Diagnóstico laboratorial de aspergilose invasiva: avaliação de métodos moleculares e detecção de antígenos
Laboratory diagnosis of invasive aspergillosis: review of molecular methods and detection of antigens
Suellen Gavronski1
Tatiani Karini Rensi Botelho2
Caio Mauricio Mendes de Cordova3
1BSc, Universidade de Blumenau – Blumenau, SC, Brasil
2MSc, Universidade de Blumenau – Blumenau, SC, Brasil
3Professor. Universidade de Blumenau – Blumenau, SC, Brasil
Instituição: Universidade de Blumenau
Artigo recebido em 14/12/2013
Artigo aprovado em 29/01/2016
Resumo
Os fungos do gênero Aspergillus constituem um dos principais causadores de infecções oportunistas em pacientes imunossuprimidos. Dentre as manifestações pulmonares que podem ser causadas por Aspergillus, a mais grave é sem dúvida a aspergilose pulmonar invasiva (API), uma infecção que vem apresentando um aumento significativo em sua frequência nos últimos anos. Levando em conta a imunossupressão do paciente e a dificuldade do diagnóstico clínico, a API apresenta um prognóstico bastante reservado, podendo inclusive levar o paciente a óbito. Com o objetivo de aumentar as chances de recuperação do paciente, uma busca constante de exames que possam indicar precocemente a presença de Aspergillus sp. no paciente vem sendo realizada. Um dos mais recentes avanços no diagnóstico de API está relacionado com a detecção do agente causador da doença por meio da realização de métodos moleculares (PCR) e também com a detecção de antígenos do Aspergillus em fluídos corporais, com ênfase especial para a galactomanana e o (13)-β-D-glucano. Apesar de parecerem promissores, tais métodos ainda não são utilizados rotineiramente e existem poucos estudos conclusivos a respeito de seu uso. A finalidade deste trabalho é avaliar imparcialmente as vantagens e desvantagens de sua utilização, bem como sua performance individual e combinada.
Palavras-chave
Aspergilose pulmonar invasiva; Diagnóstico; Patologia molecular; Antígenos
INTRODUÇÃO
Infecções fúngicas sistêmicas são uma frequente causa de morte em pacientes imunocomprometidos, com crescentes taxas de incidência e mortalidade. Os mais frequentes agentes patológicos, causadores de mais de 90% de todas as infecções fúngicas são a Candida sp. e o Aspergillus sp.(1)
O gênero Aspergillus representa um grupo de microrganismos aos quais somos frequentemente expostos, já que suas espécies são sapróbios onipresentes na natureza. Este grupo de fungos é constituído por aproximadamente 180 espécies, mas apenas 34 são consideradas patogênicas para o ser humano. O Aspergillus fumigatus é a espécie mais comumente envolvida nos casos de aspergilose,(2) mas há outros representantes que também podem ser responsáveis pelo desenvolvimento das infecções, embora numa frequência menor. São eles o Aspergillus flavus,o Aspergillus niger e o Aspergillus terreus.(3)
As infecções pelas espécies de Aspergillus causam um largo espectro de doenças nos humanos dependendo do estado imune do hospedeiro. Dentre as manifestações que podem ser causadas pelo Aspergillus, a mais grave é sem dúvida a aspergilose pulmonar invasiva (API), uma infecção de natureza sobretudo nosocomial, que vem apresentando um aumento significativo em sua frequência nos últimos anos, paralelamente com o aumento do número de pacientes com baixo status imunológico.
Em relação aos fatores que predispõem o hospedeiro ao desenvolvimento de uma infecção por Aspergillus, os maiores responsáveis pelo desenvolvimento da forma invasiva da doença seriam os casos de neutropenia e de transplante de medula óssea (TMO) e órgãos sólidos. A frequência da API encontra-se entre 5% e 15% em pacientes submetidos a transplantes de órgãos sólidos, 8% a 15% em pacientes que realizaram TMO e aproxima-se de 70% após 34 dias de neutropenia em indivíduos com qualquer malignidade hematológica.(4-7) Além de frequente, a API nesses pacientes apresenta uma alta taxa de mortalidade, que atinge 94% em alguns estudos,(4,6,8,9) mas que predominantemente gira em torno de 58%.(10)
Em suma, o prognóstico não favorável da API é consequência tanto da imunossupressão do paciente quanto da dificuldade do diagnóstico clínico, já que a doença não apresenta sintomas específicos. Em virtude destes fatores, geralmente ocorre um atraso no início do tratamento, podendo resultar na morte do paciente. De fato, o diagnóstico precoce é um fator fundamental para a diminuição da mortalidade. Porém, infelizmente, a identificação do fungo não costuma passar de 30% dos casos e por isso existe uma busca constante de exames que possam indicar a presença de Aspergillus sp. no paciente imunodeprimido.(11)
Até agora, o padrão ouro para diagnosticar a aspergilose invasiva é o exame histopatológico ou citopatológico pulmonar obtido por toracoscopia ou biópsia do pulmão. A presença de hifas no tecido analisado juntamente com a cultura positiva para Aspergillus do mesmo local onde a amostra foi colhida é diagnóstico de API. Entretanto, por ser um procedimento invasivo, a biópsia do local afetado é dificilmente realizada em razão do grande risco de hemorragia em pacientes com trombocitopenia.(12) Além disso, outro grande problema relacionado com a análise histopatológica é a dificuldade em distinguir o Aspergillus de outros fungos filamentosos como Penicillium spp. e Scedosporium spp., já que os mesmos apresentam características morfológicas semelhantes e não específicas.(13)
A preparação da cultura das amostras coletadas, seja de sangue ou escarro, também não é considerada um método diagnóstico indicado em razão de possuir sensibilidade muito baixa, girando em torno de 25%. Além disso, uma cultura positiva nem sempre é indicativa da forma invasiva da doença, já que resultados falso positivos podem surgir em casos de colonização ou contaminação.(14) Por sua vez, apesar da cultura de Aspergillus sp. poder definir as opções terapêuticas mais indicadas por meio da posterior realização do teste de suscetibilidade a antifúngicos – certas espécies como A. terreus apresentam resistência à anfotericina B,(15) o fato de apresentar um crescimento lento e de só se tornar positiva quando a doença se encontra em estágio avançado inviabiliza a utilização deste método como diagnóstico padrão.(13)
Outro método comumente utilizado na identificação da API é a tomografia computadorizada do tórax do paciente. O principal achado seria a presença de um halo em volta de pequenos nódulos com crescente formação de ar. Estes sinais são característicos da aspergilose pulmonar invasiva em pacientes neutropênicos, mas, também, não constitui um método diagnóstico padrão em razão de ser relatado em uma variedade de outras doenças pulmonares.(16)
Com o objetivo de aumentar as chances de recuperação do paciente, uma busca constante de exames não invasivos, rápidos e que possam indicar a presença de Aspergillus sp. no paciente com um alto índice de sensibilidade e especificidade vem sendo realizada. Recentemente, esta pesquisa tem focado na detecção de marcadores circulantes provenientes do próprio fungo em questão.(17)
Um dos mais recentes avanços no diagnóstico de API está relacionado com a detecção de antígenos de Aspergillus sp. nos fluídos corporais. Os principais antígenos são a galactomanana e o β-D-glucano, componentes da parede celular do fungo liberados durante seu crescimento.
