Doença de chagas: uma atualização bibliográfica

Chagas disease: a bibliographic update

 

Ronildo de Sousa Lima1

Andrea Bessa Teixeira2

Vera Lucia da Silva Lima1

1BAtendente de Farmácia. Discente – Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza (Fametro) – CE, Brasil.
2Docente. Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza (Fametro) – CE, Brasil.
3Discente. Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza (Fametro) – CE, Brasil.

Instituição: AFaculdade Metropolitana da Grande Fortaleza (Fametro) – CE, Brasil.

Recebido em 29/05/2018
Artigo aprovado em 27/06/2019
DOI: 10.21877/2448-3877.201900727

INTRODUÇÃO

A Doença de Chagas (DC) é uma doença infecciosa, que também é conhecida popularmente por “doença do coração crescido” e é causada pelo protozoário flagelado Trypanosoma cruzi, que é transmitido pelo contato com as fezes dos insetos vetores, chamados de “barbeiros” no Brasil. Além disso, algumas formas de transmissão são por via oral, pela ingestão de alimentos contaminados com os parasitas; da mãe para o filho ou de forma congênita; transplante de órgãos e até por acidentes laboratoriais. Além disso, as formas de diagnóstico são o exame parasitário, soro­lógico e métodos indiretos como a hemocultura e o xenodiag­nóstico..

 

ETIOLOGIA

 

A doença é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, caracterizado pela presença de um flagelo e do cine­toplasto. Suas formas evolutivas são amastigota, tripo­mastigota e epimastigota. Por exemplo, no sangue dos vertebrados, o T. cruzi se apresenta sob a forma de tripo­mastigota, que é extremamente móvel, e, nos tecidos, como amastigotas. No tubo digestivo dos vetores ocorre a transformação do parasito, dando origem às formas infectantes presentes nas fezes do inseto. A partir disso, é possível entender a transmissão da DC e prevenir a doença.

 

EPIDEMIOLOGIA

 

A doença de Chagas tem uma maior distribuição no continente americano. No Brasil, a DC chegou a atingir cerca de 40% do território nacional e os estados com mais índices de casos são: Minas Gerais, Goiás, Bahia, São Paulo, Acre, Amazonas e Amapá. Além disso, sabe-se que a principal via de transmissão é a vetorial (inseto), por causa das casas rústicas, das habitações rurais, que são conhecidas como casas de pau a pique e taipas, que são caracterizadas pela má iluminação e presença de rachaduras, o que possibilita a procriação dos triatomíneos e, segundo o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, foram contabilizados 112 surtos no território nacional entre 2005 e 2013, envolvendo em sua totalidade 35 municípios da região amazônica. A provável fonte de infecção foi a ingestão de alimentos contaminados com T. cruzi, entre eles: açaí, bacaba, suco de caldo de cana e o palmito de babaçu. A maioria dos surtos ocorreu nos estados do Pará – 75,9% (85) e Amapá – 12,5% (14) e, em menores proporções, nos estados do Amazonas – 4,5% (5), Tocantins – 1,8% (2) e Bahia – 1,8% (2).

As principais formas de transmissão são: a vetorial (pelas fezes do barbeiro, como é chamado popularmente, e podem infectar pela picada, coceira ou até mesmo pela boca); o transplante (doadores infectados para doadores sadios); a vertical ou congênita (passagem do parasita da mãe para o feto que pode ocorrer durante o parto ou na gestação) e a oral (ingestão de alimentos contaminados). mãe para o feto que pode ocorrer durante o parto ou na gestação) e a oral (ingestão de alimentos contaminados).

 

FISIOPATOLOGIA

 

A DC é dividida em duas fases: a crônica (tardia, de evolução lenta e com baixa parasitemia) e a aguda (inicial, de rápida duração, com elevada parasitemia e geralmente autolimitada). Na fase aguda, a patologia causa, principalmente, dilatação cardíaca e derrame pericárdico. A mio­cardite é intensa e difusa, ocorrendo necrose miocitolítica, edema, vasculite e infiltrado inflamatório, de natureza mono e polimorfo nuclear. A maior parte dos casos agudos evolui para a forma indeterminada. Considera-se que pacientes nessa forma constituam a grande maioria de infectados em áreas endêmicas, podendo aproximadamente 40% de estes persistirem indefinidamente nessa condição. O estágio é caracterizado pela presença de infecção, confirmada por testes parasitológicos e/ou sorológicos, na ausência de manifestações clínicas, radiológicas (coração, esôfago e/ou cólon) e eletrocardiográficas. A evolução para as formas determinadas (cardiomiopatia e mega síndromes) geralmente ocorrerá 10-20 anos após a fase aguda. Levando-se em conta a gravidade das manifestações que pode acarretar, o envolvimento cardíaco representa, sem dúvida, o mais importante do ponto de vista médico-social. A apresentação clínica da forma cardíaca crônica pode variar amplamente, dependendo do grau de acometimento da estrutura e função cardíaca, dentre outros fatores. Os principais achados nos corações de chagásicos envolvem uma miocardite fibrosante progressiva e crônica. A perda de cardiomiócitos e a sua substituição por tecido fibrótico parece induzir desarranjos da estrutura e da função do miocárdio, resultando em mau funcionamento do sincício eletrofisiológico e predispondo ao desenvolvimento da insuficiência cardíaca (IC), bloqueios intra e atrioventriculares, além de taquiarritmias ventriculares, fatores com impacto prognóstico na DC.

