Células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASC-US): seguimento de exames analisados no Instituto Adolfo Lutz
Atypical squamous cells of indeterminate significance (ASC-US): follow-up of assay in Instituto Adolfo Lutz
Denise Andrade Rosendo1
Sandra Lorente2
Clebia Maria dos Santos1
Gustavo Martins Ferreira1
Lethicia Moura Canello1
Daniela Etlinger-Colonelli3
1Biomédica(o), aprimorando em citologia oncótica do Instituto Adolfo Lutz – São Paulo-SP, Brasil.
2Farmacêutica, mestre em farmácia, pesquisador científico do Instituto Adolfo Lutz – São Paulo-SP, Brasil.
3Biomédica, mestre em ciências, pesquisador científico do Instituto Adolfo Lutz – São Paulo-SP, Brasil.
Instituição: Instituto Adolfo Lutz – São Paulo-SP, Brasil.
Recebido em 02/03/2018
Artigo aprovado em 06/11/2018
DOI: 10.21877/2448-3877.201800680
INTRODUÇÃO
Há evidências de que o papilomavírus humano (HPV) oncogênico é o principal fator etiológico das lesões precursoras do câncer do colo do útero e a persistência destas lesões está associada a fatores de risco como início precoce da vida sexual, múltiplos parceiros sexuais, contraceptivos orais, baixa condição socioeconômica, carga viral, subtipo do vírus e imunossupressão.(1,2) Nas adolescentes há maior risco de infecção pelo HPV devido às características do epitélio cervical e prática sexual.(3) Especialmente neste grupo, as infecções são transientes, com índices de 90% de regressão em três anos.(4)
O exame de Papanicolaou é a ferramenta de triagem de lesões precursoras do câncer de colo do útero em diversos países. No Brasil, é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) às mulheres, preferencialmente na faixa entre 25 a 64 anos.(5) As alterações morfológicas observadas no epitélio escamoso são classificadas como células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASC-US), lesão intraepitelial de baixo grau (LSIL), células escamosas atípicas, não podendo afastar lesão de alto grau (ASC-H), lesão intraepitelial de alto grau (HSIL) ou carcinoma escamoso.(6)
A categoria ASC-US abrange alterações morfológicas insuficientes para definir uma lesão intraepitelial, e amostras com aumento difuso dos núcleos, presença de alterações reparativas, degenerativas, dessecamento e padrão atrófico podem ser de difícil interpretação entre negativo para lesão intraepitelial e malignidade (NILM) e ASC-US.(6) O seguimento de mulheres com ASC-US mostra que elas apresentam risco aumentado para lesões quando comparadas às mulheres com NILM, porém, em casos de ASC-US com seguimento histológico, os resultados variam de benigno a câncer.(7) Estudos associam o tamanho da lesão e limitações da amostra como as principais causas de citologias de ASC-US com lesões graves subjacentes detectadas na histologia.(8,9)
No Brasil, as condutas para ASC-US começaram a ser discutidas a partir de 2002 em encontros entre especialistas da área promovidos pelo Ministério da Saúde e Instituto Nacional do Câncer (Inca).(10) Desde então, estas condutas vêm sofrendo atualizações. A princípio, era recomendada a repetição do exame para todas as mulheres com ASC-US, independentemente da idade. Entretanto, a baixa incidência de câncer, a alta taxa de regressão de lesões intraepiteliais e a baixa taxa de progressão para câncer em mulheres jovens, associada à preocupação com tratamentos invasivos que podem aumentar o risco de partos prematuros,(11) motivou o aumento do intervalo de rastreio em mulheres com menos de 30 anos.
Há mais de 25 anos, o Instituto Adolfo Lutz (IAL) realiza o exame de mulheres atendidas nas Unidades de Saúde do SUS, provenientes do Vale do Ribeira. Esta região apresenta IDH abaixo da média estadual (0,699), acrescentando à população um importante fator de risco para o desenvolvimento de lesões do colo uterino.(12,13)
O presente trabalho propôs realizar levantamento de exames citopatológicos e histopatológicos posteriores de mulheres com resultado de ASC-US em 2015, a fim de avaliar o seguimento citopatológico e a adesão às condutas preconizadas pelo MS para o rastreamento do câncer de colo do útero.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de um estudo retrospectivo a partir de resultados de exames citopatológicos e histopatológicos, realizados no Núcleo de Anatomia Patológica do Instituto Adolfo Lutz (NAP-IAL). Foram identificadas mulheres com resultado de ASC-US em 2015 e a partir deste grupo foi realizada busca de exames posteriores nos sistemas de registros SIGH® (Sistema de Informação e Gestão Hospitalar), Siscan (Sistema de Informação do Câncer) e Siscolo (Sistema de Informação do Câncer de Colo do Útero), até julho de 2017.