Outro método diagnóstico que vem ocupando uma posição de crescente destaque em laboratórios de pesquisas médicas e biológicas é a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), na qual é possível detectar o DNA do agente causador da doença por meio da replicação in vitro de uma sequência alvo característica do microrganismo pesquisado.
Uma série de estudos vem sendo realizada recentemente com o objetivo de analisar a validade destes métodos de diagnóstico. Neste trabalho foi avaliado, por meio de uma revisão bibliográfica, qual destes métodos apresenta maior vantagem na detecção do Aspergillus, a fim de tratar a API precocemente, diminuindo, então, os altos níveis de mortalidade desta doença.
Para a realização da pesquisa, a base de dados utilizada foi o Pubmed e as palavras-chave pesquisadas incluíram os termos “Aspergillus”, “PCR”, “antigen detection”, “galactomannan”, bem como a sua combinação. De todos os 59 resultados, somente nove foram condizentes com os objetivos do estudo e, além destes, as referências bibliográficas dos artigos pesquisados também foram revisadas à procura de materiais que pudessem contribuir para o trabalho.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
Detecção de antígenos
A detecção de antígenos circulantes para o diagnóstico de aspergilose invasiva foi primeiramente relatada em 1978. O primeiro kit de detecção de antígenos do Aspergillus era baseado na técnica de aglutinação indireta com partículas de látex para detecção da galactomanana, sendo rapidamente substituído em 1995 com a disponibilização do ELISA (Platelia Aspergillus EIA), ensaio recentemente aprovado pelo FDA para utilização no diagnóstico da aspergilose invasiva quando realizado com amostras de soro.(18)
A galactomanana é um polissacarídeo que faz parte da camada externa da parede celular de Aspergillus, sendo liberada durante seu crescimento. A técnica baseia-se num ELISA sanduíche e utiliza anticorpos monoclonais (EB-A2) de ratos que foram imunizados ao entrar em conto com cepas de Aspergillus fumigatus. Tais anticorpos reconhecem o epítopo de galactofuranose da galactomanana, ligando-se a eles.(19) Estes anticorpos reagem com diversas espécies de Aspergillus, incluindo A. fumigatus, A. flavus, A. niger, A. versicolor e A. terreus, além de reconhecerem exoantígenos presentes em cepas de gêneros fúngicos variados, como o Penicillium, Trichophyton, Cladosporium, Alternaria, Fusarium, Rhodotorula, entre outros.
Por essa razão, apesar de ser um método relativamente fácil de ser realizado, é necessário muito cuidado durante a coleta, manipulação, transporte e, principalmente, durante o manejo do material biológico na realização do teste em si, a fim de evitar a contaminação do material biológico com outras espécies fúngicas que também possuem galactomanana. O teste também necessita de profissionais capacitados e com performances reprodutíveis, já que o ensaio possui um valor relativamente alto.
A detecção da galactomanana em amostras biológicas serve tanto para o monitoramento de pacientes suscetíveis ao desenvolvimento de aspergilose invasiva quanto para a avaliação da terapia realizada em pacientes já diagnosticados. Os índices de sobrevivência eram maiores em pacientes cujos níveis de antígenos diminuíam durante a terapia. Por outro lado, níveis em constante aumento constituíam casos com mau prognóstico. Tais casos poderiam ser resultantes de um diagnóstico tardio, em que o tratamento foi iniciado muito tardiamente, ou de outro tipo de infecção, requerendo a mudança do tratamento.(20)
Amostra utilizada
A detecção da galactomanana é predominantemente realizada em amostras de soro. Entretanto, apesar dos testes ainda não serem incluídos nos padrões do FDA pela ausência de padronização, a presença deste antígeno também pode ser detectada por meio da análise de tecidos e de outros fluídos biológicos, incluindo o lavado bronco-alveolar, líquor e urina.(13)
Recentemente, a análise do lavado bronco-alveolar (LBA) vem ocupando uma posição de crescente destaque na pesquisa da galactomanana. Diversas pesquisas vêm sendo realizadas, mas o cut-off padrão que deve ser utilizado ainda não foi definido. Certos estudos mostram que, além de ser obtido de forma segura, o LBA apresenta maior sensibilidade (60%-100%) e especificidade (82%-100%) quando comparado ao soro em amostras de pacientes imunodeprimidos.(21) Acredita-se que estes bons resultados estejam diretamente relacionados com o fato dos pulmões e das vias aéreas inferiores serem os locais mais seriamente afetados pelo Aspergillus, já que a principal via de penetração de Aspergillus sp. no homem e nos animais é a via inalatória.(22) Consequentemente, a presença do fungo acaba por liberar quantias maiores de galactomanana nestas regiões, melhorando a sensibilidade diagnóstica da API com esta amostra.(23)
Entretanto, este mesmo estudo relata que a detecção da galactomana no soro foi mais rápida quando comparada com a amostra de LBA. Isso ocorreu em razão da broncoscopia e obtenção do LBA ter sido realizada somente após a visualização de infiltrados pulmonares na tomografia computadorizada. O estudo mostrou que a detecção da galactomanana no soro pode ser feita antes que os infiltrados pulmonares tornem-se visíveis nos exames de imagem. Logo, por se tratar de um método mais invasivo que a retirada de uma amostra de sangue, o LBA, por questões éticas, foi coletado somente após o aparecimento de evidências indicativas de API, mostrando então uma desvantagem em relação a este tipo de amostra.(24) Entretanto, se fossem realizadas concomitantemente, o estudo de HSU et al.(21) mostra que o tempo para a amostra de LBA positivar seria menor quando comparado à amostra de soro. Tal diferença de tempo seria atribuída ao maior tempo que os fungos levariam para romper a barreira capilar-alveolar e alcançar a corrente sanguínea.(25)
As amostras de LBA, porém, apresentam outras desvantagens, como a colonização comensal das vias aéreas do paciente por fungos que incluem o próprio Aspergillus sp. e Penicilium sp., que, conforme dito, também apresenta a galactomanana em sua composição celular. Além disso, a quantidade de galactomanana depende diretamente de diversos fatores que variam muito no LBA, incluindo a quantidade de salina instilada durante a broncoscopia, a área lavada, o tempo gasto na lavagem e a quantidade de fluído retirado para análise. Existem dificuldades na padronização destes fatores já que, por exemplo, a instilação de 40 mL a 60 mL de salina numa criança seria excessiva, ao passo que, num adulto, poderia ser insuficiente.(21)
A detecção da galactomanana também pode ser feita na urina, apresentando uma sensibilidade mais baixa que o soro, e no líquor, quando há chances da aspergilose ter se disseminado para o sistema nervoso central. Alguns estudos demonstram que a detecção de galactomanana no líquor pode ser até mesmo mais sensível que a realização de cultura e PCR.(17,26)
Fatores interferentes
Uma meta-análise realizada em 2006 relatou que o método apresenta índices de sensibilidade e especificidade de 79% e 86%, respectivamente, apresentando uma precisão de 89% nos resultados obtidos.(18) Na maioria dos estudos, a especificidade do ELISA era maior que 85%, entretanto, apesar dos estudos usados para a aprovação do FDA mostrarem uma sensibilidade de 80%, em outros estudos a sensibilidade oscilava consideravelmente entre 29% e 100%.(17,26)