Esta doença tem como principais sintomas: febre, mal-estar, inflamação e dor nos gânglios, vermelhidão, inchaço nos olhos (sinal de Romanã) e aumento do fígado e do baço, que são os principais sintomas. Com frequência, a febre desaparece depois de alguns dias e a pessoa não se dá conta do que lhe aconteceu, embora o parasita já esteja alojado em alguns órgãos.

 

DIAGNÓSTICO

 

Na fase aguda da DC, o diagnóstico laboratorial é baseado na observação do parasito presente no sangue dos indivíduos infectados, através de testes parasitológicos diretos, como exame de sangue a fresco, esfregaço e gota espessa. O teste direto a fresco é mais sensível que o esfregaço corado e deve ser o método de escolha para a fase aguda. Caso estes testes sejam negativos, devem ser usados métodos de concentração. Os testes de concentração (microhematócrito ou Strout) apresentam 80% a 90% de positividade e são recomendados no caso de forte suspeita de DC aguda e negatividade do teste direto a fresco. Em casos sintomáticos por mais de trinta dias, devem ser realizados os testes de escolha, uma vez que a parasitemia começa a declinar.

Na fase crônica da doença, o diagnóstico parasito­lógico direto torna-se comprometido em virtude da ausência de parasitemia. Os métodos parasitológicos indiretos (o xenodiagnóstico ou o hemocultivo) que podem ser utilizados apresentam baixa sensibilidade (20%-50%). Sendo assim, o diagnóstico na fase crônica é essencialmente soro­lógico e deve ser realizado utilizando-se dois testes de princípios metodológicos diferentes: um teste de elevada sensibilidade (ELISA com antígeno total ou frações semipuri­ficadas do parasito ou a IFI) e outro de alta especificidade (ELISA, utilizando antígenos recombinantes específicos do T. cruzi). Recentemente, o Ministério da Saúde realizou um estudo multicêntrico que avaliou a sensibilidade e especi­ficidade de 12 ‘kits” de ELISA disponíveis no mercado brasileiro, envolvendo os convencionais (que utilizam antígeno total ou frações semipurificadas do parasita) e não convencionais (que utilizam antígenos recombinantes).

Em casos suspeitos de transmissão congênita, é importante confirmar o diagnóstico sorológico da mãe. Caso a infecção materna seja confirmada, deve-se realizar o exame parasitológico no recém-nascido. Se for positivo, a criança deve ser submetida ao tratamento etiológico imediatamente. Os filhos de mães chagásicas com exame para­sitológico negativo ou sem exame devem retornar entre seis e nove meses, a fim de realizarem testes sorológicos para pesquisa de anticorpos anti-T. cruzi da classe IgG. Se a sorologia for negativa, descarta-se a transmissão vertical.

Nos países afetados pela doença de Chagas, é comum a prática de coletar amostras clínicas em áreas rurais, distanciadas do laboratório que pratica o diagnóstico, e essa rotina pode comprometer a integridade da amostra a ser analisada. Assim, a necessidade de se coletarem amostras clínicas em áreas rurais promoveu o desenvolvimento de um procedimento simples para a coleta, transporte e preservação de amostras de sangue e posterior análise por PCR, tendo como alvo de detecção o kDNA de T. cruzi. Amostras de sangue periférico (10 mL) são coletadas e misturadas com o mesmo volume de tampão específico (Guanidina-HCl 6M/ EDTA 0,2M), podendo permanecer à temperatura ambiente por até sessenta dias sem comprometer o resultado final do ensaio molecular. Também foi sugerido que o rompimento da estrutura em rede do kDNA para a liberação dos minicírculos, moléculas-alvo da amplificação era necessário para aumentar a sensibilidade de detecção do parasito diretamente no sangue de pacientes crônicos. Para tal, Britto e colaboradores (1993) descreveram o método da clivagem física da rede de kDNA por calor (fervura dos lisados de sangue a 100°C por 15 min), um procedimento rápido e sem custos, que vem sendo usado rotineiramente por diferentes laboratórios, fornecendo um limite de detecção de até um único parasito presente em 10 mL de sangue coletado. Esse nível de sensibilidade se mostrou adequado para a pesquisa acurada do parasito diretamente no sangue de pacientes portadores da doença crônica. Estudos clínicos e epidemiológicos preliminares demonstraram que o ensaio da PCR pode alcançar uma melhor sensibilidade e especificidade quando comparado em associação ao diagnóstico sorológico e clínico. Além disso, a PCR é, sem dúvida, um método mais rápido e mais prático do que qualquer outro teste parasitológico, tais como o xenodiagnóstico e o hemocultivo. Uma série de investigações em regiões endêmicas do Brasil com perfis epidemio­lógicos particulares foi conduzida baseada na amplificação de sequências de minicírculos do kDNA. Inicialmente, os ensaios foram focados nos estados de Minas Gerais (Virgem da Lapa), Paraíba e Piauí – áreas endêmicas tradicionais da doença de Chagas, e na Bacia Amazônica, onde o T. cruzi é enzoótico. Nesses estados, a faixa de soropreva­lência da doença é de 6%-13,3%. A detecção de parasitos circulantes nos indivíduos soropositivos foi obtida através dos testes de xenodiagnóstico e amplificação pela PCR.

