Estruturação da Política Nacional de Diagnóstico no Contexto da Atenção à Saúde – PNDL

Structuring the National Policy for Laboratory Diagnosis in the Context of Healthcare – PNDL

 

 

Maria Elizabeth Menezes1, Paulo Roberto Boff2, Flavia Martinello3, Lenira Costa e Silva4, Karen Berenice Denez5, Pedro Eduardo Almeida da Silva6

 

1  Farmacêutica; Doutora em Ciências (Microbiologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Presidente da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas – SBAC; Coordenadora da Comissão Técnica-Cientifica Temporária de Estruturação da Política Nacional de Diagnóstico Laboratorial (Análises Clínicas, Toxicológicas e Ambientais) no Contexto da Atenção à Saúde.

2  Farmacêutico; Membro da Comissão Técnica-Cientifica Temporária de Estruturação da Política Nacional de Diagnóstico Laboratorial (Análises Clínicas, Toxicológicas e Ambientais) no Contexto da Atenção à Saúde.

3  Farmacêutica; Pós-doutora em Análises Clínicas; Professora do Departamento de Análises Clínicas da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Membro da Comissão Técnica-Cientifica Temporária de Estruturação da Política Nacional de Diagnóstico Laboratorial (Análises Clínicas, Toxicológicas e Ambientais) no Contexto da Atenção à Saúde.

4  Farmacêutica; Vice-Presidente do Conselho Federal de Farmácia; Membro da Comissão Técnica-Cientifica Temporária de Estruturação da Política Nacional de Diagnóstico Laboratorial (Análises Clínicas, Toxicológicas e Ambientais) no Contexto da Atenção à Saúde.

5  Farmacêutica; Mestre em Assistência Farmacêutica pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Membro da Comissão Técnica-Cientifica Temporária de Estruturação da Política Nacional de Diagnóstico Laboratorial (Análises Clínicas, Toxicológicas e Ambientais) no Contexto da Atenção à Saúde

6  Farmacêutico; Doutor em Medicina (Microbiologia Molecular) pela Universidade de Zaragoza/Espanha; Professor Titular de Microbiologia da Universidade Federal do Rio Grande – FURG; Membro da Comissão Temporária de Estruturação da Política Nacional de Diagnóstico Laboratorial (Análises Clínicas, Toxicológicas e Ambientais) no Contexto da Atenção à Saúde.

 

 

CONTEXTUALIZAÇÃO

 

A Sociedade Brasileira de Análises Clínicas – SBAC – preocupada com a evolução das atividades de Análises Clínicas no Brasil, motivada pelos debates em torno da atualização da RDC 302/2005 que culminou na publicação da RDC 786 /2023 da ANVISA, e com o impacto causado no setor que pode gerar consequências para a população usuária do Sistema Único de Saúde, se posiciona em prol da construção de uma Política Nacional de Diagnóstico Laboratorial (PNDL).

A SBAC, apoiada por entidades estratégicas, vem unificando forças políticas para que as ações de diagnóstico laboratorial se destaquem como protagonistas no cenário da Atenção à Saúde no Brasil. As alianças são fundamentais para a consecução deste importante objetivo de abrangência nacional. Portanto, este documento é também uma chamada para a união de esforços na conquista de uma PNDL que alcance as análises clínicas, toxicológicas e ambientais. O contexto atual das Análises Clínicas no Brasil advém da ausência de uma Política Nacional de Atenção à Saúde, que contemple a inclusão das Ações de Diagnóstico no Processo de Atenção à Saúde. As análises clínicas, toxicológicas e ambientais se destacam pela contribuição com elementos essenciais na promoção da saúde pública, reforçando a relevância da qualidade analítica, bem como da segurança dos usuários e dos trabalhadores e a viabilização de respostas em tempo oportuno sobre a situação de saúde das pessoas.

As políticas públicas voltadas para Atenção à Saúde dependem da participação e envolvimento político, exigem o aprimoramento científico e técnico, além de ferramentas adequadas para a gestão, incorporação de tecnologias e a aplicação de estratégias para a superação das fragmentações dos serviços, na perspectiva concreta das efetivas universalidade e integralidade das ações de saúde, com equidade.