Existem diversas razões que poderiam justificar estas diferenças, podendo estar relacionadas ao fungo, ao hospedeiro ou ao próprio método. Em relação aos fatores relacionados ao fungo, está a quantidade variável de epítopos que cada espécie do fungo possui. Sabe-se que são necessários no mínimo quatro epítopos de galactofuranose para que haja a ligação do anticorpo EB-A2. Por essa razão, amostras que contêm menos que quatro sítios de ligação disponíveis não serão detectadas pelo ELISA.(27) Estudos mostram que grande parte dos epítopos podem se tornar indisponíveis em razão de sua ligação com componentes sanguíneos, incluindo anticorpos(28) e outras proteínas humanas. É por essa razão que o primeiro passo do método consiste numa lavagem da amostra para retirar possíveis substâncias interferentes. A presença de abcessos também dificulta a liberação de antígenos na circulação, muitas vezes tornando-os indetectáveis.(29)
Outro fator de extrema importância seria a quantidade de nutrientes necessários para a liberação da galactomanana pelos fungos. Em áreas necrosadas, em que a quantidade de nutrientes como o carbono e o oxigênio encontra-se diminuída, a liberação de antígenos é perceptivelmente menor.(17)
Quando o soro é a amostra analisada na procura da galactomanana, fatores como a chegada do antígeno à circulação também são relevantes. Assim que inalados, os conídios do Aspergillus se depositam nos alvéolos pulmonares. Dependendo do status imune do hospedeiro, o fungo pode ficar restrito às vias aéreas ou invadir a corrente sanguínea do hospedeiro, se disseminando e caracterizando a forma invasiva da doença. Existem duas teorias que justificam o alcance da corrente sanguínea pelo fungo, sendo elas a difusão livre através dos capilares e a formação de novos vasos sanguíneos (angiogênese), justificável em razão da grande quantidade de antígenos geralmente presentes na circulação. Acredita-se que o grau de angiogênese seja dependente de fatores como a baixa imunidade do hospedeiro, a condição patológica que levou o paciente a desenvolver a aspergilose invasiva (pacientes mais imunocomprometidos, como pacientes que passaram por transplante de medula óssea) e possível uso de medicações imunossupressoras (corticoides e ciclosporina), agentes citotóxicos e radiação.
Diversos fatores metodológicos e relacionados ao hospedeiro também interferem diretamente nos resultados obtidos. Um dos fatores que devem ser levados em conta é o tipo de população em que o teste é realizado. Estudos indicam que a incidência de aspergilose invasiva é maior em pacientes que fizeram transplante de medula óssea e neutropênicos, seguidos então por pacientes que realizaram transplante de órgãos sólidos. A precisão dos resultados torna-se maior nas populações que possuem de fato maior chance (> 5%) de apresentarem AI (maior valor preditivo positivo (VPP)) e deve ser, portanto, restrito a estes grupos.(17,30) Foi relatado no estudo publicado por Maertens et al. em 1999(31) e em 2002(32) uma sensibilidade equivalente ou maior que 90% em pessoas com extrema imunossupressão, mas consideravelmente menor em pacientes com outros tipos de patologias imunossupressoras (como o transplante de pulmões, fígado e doenças granulomatosas crônicas). É interessante destacar que este método é considerado inviável em pacientes imunocompetentes, segundo estudo de Nguyen et al.(33) Neste estudo viu-se que nenhum caso de AI foi diagnosticado pela detecção de galactomanana em amostras de LBA além dos casos já diagnosticados pelos métodos convencionais, como a cultura e a microscopia feitas a partir de biópsias, não nocivas em pacientes imunocompetentes. Além disso, em um dos casos analisados, a positividade do ELISA seguida pela administração de antifúngicos resultou no atraso do tratamento da tuberculose de um paciente, implicando em sua morte.
Outro fator interferente nos resultados seria a classificação dos casos de acordo com a definição recomendada pelo Grupo de Infecções Fúngicas Invasivas da EORTC – European Organisation for Research and Treatment of Cancer e o Grupo de Micoses do NIAID – National Institute of Allergy and Infectious Diseases. Dentre as três classificações definidas (casos provados, prováveis e possíveis), os casos possíveis são geralmente excluídos das análises em razão de apenas 15% a 25% dos casos apresentarem confirmação de API.(30) São esses os casos que incluem pacientes imunocompetentes e que geralmente não se encontram em grupos de alto risco, aos quais a detecção de galactomanana não é compensadora.
Já em relação aos fatores metodológicos que podem interferir nos resultados obtidos, destaca-se a escolha do cut-off ideal. O teste possui um cut-off controle de aproximadamente 1 ng de galactomanana/mL e um controle negativo. A densidade óptica (DO) da amostra que foi medida após as incubações deve ser dividida pela densidade óptica do cut-off controle e o resultado é expresso como “índice de galactomanana”, sendo considerado positivo quando possui resultados iguais ou maiores que 0,5, 1,0 ou 1,5, dependendo do país onde foi realizado.
Pelo fato de causar variações significativas nos resultados, a definição do cut-off ideal vem sendo alvo de discussão desde a disponibilização do ensaio. Na Europa, utiliza-se o cut-off de 1,5 recomendado pelo fabricante. Já nos EUA, utiliza-se um cut-off de 0,5. Um estudo realizado em 2010 por Hsu et al.(21) relata que o cut-off indicado para amostras de LBA é de 1,1 (neste cut-off, a sensibilidade e a especificidade foram de 100% e 98%, respectivamente, sendo que a especificidade foi reduzida em 30% com a diminuição do cut-off para 0,5). Apesar dos títulos dos antígenos serem considerados mais importantes que o cut-off em si, falta de padronização interfere diretamente na interpretação dos resultados.(17) Herbrecht et al.(34) relataram uma especificidade de 99,4% utilizando um cut-off de 1,5, 93,9% com um cut-off de 0,7 e 88,7% com um cut-off de 0,6. Becker et al.(28) relataram que a especificidade de 95% com um cut-off de 1,5 baixou para 93% com um cut-off de 1,0 e para 89% com um cut-off de 0,7. Em 2004, Maertens et al.(35) também relataram alterações semelhantes de acordo com o cut-off utilizado. Entretanto, apesar da especificidade reduzir 15% com a redução do cut-off de 1,0 para 0,5, quando dois resultados positivos eram obtidos em vez de apenas um, a especificidade do método aumentava em 13%, apesar da utilização de um cut-off de 0,5. Tal variação também nos leva a descrever a importância da repetição de um teste positivo a fim de se determinar a real positividade de uma amostra. Em pacientes com aspergilose pulmonar, como os índices de galactomanana aumentam de menos que 0,5 para mais que 1,0 no período de dois a três dias, recomenda-se que a obtenção e a análise de amostras sejam feitas duas vezes por semana a fim de se detectar a patologia precocemente. Acredita-se que o aumento nos índices de galactomanana sejam indicativos da evolução da doença.(17) Entretanto, a dupla positividade pode ser alterada pelo cut-off utilizado já que o cut-off de 1,5, por ser consideravelmente alto, pode levar a atrasos no início do tratamento, bem como a resultados falso-negativos.(19) Por sua vez, o cut-off de 0,5 é considerado por muitos como sendo um índice muito baixo e não confirmatório da doença. Por vezes, resultados positivos com cut-offs baixos podem ser descritos em pacientes colonizados com o fungo. Entretanto, Husain et al.(36) evidenciam que a colonização fúngica em pacientes transplantados pode ser preocupante, já que muitos, em seguida, vieram a desenvolver a AI.