 

TRATAMENTO E PREVENÇÃO

 

O tratamento preconizado pelo Ministério da Saúde é o benzonidazol, que deve ser indicado exclusivamente pelo profissional qualificado logo após a confirmação da patologia. Fornecido gratuitamente pelas Secretarias Estaduais de Saúde, deve ser utilizado em pessoas que tenham a doença aguda assim que ela for identificada. No caso dos portadores da doença crônica, a indicação desse medicamento é para aqueles pacientes assintomáticos e com exames sem alterações (forma indeterminada) ou em formas clínicas iniciais, devendo ser avaliados individualmente. Em casos de intolerância ou que não respondam ao tratamento inicial, especialmente casos agudos e de reativação da DC em imunossuprimidos, o Ministério da Saúde disponibiliza o nifurtimox como alternativa de tratamento.

Ao localizar o inseto no domicílio, o morador precisa seguir algumas condutas, dentre elas:

  • Preservá-lo para que possa ser devidamente identificado;
  • Acondicionar o inseto em material plástico e tampado para inibir a possível fuga atendendo as especifi­cações de acondicionar separadamente, caso encontre em mais de um cômodo no domicílio;
  • Proteger as mãos ao manipular o inseto.

A profilaxia da patologia está diretamente voltada para a forma como ocorreu a contaminação. E um dos mecanismos de controle para impedir a multiplicação dentro da residência é utilizar o inseticida aplicado por equipe capacitada nos locais onde os insetos possam utilizar as frestas. Outra forma de prevenção é também a utilização de mosquiteiros.

Em relação à transmissão oral, as principais medidas de prevenção são:

  • Ação efetiva da vigilância sanitária, com educação continuada, controle de liberação de alvarás e avaliação em todo o processo de produção dos alimentos. Vale ressaltar que esta é uma maneira de contaminação que afeta todas as classes sociais uma vez que, na zona urbana e nas regiões endêmicas, o uso de telas é mais efetivo.
  • A cocção acima de 45°C, a pasteurização e a liofilização são formas de prevenção da transmissão oral por T. cruzi.

 

CONCLUSÃO

 

Apesar de ser uma patologia identificada há décadas, a DC ainda acomete e mata o cidadão de forma devastadora, pois a Política de Saúde Pública no país é precária e não uniforme, onde o morador da zona urbana certamente terá menos risco de contrair a DC que o morador sem recurso e plano de saúde da zona rural. Baseado no que foi exposto, é possível perceber que grandes desafios ainda permeiam o campo das questões relacionadas à DC, mesmo passados cem anos de sua descoberta. Conforme discutido no trabalho de Dias, várias situações devem ser levadas em consideração, permitindo explorar melhor os aspectos necessários ao entendimento das questões da DC, dentre as quais se destacam as relacionadas às leis de mercado, à economia em escala e às diversas situações de injustiça que inviabilizam o modelo agrícola e artesanal de pequenos produtores rurais, repercutindo diretamente em questões básicas da expansão da tripanossomíase;  a questão educacional, a qual deve, sobretudo, desestimular o sistema educativo elitista e pouco voltado para questões sociais, o que de certa forma acentua o desinteresse pela doença. Mesmo com o tratamento oferecido pelo Ministério da Saúde como foi descrito, a patologia pode evoluir de forma silenciosa, o que contribui para que doentes assin­tomáticos percam a oportunidade de tratamento, ocorrendo então o agravamento dos casos.

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Abstract

It is an infectious disease caused by a protozoan parasite called Trypanosoma cruzi, named after its discoverer, the Brazilian scientist Carlos Chagas, in honor of another scientist, also, Brazilian, Oswaldo Cruz. This disease is popularly known as a disease of the heart grown, in addition, the sites with the most indexes of this disease are the regions of the North and southeast and have as diagnostic methods serological tests parasitic and xenodiagnosis. And one of the main forms of prevention of the disease has been the use of screens and repellents.

 

Keywords

Chagas Disease; Trypanosoma cruzi; etiology; epidemiology; Clinical Enzyme Tests

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência

Vera Lucia da Silva Lima

Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza

Rua Conselheiro Estelita, 500 – Centro

Fortaleza-CE, Brasil