Comparação de resultados de exames sorológicos para sífilis realizados em um hospital público da região oeste do Paraná

Comparison of results from syphilis serological tests performed in a public hospital from the western region of Paraná

 

Lucas Bonatto de Souza Lima1
Alex Sandro Jorge2
Ana Paula Pivotto3
Taimara Brustolin3

1Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Cascavel-PR, Brasil.
2Mestre. Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Cascavel-PR, Brasil.
3Especislista/Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Cascavel-PR, Brasil.

Instituição: Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Cascavel-PR, Brasil.
Conflito de Interesse: os autores declaram não haver conflitos de interesse.
Suporte financeiro: esta pesquisa possui financiamento próprio.

Recebido em 05/11/2020
Aprovado em 14/01/2021
DOI: 10.21877/2448-3877.202100958

 

INTRODUÇÃO

 

A sífilis é causada pela bactéria espiroqueta Treponema pallidum, um patógeno reconhecido por sua considerável transmissibilidade, bem como sua alta capacidade de evasão do sistema imunológico. Suas manifestações clínicas iniciais resultam de um processo inflamatório local, devido à replicação dos patógenos no tecido. Em geral, caso não ocorra diagnóstico e/ou tratamento adequado, a infecção segue seu curso sendo dividida em sífilis primária, secundária, latente e terciária dentro do período de aproximadamente dez anos.(1)

Tem como principal via de transmissão o contato sexual, seguido pela transmissão vertical para o feto durante o período de gestação de uma mãe com sífilis não tratada ou tratada inadequadamente. Também pode ser transmitida por transfusão sanguínea e materiais contaminados.(2) Em todo o mundo a incidência da sífilis é de aproximadamente 10,6 milhões anualmente,(3) e estima-se que mais de 100 mil casos de natimortos decorrem da sífilis congênita nas Américas, principalmente devido à falta de tratamento durante a gestação.(4) No Brasil, a sífilis congênita se tornou de notificação compulsória no ano de 1986, entretanto, pela baixa adesão aos protocolos de diagnóstico e seguimento terapêutico, bem como a falhas no mecanismo de notificação, sabe-se que a frequência é muito maior do que a demonstrada pelas pesquisas.(5)

O T. pallidum não pode ser cultivado em meios de cultura e os ensaios diagnósticos moleculares diretos são limitados, consequentemente o diagnóstico e monitoramento da resposta ao tratamento dependem largamente dos testes sorológicos, sendo estes últimos divididos em testes não treponêmicos e treponêmicos.(3)

Os não treponêmicos baseiam-se na detecção de anticorpos contra cardiolipina (lipídio liberado por células danificadas em decorrência da sífilis e possivelmente contra a cardiolipina liberada pelos treponemas),(1) mais conhecido como VDRL (Veneral Disease Research Laboratory), composto por uma suspensão antigênica contendo cardiolipina, colesterol e lecidina purificada, que permite a utilização do soro como amostra. Já os testes treponêmicos utilizam lisados completos de T. pallidum ou antígenos treponêmicos recombinantes e detectam anticorpos específicos (em geral IgM e IgG) contra componentes celulares dos treponemas. No Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP), a metodologia utilizada é a do Fluorescent Treponemal Antibody Absortion Test (FTA-Abs) IgG, que emprega a imunofluorescência indireta, com lâminas nas quais são fixados antígenos do T. pallidum, extraídos do tecido testicular de coelhos infectados, lida por imunofluorescência. Existem outras metodologias de testes treponêmicos, entre eles os imunoenzimáticos (ELISA), de eletroquimioluminescência, de hemaglutinação e aglutinação (TPHA), entre outros,(6) porém estes não são empregados no HUOP.

As penicilinas continuam sendo as drogas de escolha para tratamento de todos os estágios de sífilis em todas as populações (salvo os tratamentos alternativos como tetraciclinas e cefalosporinas para gestantes).(3)

O objetivo desta pesquisa foi estimar a prevalência da positividade para testes treponêmicos e não treponêmicos nos pacientes atendidos pelo HUOP, evidenciando parte das características socioepidemiológicas destes indivíduos.