Resultados falso positivos/negativos
Uma série de outros fatores também pode estar relacionada a resultados falso positivos. Dentre eles, um que merece destaque é o uso de antibióticos betalactâmicos, como a amoxicilina em associação ou não com o ácido clavulânico e a piperacilina-tazobactam. Como estes são produtos resultantes da fermentação de Penicillium, fungo que também possui a galactomanana em sua composição, o uso destes antibióticos está relacionado ao aparecimento de resultados falso positivos.(37) A galactomanana não foi detectada em nenhuma outra classe de antibióticos.(38,39)
Estudos mostram que a infusão da solução para reposição de eletrólitos Plasma-Lyte e o uso de ciclofosfamida também resultam no aparecimento de reações falso positivas.(26,40,41)
Resultados falso positivos também ocorrem numa frequência maior em crianças, sobretudo em prematuros. Tais resultados seriam decorrentes da ingestão de alimentos que contêm galactomanana (como o leite) e da colonização do intestino por bactérias do gênero Bifidobacterium sp.(41) Tais bactérias produzem antígenos que reagem com o ELISA. Além disso, crianças, sobretudo neonatos, ainda não apresentam o pleno desenvolvimento de sua parede intestinal, facilitando a absorção de galactomanana por meio da alimentação.(34,41,42)
A absorção elevada da galactomanana por meio da alimentação também ocorre em pacientes que realizaram transplante de medula óssea. Tal aumento ocorre em razão das lesões da mucosa intestinal causadas nas duas primeiras semanas após as sessões de quimioterapia realizadas nestes pacientes.(34)
Outros fatores relacionados com resultados falso positivos são consequência da colonização por Aspergillus (interferindo predominantemente em amostra de LBA) e da reatividade cruzada com outros fungos, predominantemente pertencentes aos gêneros Candida e Penicillium, e bactérias, incluindo enterococos, estafilococos e Escherichia coli, microrganismos considerados comensais.
Interferentes raros como a contaminação de amostras de sangue com swab de algodão(43) e alimentação enteral com proteínas de soja(44) também foram identificados como possíveis causadores de resultados positivos.
Resultados falsamente negativos também são relativamente comuns neste método, principalmente em razão de cut-offs elevados e do uso de profilaxia antifúngica. Quando o paciente faz uso de algum tipo de terapia antifúngica, a detecção de antígenos no sangue é atrasada e a concentração no soro acaba sendo reduzida, resultando numa menor sensibilidade e especificidade.(45) Marr et al.(46) descreveram que os índices de sensibilidade caíram de 87% em pacientes que não fizeram uso de profilaxia para 20% em pacientes que receberam uma terapia antifúngica previamente.
Além disso, outros fatores que podem gerar resultados falso negativos incluem frequência inadequada da realização de testes, pacientes com poucas manifestações características de AI, pequeno volume de amostras e conservação da amostra acima do tempo recomendado.(19)
Entretanto, apesar dos múltiplos fatores que podem levar à obtenção de falsos resultados, as diferenças cinéticas da galactomanana em casos de resultados falso positivos, caracterizada pelo aumento abrupto e acentuado deste antígeno, podem ser corretamente interpretadas por profissionais qualificados. Além disso, o baixo limite de detecção da galactomanana (<1 ng/mL)(47) e a rapidez de sua realização (4 horas) e detecção, precedendo achados radiológicos em pelo menos uma semana, faz do Aspergillus Platelia EIA (ELISA) uma opção válida no diagnóstico da aspergilose invasiva.
(1 3)-β-D-glucano (BDG)
Outra medida que pode ser utilizada no diagnóstico de infecções fúngicas invasivas consiste na detecção sérica ou plasmática de (1→3)-β-D-glucano (BDG), um conjunto de moléculas antigênicas constituintes da parede celular de uma ampla gama de espécies de fungos, incluindo os principais agentes patogênicos causadores de infecções invasivas, Candida e Aspergillus.(48) O BDG também faz parte da parede celular de algumas plantas e algas, mas é ausente em vírus, procariotos e células humanas. Por essa razão, sua presença no sangue e em outros fluidos biológicos estéreis pode ser um marcador interessante da detecção de tais infecções.(49)
Entretanto, em razão de sua presença ser detectada na presença de grande parte das espécies fúngicas, este método acaba falhando no estabelecimento de um diagnóstico específico, como a API, servindo apenas na constatação de que há uma infecção fúngica estabelecida.(13) Todavia, apesar de não se tratar de um ensaio específico, o diagnóstico diferencial de micoses sistêmicas (incluindo as causadas por Candida e Aspergillus) pode ser facilmente realizado com base em achado clínicos e radiológicos.(50) É interessante notar que seus índices foram negativos na presença de infecções não sistêmicas, como a candidíase oral e não se elevaram acima de 20 pg/mL em casos de colonização oral, urinária e bronquial, diminuindo os casos falsos positivos.(51,52)
Para a realização do método utiliza-se um extrato aquoso de amebócitos do caranguejo-ferradura (Limulus polyphemus), comumente utilizado na detecção de endotoxinas bacterianas em numerosos produtos farmacêuticos. Este extrato possui dois fatores de coagulação: o fator C, sensível às endotoxinas e o fator G, sensível ao (1→3)-β-D-glucano. Tal descoberta foi confirmada pelo fato do extrato livre de fator G ser específico na detecção de endotoxinas,(53) ao passo que o extrato livre de fator C torna-se específico na detecção do antígeno fúngico.(54) O princípio do método consiste na capacidade que o BDG tem de iniciar a cascata de coagulação pela ativação do fator G, acionando um substrato cromogênico que posteriormente possibilitará a leitura do resultado com base na intensidade da cor formada.
