):p.99-106.
  3. Agarwal S, Zhao L, Zhang R, Hassell L. FaceTime validation study: low-cost streaming video for cytology adequacy assessment. Cancer Cytopathol. 2016;124:213-220.
  4. Sowter C, Wells CA. Telepathology: Assessment of the implications and applications of telepathology for practical diagnostic pathology. J Clin Pathol 1998;51:714-5.
  5. Galvez J, Howell L, Costa MJ, Davis R. Diagnostic concordance of telecytology and conventional cytology for evaluating breast aspirates. Acta Cytol 1998;42:663-7.
  6. Ziol M, Vacher-Lavenu MC, Heudes D, et al. Expert consultation for cervical carcinoma smears. Reliability of selected-field videomicroscopy. Anal Quant Cytol Histol 1999;21:35-41.
  7. Della Mea V, Puglisi F, Bonzanini M, et al. Fineneedle aspiration cytology of the breast: a preliminary report on telepathology through Internet multimedia electronic mail. Mod Pathol 1997;10:636-41.
  8. Ayatollahi H, Khoei A, Mohammadian N, et al. Telemedicine in diagnostic pleural cytology: a feasibility study between universities in Iran and the USA. J Telemed Telecare 2007;13:363-8.
  9. Marchevsky AM, Nelson V, Martin SE, et al. Telecytology of fine-needle aspiration biopsies of the pancreas: a study of well differentiated adenocarcinoma and chronic pancreatitis with atypical epithelial repair changes. Diagn Cytopathol 2003;28:147-52.
  10. Tonet C, Calil LN, Mezzomo, LC. A telecitologia na rotina do rastreamento do câncer do colo uterino . RBAC. 51(3): 178-184
  11. Jialdasani R, Desai S, Gupta M, et al. An analysis of 46 static telecytology cases over a period of two years. J Telemed Telecare 2006;12:311-4.

 

Correspondência

Lisiane Cervieri Mezzomo

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