As análises clínicas e toxicológicas são essenciais para o diagnóstico, a prevenção e o tratamento de diversas doenças, o que ficou evidente durante e após a pandemia da COVID-19, que exigiu uma demanda sem precedentes de exames laboratoriais. No entanto, esses serviços não são reconhecidos adequadamente no contexto dos serviços de Atenção à Saúde, que desconhece, muitas vezes, a importância e a complexidade das análises clínicas no Sistema de Saúde.

É senso comum que o diagnóstico laboratorial desempenha um papel fundamental na detecção precoce, tratamento e prevenção de doenças, auxiliando em torno de 70% das decisões médicas. No entanto, é importante reconhecer que o acesso a esses serviços nem sempre é equitativa para toda a população. Existem diversas dificuldades que precisam ser superadas para garantir um acesso efetivo e igualitário aos serviços de diagnóstico laboratorial.

Integrar as ações de diagnóstico laboratorial ao processo de Atenção à Saúde, dentro das Linhas do Cuidado e considerando a estruturação em rede na Rede de Atenção à Saúde (RAS), requer não apenas a incorporação crítica e sustentável de tecnologias, mas uma revisão da logística adotada atualmente na prestação desses serviços e a redefinição dos profissionais envolvidos nas análises clínicas e toxicológicas.

Destaca-se aqui a importância de os profissionais atuarem de maneira multiprofissional, proporcionando acolhimento, atenção integral e acompanhamento aos usuários do SUS em seus processos de promoção, proteção e recuperação da saúde, levando em consideração seus diversos condicionantes.

A reorganização e expansão da rede de assistência ao diagnóstico, tanto pública quanto complementar, desempenha um papel estratégico na orientação dos critérios para a incorporação de tecnologias, na definição de custos e na garantia da qualidade dos serviços diagnósticos. Esta última perspectiva está intrinsecamente ligada às políticas governamentais de resumir segurança do paciente e de financiamento, evidenciando relações indissociáveis.

 

POLÍTICA NACIONAL DE DIAGNÓSTICO LABORATORIAL NO CONTEXTO DA ATENÇÃO À SAÚDE

 

A inclusão do Diagnóstico Laboratorial no Contexto da Política da Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, tem amparo em uma variedade de documentos e referências, entre os quais pode-se destacar:

  1. a) Documentos do Ministério da Saúde:

Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT).

Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME).

Manuais e orientações específicas da área de Assistência Farmacêutica.

  1. b) Guias Técnicos e Científicos

Guias técnicos relacionados à prática farmacêutica e de análises clínicas.

Manuais técnicos e científicos produzidos por sociedades científicas farmacêuticas.

  1. c) Publicações Acadêmicas e Científicas:

Artigos científicos que abordam a relevância do diagnóstico clínico laboratorial.

Teses e dissertações que exploram a integração praticado diagnóstico laboratorial na Assistência Farmacêutica.

  1. d) Experiências Internacionais:

Documentos de organizações internacionais de saúde (OMS, OPAS) que descrevem experiências bem-sucedidas na integração do diagnóstico clínico laboratorial com o cuidado e/ou assistência farmacêutica.

  1. e) Consultas Públicas e Participação Social

Conferências de saúde gerais e temáticas.

  1. f) Resoluções e Normativas do CFF:

Resoluções e normativas específicas do Conselho Federal de Farmácia que abordam o papel do farmacêutico no diagnóstico clínico laboratorial.

  1. g) Relatórios e Avaliações:

Relatórios de avaliação da Assistência Farmacêutica no SUS.

Avaliações de programas pilotos ou iniciativas regionais relacionadas ao diagnóstico clínico laboratorial farmacêutico.

 

O Brasil possui várias políticas e programas voltados para o diagnóstico laboratorial, especialmente na área da saúde. Alguns dos principais são:

  1. a) Programa Nacional de Controle de Qualidade (PNCQ): Este programa tem como objetivo garantir a qualidade dos exames laboratoriais por meio da participação de laboratórios em programas de avaliação externa do controle da qualidade.
  2. b) Oferta de exames pelo Sistema Único de Saúde (SUS): O SUS oferece uma série de exames laboratoriais gratuitos à população, especialmente aqueles considerados essenciais para o diagnóstico e acompanhamento de doenças.
  3. c) Programa de Laboratórios de Saúde Pública (LACEN): Os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACENs) são responsáveis por realizar exames laboratoriais de média e alta complexidade, especialmente relacionados ao monitoramento e controle de doenças transmissíveis.
  4. d) Política Nacional de Laboratórios de Saúde Pública (PNLSP): Esta política tem como objetivo fortalecer a rede laboratorial do SUS, garantindo a qualidade dos exames e a integração entre os diferentes laboratórios do país.
  5. e) Programa de Expansão e Melhoria da Assistência Especializada (AMA/AME): Este programa tem como objetivo ampliar e qualificar o acesso a exames laboratoriais de alta complexidade, especialmente para diagnóstico e acompanhamento de doenças crônicas.
  6. f) Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN): Também conhecido como “Teste do Pezinho”, este programa oferece exames laboratoriais para a detecção precoce de doenças metabólicas, genéticas e infecciosas em recém-nascidos.
  7. g) Programa da Saúde da Mulher. Este programa garante os direitos das mulheres para redução da morbimortalidade por causas preveníveis e evitáveis, incluindo a realização de exames citopatológico cérvico vaginal.

 

A rápida disponibilização de novas tecnologias aplicadas ao diagnóstico, dado o dinamismo do segmento, viabiliza a oferta de produtos e serviços que incorporam conceitos como miniaturização, paralelismo e conectividade. A demanda crescente por soluções que atendam cada vez mais aos objetivos de ampliação de acesso, diagnóstico precoce e orientação à conduta clínica direcionam os olhares a soluções voltadas a levar o diagnóstico aos mais remotos locais, atendendo a populações negligenciadas pelas políticas públicas vigentes. Novas tecnologias em saúde têm o potencial de transformar o atendimento ao paciente, melhorar os procedimentos de diagnóstico e prognóstico e aprimorar os processos de gerenciamento e prestação de serviços de saúde permitindo o monitoramento contínuo do paciente para várias condições de saúde, assim como serviços de saúde personalizados e direcionados.

Considerando que mais de 70% de todos os diagnósticos clínicos são embasados nos resultados dos exames de laboratório, recurso indispensável para afirmar ou informar precisamente o estado clínico dos pacientes e para auxiliar na escolha da terapêutica aplicável a cada doença, e ainda que mais de 98% do diagnóstico laboratorial do SUS é realizado pela rede complementar, há de se pensar também na revisão dos procedimentos realizados, para extrair os exames obsoletos e efetivamente remunerar os serviços a serem realizados para manter a saúde e adequar a remuneração do trabalhador que opera os serviços laboratoriais, bem como manter a qualidade evolutiva que é uma constante no diagnóstico laboratorial.

A Política Nacional de Diagnóstico Laboratorial deve incluir um programa de educação amplo e acessível ao cidadão para a compreensão do papel essencial do laboratório de análises clínicas como instrumento para a avaliação da situação de saúde, a recuperação física e o restabelecimento da saúde humana, enfatizando a segurança e a confiabilidade dos resultados laboratoriais. A Política Nacional de Diagnóstico Laboratorial deve contribuir para a gestão da qualidade laboratorial, sem tornar a sua prática um instrumento rígido em conceitos e atividades, possibilitando, para bem da qualidade e segurança dos serviços de diagnóstico laboratorial, que as ações admitam variações para incluir especificidades regionais e culturais próprias do território brasileiro, face a sua grande extensão territorial.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Pelo exposto é mandatório um documento técnico, científico e estratégico, que possa ser adotado como referência para o desenvolvimento, implementação e governança de uma política nacional que inclua as ações de diagnóstico laboratorial (análises clínicas, toxicológicas e ambientais) no processo de Atenção à Saúde no Brasil, visando preencher lacunas existentes, assegurando a qualidade dos diagnósticos e promovendo a eficácia nas intervenções de saúde pública.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria no 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da atenção básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Brasília‐DF, Diário Oficial da União, Seção 1, 22 out. 2011.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria no 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília‐DF, Diário Oficial da União, Seção 1, 31 dez. 2010.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Documento de diretrizes para o cuidado das pessoas com doenças crônicas nas Redes de Atenção à Saúde e nas linhas de cuidado prioritárias / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. – Brasília: Ministério da Saúde, 2012. 34 p.: il. – (Série B. Textos Básicos de Saúde).

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