É interessante notar que o extrato de dois tipos de carrapato ferradura podem ser utilizados. Além do Limulus polyphemus, conhecido popularmente como o carrapato ferradura americano, o extrato obtido do Tachypleus tridentatus, carrapato japonês, também pode ser utilizado. Apesar dos extratos de ambos apresentarem um limite de detecção de 1 pg/mL, estudos mostram que o limiar de positividade do extrato de T. tridentatus apresenta-se 2,5 vezes maior em estudos.(55) Estudos realizados por Obayashi, em 1995,(52) recomendam um cut-off de 20 pg/mL para os ensaios que utilizam o extrato proveniente de T. tridentatus, e Senn et al.,(56) em 2008, por sua vez, sugeriram que um único resultado acima de 11 pg/mL ou dois resultados ≥7 pg/mL seriam suficientes para definir a positividade das amostras obtidas.
Por outro lado, recomenda-se que os ensaios que fazem uso do extrato de L. polyphemus utilizem um cut-off de 60 pg/mL, de acordo com pesquisa realizada por Odabasi et al., (55) em 2004, ou de 80 pg/mL, conforme estudo publicado por Ostrosky-Zeichner et al.,(57) em 2005, reforçando os dados de maior limiar de positividade do extrato. Entretanto, apesar desses dados, o teste aprovado pelo FDA em 2004 utiliza o extrato do carrapato americano.
Os índices de sensibilidade e especificidade referentes à detecção de (1→3)-β-D-glucano apresentam-se controversos em diversos estudos. Da mesma forma que a galactomanana, tais resultados também se relacionam diretamente com o cut-off escolhido. No artigo de Pickering et al.,(54) em 2005, os índices de sensibilidade e especificidade foram de 92,9% e 100% com o cut-off de 80 pg/mL e de 97% e 93% com o cut-off de 60 pg/ mL Utilizando ainda o cut-off de 60 pg/ mL, o estudo realizado por Odabasi et al.,(55) em 2004, mostrou resultados de sensibilidade e especificidade de 100% e 90% com uma amostra analisada e, quando duas amostras eram utilizadas, os índices resultantes foram de 65% e 96%. No estudo realizado por Obayashi,(52) em 1995, cujo cut-off utilizado foi de 20 pg/ mL, os índices foram de 90% (sensibilidade) e 100% (especificidade). Com base em tais resultados, podemos concluir que a sensibilidade e especificidade do método tende a diminuir com o aumento do cut-off utilizado e com a análise de pelo menos duas amostras. Isso acaba por se tornar um empecilho, já que a análise de pelo menos duas amostras por semana é recomendada em razão da concentração de (1→3)-β-D-glucano se elevar de 60 pg/mL para mais de 360 pg/mL e de 90 pg/mL para 120 pg/mL no curso de cinco dias.(49)
Já outros estudos relatam resultados não tão promissores, reportando valores de sensibilidade variantes entre 50% e 63%, resultados consideravelmente menores quando comparados a outros métodos como a PCR e o ELISA.(49,58)
A concentração de (1→3)-β-D-glucano é dependente de múltiplos fatores relacionados ao hospedeiro e ao agente causador da infecção. As propriedades angioinvasivas do fungo e a estrutura e peso molecular do antígeno liberado interferem na sua detecção. Quanto aos fatores interferentes relacionados ao hospedeiro, destaca-se o nível de imunossupressão e invasão do patógeno, os órgãos envolvidos e a taxa de filtração glomerular do paciente, já que moléculas de (1→3)-β-D-glucano de baixo peso molecular são eliminadas por via renal. É interessante notar que moléculas maiores deste antígeno costumam ser retidas no fígado para serem posteriormente destruídas pelas células de Kuppfer. Entretanto, é necessário atentar para a possibilidade do paciente apresentar disfunções hepáticas, levando a resultados repetidamente positivos mesmo após a cura da infecção fúngica.(50,59-62)
Infelizmente, o aparecimento de resultados falso positivos também foi amplamente relatado durante a detecção de (1→3)-β-D-glucano, reduzindo a especificidade do teste. Pacientes que realizaram hemodiálise com a utilização de membranas derivadas de (1→3)-β-D-glucano e pacientes que fizeram uso de imunoglobulina intravenosa,(63,64) albumina ou outros componentes sanguíneos comerciais(65-67) apresentaram resultados falsamente positivos. Sabe-se que, durante a preparação destas soluções, utilizam-se filtros de celulose ricos em BDG.
A utilização de terapia antimicrobiana derivada de fontes fúngicas (incluindo colistina, ertapenem, cefazolina, trimetoprim-sulfametoxazol, cefotaxime, cefepime, ampicilina-sulbactam e amoxicilina e ácido clavulânico),(68,69) a presença de bactérias Gram positivas na corrente sanguínea e a utilização de gaze em procedimentos cirúrgicos também parece ser fonte de (1→3)-β-D-glucano. Inclusive, no estudo realizado por Mohr et al., em 2005,(70) notou-se que pacientes que fizeram uso de gaze apresentaram resultados falso positivos para BDG nos primeiros três dias após a realização da cirurgia. É interessante ressaltar que a utilização dos antibióticos azitromicina e pentamidina inibem a detecção de (1→3)-β-D-glucano, levando ao aparecimento de resultados falso negativos.(63)
O dano nas mucosas gastrointestinais em pacientes que realizaram sessões de quimio ou radioterapia também pode acabar levando à absorção de (1→3)-β-D-glucano por fontes alimentares ou acabar possibilitando a entrada de fungos patogênicos na corrente sanguínea.(54) Amostras excessivamente manipuladas também podem resultar em casos de contaminação.
Entretanto, uma característica interessante referente à cinética do BDG e que permite a diferenciação entre um resultado real e um resultado falso positivo é a súbita elevação e redução nos níveis de (1→3)-β-D-glucano em amostras falsamente positivas, ao passo que, em infecções invasivas reais, geralmente apresentam níveis com uma elevação contínua e não tão rápida.(49) Tal característica também refere-se a resultados falso positivos durante a análise de galactomanana.(71)
Sabendo que o valor de referência para um indivíduo normal é <10 pg/ml e que a análise dos índices de BDG tende a positivar mais rápido que outros antígenos como a galactomanana, a dosagem de (1→3)-β-D-glucano também pode ser utilizada na decisão de iniciar ou não a terapia antifúngica em pacientes que apresentam febre que não responde a antibióticos de amplo espectro. Sua utilização iria reduzir consideravelmente o uso de medicamentos potencialmente tóxicos em pacientes que não necessitam fazer uso deles.(50) Além disso, a detecção de BDG pode ser também utilizada no monitoramento da terapia antifúngica, correlacionando os seus índices com a efetividade do tratamento.(49)
Métodos Moleculares
Um método diagnóstico que vem ocupando uma posição de crescente destaque em laboratórios de pesquisas médicas e biológicas é a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), na qual é possível detectar o DNA do agente causador da doença por meio da replicação in vitro de uma sequência alvo característica do microrganismo pesquisado.