 

Material e métodos

 

O presente estudo utilizou como fonte de dados as informações geradas pelo prontuário eletrônico Tasy®, que é utilizado por esta instituição, referentes aos resultados de exames para diagnóstico de sífilis, de todos os pacientes com prescrição de VDRL e/ou FTA-Abs e que foram atendidos pelo HUOP durante o período de janeiro de 2015 a dezembro de 2019. Consiste em um estudo transversal retrospectivo de comparação de resultados de testes laboratoriais. O teste não treponêmico utilizado pelo laboratório do HUOP é o VDRL/RPR-Brás Laborclin® (Laborclin, Pinhais Paraná, Brasil), o teste treponêmico utilizado é o FTA-Abs IgG (Fluorescent treponema assay) Wama Diagnóstica® (Wama Diagnóstica, São Paulo, Brasil), lido através do microscópio de imunofluorescência Olympus® BX-51 (Olympus Lifescience, Shinjuku, Tóquio, Japão). Para a compilação dos dados obtidos, bem como a criação de tabelas e gráficos foi utilizado o software Microsoft Office Excel®.

 

Ética

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, pelo Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, conforme o CAAE 25349519.5.0000.0107.

 

Resultados

 

Entre os anos de 2015 e 2019 foram liberados laudos laboratoriais de 26.968 testes de VDRL, realizados pelo Laboratório do Hospital Universitário do Oeste do Paraná. O número de resultados reagentes foi de 1.014. A média de exames liberados de VDRL por ano no HUOP foi de 5.394 e a porcentagem de positividade foi de 3,76%.

A porcentagem de resultados reagentes para VDRL e a distribuição dos pacientes de acordo com as características epidemiológicas mais o município de origem podem ser observadas na figura 1, Tabela 1 e figura 2, respectivamente.

Também foi feito o levantamento da prevalência de resultados de VDRL reagentes por setores do HUOP, conforme apresentado na Tabela 2.

Em relação aos testes treponêmicos, durante o mesmo período de estudo, foram liberados 383 laudos laboratoriais de FTA-Abs, com um total de 116 resultados positivos e nenhum indeterminado. A média de laudos liberados de FTA-Abs por ano foi de 77 exames e a porcentagem de positividade foi de 30,29%.

Dos 1.014 resultados reagentes para VDRL durante o período de estudo, apenas 202 foram submetidos à realização do FTA-Abs, sendo que 181 destes foram reagentes, enquanto que 21 foram não reagentes. A titularidade referente aos testes de VDRL reagentes podem ser observadas na figura 3, sendo prevalente o título de 1:2.

f1

Figura 1. Porcentagem de reatividade dos testes de VDRL realizados no HUOP entre 2015 e 2019.

f2

f3

Figura 2. Prevalência de pacientes VDRL reagentes por município de origem.

f4

f5

Figura 3. Distribuição dos títulos de exames VDRL positivos.

 

 

Discussão

 

De acordo com o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde de 2019, pode-se observar que a sífilis adquirida (agravo de notificação compulsória desde 2010), teve sua taxa de detecção aumentada de 59,1 casos por 100 mil habitantes em 2017, para 75,8 casos por 100 mil habitantes em 2018. Também em 2018, a taxa de detecção de sífilis em gestantes foi de 21,4/1000 nascidos vivos, a taxa de incidência de sífilis congênita foi de 8,2/100.000 nascidos vivos.(7) Conforme apresentado na figura 1, o presente estudo também observou um aumento progressivo de resultados reagentes do teste não treponêmicos VDRL de 2017 a 2019, refletindo a situação da sífilis em todo o Brasil. Parte do aumento progressivo na detecção de sífilis em gestantes pode estar relacionada com a atualização de critérios de definições de casos para fins de vigilância epidemiológica, com objetivo de reduzir os casos de subnotificação de sífilis na gestação, explicitada na Nota informativa Nº2-SEI/2017 do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis do HIV/Aids e Hepatites Virais – Ministério da Saúde.(8)