Uma série de estudos vem sendo realizada recentemente com o objetivo de analisar a validade deste método no diagnóstico de infecções fúngicas invasivas, incluindo a aspergilose pulmonar invasiva. De acordo com os resultados, a técnica, além de ser rápida, barata e de fácil execução, apresenta resultados apreciáveis no que diz respeito aos índices de sensibilidade e especificidade, com um limite de detecção de 10 fg de DNA fúngico, correspondente a 1 a 10 células fúngicas por mL de sangue.(72) Entretanto, apesar de centenas de publicações já terem sido feitas a respeito da utilização da PCR como método diagnóstico da aspergilose pulmonar invasiva, esta técnica ainda não é considerada um método de rotina a ser seguido pelo fato de não possuir um procedimento comercial padronizado.(73) Recentemente foi criada uma fundação denominada EAPCRI (European Aspergillus PCR Iniciative) com o objetivo de estabelecer e validar um padrão para a realização da PCR no diagnóstico das doenças causadas por fungos deste gênero.(74)
A falta de padronização da técnica é atribuída principalmente à grande quantidade de alvos moleculares e amostras biológicas que podem ser utilizadas. Além disso, o tipo de plataforma molecular escolhida e as variações quanto aos métodos de extração e purificação das amostras também afetam diretamente a análise dos resultados obtidos. Tais fatores serão discutidos em seguida.(75)
Variações de PCR
Inicialmente, as técnicas comumente utilizadas baseavam-se nas PCRs convencionais e na PCR-ELISA, mas, por motivos que incluíam o custo elevado e a demora na obtenção dos resultados (aproximadamente dois dias), seu uso acabou se tornando obsoleto.(76,77) A PCR-nested é uma forma modificada da Reação em Cadeia da Polimerase e tem como objetivo principal a redução das amplificações de regiões não desejadas, algo que ocorre quando os primers se ligam em locais que não são a sequência alvo. Entretanto, apesar desta vantagem conferir maior especificidade, a técnica apresenta altos níveis de contaminação relacionados com a abertura dos tubos durante a adição do segundo par de primers.(13) White et al.,(74) por sua vez, relatam que este problema pode ser resolvido pelo reprocessamento de todas as amostras positivas obtidas.
Atualmente, a técnica preferencialmente utilizada é a PCR em tempo real, que compreende uma amplificação convencional de DNA acoplado a um mecanismo de detecção e quantificação por fluorescência. Nesta técnica, a detecção dos resultados é feita ao longo dos ciclos. Conforme a amplificação ocorre, ao final de cada ciclo é emitido um sinal fluorescente que é captado por um sistema óptico e convertido em um gráfico de amplificação.(78) Dentre as vantagens da PCR quantitativa em tempo real estão os altos níveis de sensibilidade, já que a técnica consegue detectar mínimas quantidades de material genético, menores taxas de contaminação e a possibilidade de analisar quantitativamente a presença de determinado material fúngico na amostra, sendo útil para monitorar o tratamento e distinguir uma colonização de uma infecção.(79) É necessário destacar que tal distinção não é possível quando a quantidade de DNA fúngico na amostra é pequena, como comumente ocorre em amostras de soro e sangue total.(80)
Além destas, faz-se necessária a identificação do agente patológico em questão, já que determinadas espécies de Aspergillus, incluindo A. terreus, A. flavus, A. lentulus e A. nidulans, podem ser clinicamente resistentes à anfotericina B, não sendo este, portanto, o tratamento adequado a ser ministrado.(15) Enzimas de restrição são amplamente empregadas na identificação de espécies em função de clivarem a molécula de DNA em pontos específicos, em reconhecimento a determinadas sequências de nucleotídeos. Como cada espécie produz fragmentos de DNA de tamanhos diferentes quando colocadas em contato com estas enzimas, a sua diferenciação e identificação pode ser facilmente visualizada na detecção por eletroforese.
Técnicas baseadas em microarrays pan-fúngicos também representam um panorama futuro promissor na detecção e identificação de agentes causadores de infecções invasivas.(13)
Alvo molecular
A seleção de um alvo molecular ideal para a amplificação é outra peça fundamental para a padronização da PCR. O DNA é preferencialmente escolhido em razão de ser mais facilmente extraído e possuir maior estabilidade quando comparado ao RNA.(81)
Os alvos moleculares mais comumente utilizados baseiam-se nos complexos de DNA ribossômico e mitocondrial, pelo fato de apresentarem múltiplas cópias ao longo do genoma: 35 e 12, respectivamente.(73) Como o DNA ribossômico apresenta um número de cópias três vezes maior, justifica-se a melhor sensibilidade obtida em amostras de baixa concentração pela amplificação de alvos ribossômicos na pesquisa realizada por Millon et al., em 2011.(73) O mesmo estudo demonstrou que quantidades de DNA significativamente menores eram detectadas com a utilização de alvos ribossômicos quando ambas as amplificações eram realizadas em amostras positivas.
É importante destacar que, dentre as regiões gênicas do DNAr que podem ser amplificadas, o gene pertencente à subunidade maior do ribossomo (28S) foi considerado mais específico que o gene referente à subunidade menor do ribossomo (18S), já que os primers utilizados na amplificação deste gene acabaram amplificando uma porção do DNA ribossômico humano na ausência de DNA de A. fumigatus.(82)
Por outro lado, Millon et al.,(73) em 2011, também mostraram que amplificações de regiões ribossômicas apresentavam alta especificidade na detecção de Aspergillus fumigatus, enquanto que outras espécies do gênero Aspergillus eram mais facilmente detectadas quando o alvo mitocondrial era utilizado. Tal descoberta é de fundamental relevância clínica uma vez que, apesar de A. fumigatus ser o principal agente causador da API, outras espécies também vêm sendo identificadas como agentes causadores desta patologia.
Logo, por aumentar a sensibilidade do método, recomenda-se a amplificação concomitante de alvos ribossômicos e mitocondriais quando existe a suspeita de aspergilose invasiva.
Outro fator que também deve ser levado em consideração quanto à especificidade da técnica é a escolha dos primers. O sequenciamento do amplicon é essencial para a confirmação da amplificação do alvo correto.(83) Além disso, em razão das novas sequências gênicas que vêm sendo constantemente descobertas e publicadas, é de fundamental importância verificar com frequência se os primers utilizados irão porventura se alinhar com o gene de alguma nova espécie sequenciada.
Amostra utilizada
Diversas amostras biológicas podem ser utilizadas na investigação de infecções fúngicas, mas, para o diagnóstico precoce da IPA, as amostras de sangue e LBA parecem apresentar resultados mais promissores.(84) Pelo fato das vias aéreas serem os locais primeiramente afetados, as amostras de LBA apresentam uma sensibilidade consideravelmente maior quando comparada às amostras sanguíneas. Entretanto, estudos mostram que esta amostra apresenta índices de falsa positividade que variam de 10% a 25%, comprometendo dessa forma a especificidade do método. Este alto índice se deve à incapacidade de distinção entre casos de infecções reais e casos de colonização das vias aéreas ou contaminação por conídios de Aspergillus dispersos pelo ar.
Levando em consideração este fator, a análise de amostras sanguíneas pode ser potencialmente mais específica, já que a colonização do sangue por conídios é improvável e a contaminação da amostra pode ser evitada pela manipulação da amostra sob condições controladas.(85)
Outra questão de debate pertinente a este assunto se refere à fração do sangue que deve ser utilizada para a realização do método. Costa et al.,(86) em 2002, relataram que amostras de soro, plasma e sangue total apresentaram sensibilidade semelhante, enquanto que outro estudo(87) descreveu melhores resultados para amostras de sangue total. A utilização de leucócitos também constitui uma amostra válida para a pesquisa de DNA fúngico embora não seja considerada a mais adequada. Tal desvantagem se deve ao fato de pacientes suscetíveis ao desenvolvimento de IPA geralmente se apresentarem neutropênicos.(88,89) Acredita-se que, dentre todas as frações, o soro constitui a amostras de escolha por razões práticas que incluem tanto a reutilização da amostra para a realização de outros métodos como a pesquisa de antígenos, o fácil armazenamento e conservação e a ausência de anticoagulantes, como o EDTA, presentes no sangue total, que podem acabar inibindo a PCR.(73,90)
Amostras como o líquor e tecidos obtidos por biópsias, incluindo amostras incluídas em parafina, também podem ser utilizadas na pesquisa de DNA fúngico. Entretanto, em razão da trombocitopenia dos pacientes e do consequente risco de sangramento, a obtenção de tais amostras por meio de procedimentos invasivos acaba sendo não recomendada.(91) Embora a sua obtenção não seja por meio de procedimentos tão invasivos, as amostras de LBA também acabam não sendo recomendadas pelas mesmas razões.(92) Em contraste, a obtenção de sangue é relativamente simples e não invasiva, sendo portanto considerada a amostra de escolha.(93)
Resultados falso positivos/negativos
A obtenção de resultados falso positivos é um problema comum em razão da já comentada colonização de sítios biológicos por Aspergillus. A contaminação das amostras biológicas também pode ocorrer em diversas etapas do processamento das mesmas, podendo ser evitada por meio de coleta sob condições assépticas e manuseio da amostra em cabines de fluxo laminar. O risco de contaminação também pode ser reduzido por meio da extração e purificação do DNA em sistemas fechados.(91)
Outro ponto crucial na geração de falsos resultados positivos é a contaminação dos reagentes utilizados com hifas, esporos e DNA fúngico. Esta contaminação pode ser revertida por meio de filtração estéril(91) e irradiação dos reagentes com luz UV por oito horas,(85) com posterior análise dos reagentes purificados e inclusão de controles negativos (água ou sangue de indivíduos saudáveis) durante a realização do método.
É importante destacar que, para se definir a real positividade de um resultado, recomenda-se a análise e obtenção de duas amostras biológicas com resultados positivos.(94)
Além disso, em razão do crescente número de espécies causadoras de infecções fúngicas invasivas, não se recomenda a escolha de primers que amplifiquem sequências espécies-específicas em razão de aumentar a chance de resultados falsamente negativos.(95) Por outro lado, a escolha de primers que amplificam uma gama ampla de patógenos fúngicos pode acabar levando à obtenção de falsos resultados positivos, já que alguns se apresentam homólogos a alguns genes humanos.(96)
A redução na sensibilidade da PCR e consequente geração de resultados falso-negativos também foi relatada em pacientes que fazem uso de terapia antifúngica. Tais resultados também podem resultar do uso de um variado espectro de fluidos e medicamentos pelo paciente, já que muitos deles podem acabar inibindo as reações de amplificação. Nestes casos, é essencial a adição de um controle positivo durante a realização da PCR a fim de manter a eficiência da técnica e detectar a presença de inibidores e um controle negativo para detectar possíveis contaminações.(13,75)
Extração e purificação
É de fundamental importância que a técnica utilizada na extração do material genômico do fungo seja eficiente, livre de contaminação exógena e aplicável à rotina do laboratório.(13) Pesquisas realizadas pela EAPCRI relatam que a extração é o maior obstáculo dentre todos os passos da técnica e que, durante a extração, a etapa mais crítica seria o rompimento da parede celular do fungo. Este rompimento pode ser realizado tanto por métodos físicos (utilizando microesferas de vidro) quanto por métodos enzimáticos ou pela combinação de ambos. As mesmas pesquisas relatam que a utilização de esferas de vidro mostrou resultados mais satisfatórios quanto à quantidade de material genético extraído.(74) Além disso, dá-se preferência às técnicas de extração por meio automatizado ou por kits comerciais, já que, além de serem padronizados, apresentam menor risco de contaminação.
A extração de DNA revelou-se menos complexa quando realizada em amostras de plasma ou soro, uma vez que o material genético encontra-se livre em solução. A quantidade de amostra que deve ser utilizada na análise ainda é alvo de estudos, variando de 100 µL a 10 mL.(94,97) Entretanto, maiores volumes (> 3 mL) apresentam maior sensibilidade, uma vez que, em amostras como o sangue periférico, por exemplo, a carga de fungos é muito baixa e pode variar de < 10 UFC/mL a até algumas centenas de UFC/mL, quantidade raramente observada.(98)
A purificação do DNA extraído geralmente é feita manualmente com a utilização de fenol-clorofórmio ou por meio de kits comerciais.
Aspectos gerais
Os índices de sensibilidade e especificidade da PCR não apresentam valores definidos e variam consideravelmente de acordo com os fatores mencionados acima, sobretudo quando relacionados às amostras analisadas e à técnica utilizada. No estudo apresentado por Kawazu et al.,(99) em 2004, a especificidade da PCR foi de 55%, ao passo que Buchheidt et al.(84) relataram índices de especificidade superiores a 90%. Nota-se, entretanto, que os índices de sensibilidade do método apresentam grande estabilidade, geralmente girando em torno de 100%.
Em razão de possuir alta sensibilidade, além de seu uso no diagnóstico da API, a PCR também pode ser utilizada no monitoramento de pacientes que apresentam chances de desenvolver a doença com o objetivo de evitar o uso desnecessário de antifúngicos em caso de resultados negativos ou iniciar rapidamente a terapia em caso positivo. Entretanto, é necessária cautela e experiência na interpretação dos resultados; um resultado negativo não pode excluir o diagnóstico de API assim como um resultado positivo não representa um diagnóstico definitivo.
Além disso, a quantificação da carga fúngica por meio da PCR em tempo real pode também ser útil no monitoramento do tratamento antifúngico. Resultados decrescentes ou negativos indicam uma boa resposta terapêutica, ao passo que índices repetidamente estáveis ou crescentes se correlacionam com um mau prognóstico, indicando a necessidade da troca da medicação.(100)
Em suma, a PCR representa um método viável, não invasivo e rápido, apresentando resultados em cerca de 24 horas (23) ou menos em casos de urgência. Entretanto, apesar das numerosas vantagens, a falta de padronização do método impede sua utilização rotineira no diagnóstico da API.