Conforme apresentado na Tabela 1 houve uma maior prevalência de resultados reagentes para VDRL em pacientes do sexo feminino (aproximadamente 92%). Este resultado já era esperado visto que o exame faz parte do protocolo de exames admissionais de todas as pacientes atendidas pelos setores Centro Obstétrico e Maternidade do HUOP (juntamente com teste rápido de HIV, pesquisa do antígeno de superfície do vírus da hepatite B e a pesquisa de anticorpos IgM e IgG contra toxoplasmose). Juntos estes setores representam mais de 80% da demanda de exames de VDRL do HUOP, conforme os dados apresentados na Tabela 2. Um estudo realizado em Fortaleza por Silva et al.(9) em um hospital de alta complexidade, também apresentou uma prevalência de laudos reagentes para VDRL para o sexo feminino (cerca de 96%).

O HUOP é uma referência no oeste do estado do Paraná e presta serviço para todos os municípios abrangidos pela 10ª Regional de Saúde do Estado. A figura 2 apresenta a distribuição dos pacientes VDRL positivos de acordo com o município de origem. Como esperado, o município de Cascavel, com uma população estimada de mais de 300 mil habitantes(10) e maior município da 10ª RS, abrange 75% dos pacientes com laudo de VDRL reagente.

O critério diagnóstico para sífilis não é baseado exclusivamente em um teste não treponêmico e deve ser correlacionado com a clínica do paciente bem como a realização de um teste treponêmico para complementar o diagnóstico.(11) Por isso é importante a combinação destas duas categorias de testes. Dos 1.014 laudos reagentes para VDRL apenas 202 foram submetidos à realização do FTA-Abs, mas isto não significa, necessariamente, uma negligência diagnóstica por parte dos clínicos do HUOP, visto que títulos baixos de VDRL podem ocorrer em diversas condições clínicas, como lúpus eritematoso sistêmico, hepatites crônicas, hanseníase, malária, e em casos específicos, gravidez, transfusões, indivíduos idosos, entre outros.(11) A figura 3 mostra que a maior parte desses resultados reagentes são de títulos baixos, onde uma interpretação clínica correta elimina a necessidade de testes desnecessários e sobrediagnóstico, proporcionando uma economia de recursos para a instituição.

 

Conclusão

 

A sífilis acompanha a humanidade há séculos e, mesmo com protocolos de diagnóstico e tratamento bem estabelecidos, persiste numa posição de grande destaque na Saúde Pública. Os dados apresentados neste trabalho demonstram a importância do serviço prestado pelo HUOP, para grande parte do oeste paranaense em relação ao combate à sífilis. É de responsabilidade de todos os profissionais de saúde buscar conhecimento a respeito do tema, para conscientizar a população sobre a importância de sua prevenção, bem como das consequências gravíssimas desta doença quando não diagnosticada e tratada adequadamente.

 

Agradecimentos

Primeiramente à Universidade Estadual do Oeste do Paraná pelo incentivo à realização de pesquisa em toda a sua extensão, ao Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário do Oeste do Paraná por ceder espaço para execução da pesquisa, bem como sua vasta fonte de dados. À Elisa Dalla Lana por seu suporte e orientações quanto às demandas para a aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética da instituição.

 

Abstract

Objective: The objective of this research was to estimate the positivity prevalence of syphilis serological tests, in the patients attended in the State Universitary Hospital from Western of Paraná (HUOP), and to describe part of their socioepidemiological characteristics. Methods: Transversal study, which made use of the informations contained in the electronic medical reports software Tasy®, regarding the results of exams of VDRL and FTA-Abs, performed in the HUOP between january of 2015 and december of 2019. Results: During the studied period, reports on 26,968 VDRL tests were performed in the HUOP laboratory and the number of reagent results is 1,104. Towards the FTA-Abs test, 383 tests were performed and 116 of these were positive. The study showed an increasing number of reagent results for VDRL between 2017 and 2019. Conclusion: In this study, a progressive increase in the diagnosis of syphilis was observed, this reflects the situation of the disease all around the brazillian country, in which, even with well defined diagnostic and treating protocols, the infection persists in a prominent position for the public health. The presented data shows the importance of the HUOP’s service to the population, in regards to the syphilis diagnose.

 

Keywords

Sorology; syphilis; Treponema pallidum

 

REFERÊNCIAS

  1. Peeling RW, Mabey D, Kamb ML, Chen X, David J, Benzaken AS, et al. HHS Public Access: Syphilis. Nat Rev Dis Prim. 2018 Oct;3(17073):49. doi:10.1038/nrdp.2017.73.
  2. Marks M, Mabey DCW. The introduction of syphilis point of care tests in resource limited settings. Expert Rev Mol Diagn. 2017 Apr;17(4):321-5.
  3. Tuddenham S, Ghanem KG. BMC Infectious Diseases: Emerging trends and persistent challenges in the management of adult syphilis. BioMed Central Ltd. 2015;15(351) doi: 10.1186/s12879-015-1028-3.
  4. Arnesen L, Serruya S, Durán P. Gestational syphilis and stillbirth in the Americas: a systematic review and meta-analysis. Rev Panam Salud Publica. 2015 Jun;37(6)422-9.
  5. Barsanti C, Valdetaro F, Maria De Albuquerque Diniz E, Célia R, Succi M, De Saúde C, et al. Diagnóstico de sífilis congênita: comparação entre testes sorológicos na mãe e no recém-nascido Diagnostic of congenital syphilis: a comparison between serological tests in mother and respective newborn. Rev Soc Bras Med Trop. 1999 Dez;32(6)605-11.
  6. Cimerman S, Carvalho C, Medeiros E. Membros da Sociedade Brasileira de Infectologia. Boletim da Sociedade Brasileira de Infectologia [Boletim na Internet]. São Paulo 2017 Out [acesso em 20 fev 2020]; p. 6-10. Disponível em: https://www.infectologia.org.br/admin/zcloud/principal/2017/11/boletim_outubro_2017.pdf.
  7. Secretaria de Vigilância em Saúde (Ministério da Saúde – Brasil). Boletim Epidemiológico Sífilis 2019 [Boletim na Internet]. Brasília 2019 Out [acesso em 20 fev 2020]; p.1-44. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2019/boletim-epidemiologico-sifilis-2019.
  8. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis do HIV/AIDS e Hepatites Virais (Ministério da Saúde – Brasil). Nota Informativa Nº2-SEI/2017: altera os critérios de definição de casos para notificação de Sífilis Adquirida, Sífilis em Gestantes e Sífilis Congênita [Internet]. Brasília 2017 Set [acesso em 21 fev 2020]; p. 1-6. Disponível em: http://portalsinan.saude.gov.br/images/documentos/Agravos/Sifilis-Ges/Nota_Informativa_Sifilis.pdf
  9. Silva ZF, Teixeira KSS, Nascimento DS do. Patients With Syphilis Assisted in Tertiary Care Unit in Fortaleza: Sociodemographic Profile. Rev Bras Anal Clin. 2017;49(1):105-9.
  10. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estimativa da População Residente no Brasil e Unidades da Federação com data de referência em 1o de julho de 2019 [Internet]. Diário Oficial da União. 2019 [acesso em 20 fev 2020]. p. 119. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html?=&t=downloads.
  11. Sumikawa E, Motta L, Inocêncio L, Ferreira L, Bazzo M, Franchini M, et al. Estratégias para Diagnóstico no Brasil [Internet]. Neiva Sellan Lopes Gonçales, editor. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [acesso em 20 fev 2020]. p. 100 Disponível em: www.aids.gov.br/telelab.

 

 

Correspondência

Lucas Bonatto de Souza Lima

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Rua Universitária, número 1619 – Bairro Universitário

85819-170 – Cascavel-PR, Brasil