DISCUSSÃO
Sabe-se que, apesar da detecção precoce da aspergilose invasiva e do pronto início do tratamento serem fatores fundamentais ao bom prognóstico da doença, a AI continua sendo uma frequente causa de morte em pacientes imunocomprometidos em razão do difícil diagnóstico laboratorial e das técnicas convencionalmente utilizadas apresentarem baixa sensibilidade analítica e demora na apresentação dos resultados. Com base nisso, o desenvolvimento de técnicas rápidas e não invasivas, como a detecção de biomarcadores celulares e DNA fúngico, vêm ganhando cada vez mais espaço dentre os métodos diagnósticos utilizados em razão de detectarem evidências sugestivas de AI antes do aparecimento de sinais e sintomas clínicos.
É interessante destacar que o uso concomitante dos métodos apresenta melhor validade diagnóstica em relação à sua performance individual. O estudo de Cuenca-Estrella et al.,(80) em 2009, por exemplo, relata que a combinação de resultados positivos de PCR e GM culminou no diagnóstico preciso de 95,2% dos casos. A galactomanana possui melhores índices de sensibilidade(86) e uma técnica menos complexa, e sua baixa especificidade pode ser compensada pela realização da PCR,(85) que amplifica fragmentos específicos do material genômico do patógeno em questão. Além disso, a especificidade dos dois métodos eleva-se em razão de dois diferentes alvos do mesmo microrganismo estarem sendo investigados.(101)
O uso de tais métodos em parceria com a detecção de (1→3)-β-D-glucano (BG) também apresenta resultados satisfatórios, já que o BD tende a positivar mais rapidamente que a galactomanana, embora apresente índices de sensibilidade duvidosos. Além de aumentar a probabilidade de confirmação da existência da AI, já que não só um, mas três testes estão sendo testados, outra vantagem relacionada à realização concomitante de ambos os métodos é que, apesar de diversos fatores contribuírem para o aparecimento de resultados falsamente positivos, tais resultados podem ser facilmente detectados quando um dos testes apresenta resultados discrepantes. Além disso, em casos falso positivos, tanto a galactomanana quanto o (1→3)-β-D-glucano apresentam características cinéticas peculiares durante a elevação de seus índices (resultados falso positivos tendem a mostrar elevações súbitas e drásticas, ao contrário de reais infecções).
Outra peculiaridade relacionada ao BD é a negatividade de seus índices em infecções não sistêmicas e baixos resultados em casos de colonização, contribuindo para a diminuição de casos falso positivos. Além disso, apesar de não ser considerado um método específico em razão de detectar a presença de variantes espécies de fungos patogênicos, tal característica pode ser relevante na descoberta de outros tipos de infecções fúngicas. É interessante notar que o diagnóstico diferencial de micoses sistêmicas (incluindo as causadas por Candida e Aspergillus) pode ser facilmente realizado com base em achado clínicos e radiológicos.
A combinação de ambos os biomarcadores apresenta vantagens consideráveis, mas acredita-se que a exclusão definitiva de resultados falsamente positivos só seja possível com a realização de métodos mais específicos, como a PCR; sua realização é inclusive recomendada após a positivação da GM e BD. Entretanto, apesar de fornecer resultados indubitavelmente mais completos, possibilitando a quantificação da carga fúngica e a identificação do patógeno, os métodos moleculares apresentam uma série de fatores limitantes, incluindo o custo elevado quando comparado a outros métodos e a complexidade em sua realização. Além disso, a PCR não permite diferenciar uma real infecção de possíveis contaminações ou colonizações fúngicas quando a quantidade de DNA fúngico na amostra é pequena.
A falta de padronização das técnicas moleculares também acaba limitando sua utilização no diagnóstico da AI, já que a diversidade de formatos de PCR, amostras biolóá que a diversidade de formatos de PCR, amostras biológicas, alvos moleculares e procedimentos de extração e purificação acabe dificultando a correta comparação deste método e adie a escolha do melhor protocolo a ser seguido. Entretanto, com a criação da European Aspergillus PCR Iniciative (EAPCRI), em 2006, a padronização da PCR para detecção do Aspergillus encontra-se em estágio iminente.
Apesar destes três métodos serem importantes ferramentas diagnósticas e possibilitarem a decisão acerca da possibilidade de tratamento e o monitoramento terapêutico durante o curso da AI, a importância da integração de dados clínicos, radiológicos e microbiológicos não pode ser desconsiderada, já que desempenham papel fundamental na detecção e avaliação do caráter evolutivo da doença. Recomenda-se que a obtenção de resultados positivos por meio das técnicas discutidas seja seguida pela realização de métodos diagnósticos adicionais, como métodos radiológicos avançados. Outra estratégia diagnóstica que pode ser empregada baseia-se na utilização da PCR e galactomanana (acompanhada ou não de BG) com finalidade confirmatória, sendo realizadas somente após o aparecimento de evidências clínicas e radiológicas que sejam sugestivas de AI.(13)
A análise da relação custo-benefício também deve ser levada em conta antes de incorporar estes métodos na rotina de um laboratório. Em razão do custo elevado e da complexidade das técnicas, tais testes geralmente acabam sendo realizados somente em laboratórios de referência ou hospitais especializados em transplantes ou casos de malignidades hematológicas.
CONCLUSÃO
Apesar de suas limitações, o uso de técnicas moleculares e a detecção de antígenos fúngicos contribuem amplamente na detecção da aspergilose invasiva. Para possibilitar uma melhor avaliação do caso, recomenda-se que seu uso seja combinado com a avaliação clínica, radiológica e microbiológica do paciente e não utilizado de forma a substituí-los. Entretanto, é necessário destacar que, apesar de seu valor diagnóstico, sobretudo quando utilizados em conjunto, um resultado negativo não pode excluir o diagnóstico e um resultado positivo não representa um diagnóstico absoluto de AI. Por esse motivo, a realização de estudos futuros é de fundamental importância para a padronização de tais métodos, possibilitando o diagnóstico rápido e eficaz desta doença.
Abstract
The fungi of the genus Aspergillus are a major cause of opportunistic infections in immunosuppressed patients. Among the pulmonary manifestations that may be caused by Aspergillus, the most serious is undoubtedly the invasive pulmonary aspergillosis (API), an infection that has shown a significant increase in their frequency in recent years. Taking into account the patient’s immunosuppression and difficulty of clinical diagnosis, the API provides a very guarded prognosis and may even lead to death. In order to increase the chances of patient recovery, a constant search for tests that may indicate early presence of Aspergillus sp. in the patient has been performed. One of the latest advances in the diagnosis of IPA is related to the detection of the causative agent by performing molecular methods (PCR) and with the detection of Aspergillus antigens in body fluids with special emphasis on galactomannan and (13)-b-D-glucan. Though they look promising, these methods are not routinely used and there are few conclusive studies regarding its use. The purpose of this work is to evaluate impartially the advantages and disadvantages of their use, as well as their individual and combined performance.
Keywords
Invasive pulmonary aspergillosis; Diagnosis; Molecular diagnostic techniques; Antigens, Fungal
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