Foram obtidos dados como idade, intervalo entre as repetições, exame e resultado posterior. As mulheres foram estratificadas por faixa etária (< 25 anos, 25-64 e ³ 65 anos) e o intervalo de tempo entre o resultado de ASC-US e a repetição foi expresso em meses. Os dados foram tabulados e analisados no Microsoft Excel® e o cálculo do c2 realizado no programa R estatística (https://www.r-project.org/). Foi calculado se houve relação entre idade x tempo de repetição x diagnóstico posterior.
O trabalho foi aprovado pelo Conselho Técnico Científico do Instituto Adolfo Lutz (CTC-IAL). O estudo cumpre as diretrizes normativas do Conselho Nacional de Saúde e Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e todos os procedimentos seguidos nos experimentos estão em consonância com os princípios éticos aceitos pelas normativas nacionais e internacionais (nº CTC-IAL 15G/2014 e nº parecer ética 750.018).
RESULTADOS
Foi estudado o seguimento de 675 mulheres com ASC-US em 2015, sendo que 139 (20,6%) tinham menos de 25 anos, 514 (76,1%) tinham entre 25-64 anos e 22 (3,3%) tinham mais de 65 anos. A média de idade das mulheres foi de 37 anos (14-80). A Tabela 1 mostra a distribuição por faixa etária do seguimento deste grupo de mulheres.
Das mulheres que repetiram o exame, 21,5% (104/484) permaneceram com exame citopatológico alterado, sendo que, destas, 28,8% (30/104) realizaram biópsia no NAP-IAL. Os resultados dos exames histopatológicos estão apresentados na Tabela 2.
A Tabela 3 mostra a distribuição do intervalo de tempo entre o exame citopatológico inicial e o exame posterior por faixa etária. A maioria das mulheres repetiu o exame entre 5 a 7 meses após o resultado inicial (38,0%). Considerando as diretrizes brasileiras, 17,5% das mulheres abaixo dos 25 anos, 39,9% entre 25 e 64 anos e 36,4% acima dos 65 anos repetiram o exame no período recomendado.
Na análise de relação entre diagnóstico posterior e intervalo de tempo observamos que as mulheres com diagnóstico negativo para malignidade repetiram o exame com mediana de 8 meses; já as com diagnóstico de LSIL, HSIL, ASC-H ou AGC repetiram a citologia com mediana de 6 meses (p=0,0080). A idade não mostrou relação estatisticamente significativa com nenhuma das variáveis.
As ASC não representam uma única entidade biológica, pois podem estar relacionadas às alterações causadas pela infecção pelo HPV, a possível presença de lesão intraepitelial e, mais raramente, a carcinoma.(8,9) A categoria ASC foi desenvolvida para designar a interpretação de uma amostra inteira e não de células individuais, portanto, é variável e subjetiva.(6)
Neste estudo, 77,7% dos exames citopatológicos posteriores aos casos de ASC-US foram classificados como NILM. Galão et al.,(14) em estudo semelhante com mulheres do Rio Grande do Sul encontraram 77,5% de NILM na repetição de ASC-US, não distante dos 85,1% relatados em estudo no Chile.(15) A literatura aponta cerca de 11,9% de lesões intraepiteliais e 1,8% de HSIL na repetição de ASC-US.(9,14,15) Em nossa casuística, 11,6% tiveram resultado de ASC-US e 1,7% HSIL no exame citopatológico de repetição. Vale ressaltar que mulheres com rastreio e acompanhamento citológico adequados têm menor probabilidade de desenvolver câncer de colo do útero.(14) Segundo as diretrizes brasileiras, mulheres que apresentarem a citologia alterada após uma primeira citologia de ASC-US deverão ser encaminhadas à colposcopia para realização de biópsia, caso seja necessário.(5) Em nossa casuística, identificamos que 28,8% das mulheres realizaram o exame histopatológico no NAP-IAL, sendo que 13,3% apresentaram NIC 2/3, frequência semelhante às encontradas na literatura, que variam de 10,0% a 49,9% para NIC 2/3.(14,16-18)
Entre as mulheres acompanhadas no estudo, a média de idade foi de 37 anos, semelhante a outros estudos, com média entre 37 a 41 anos.(2,14,15) Dufloth et al.(19) demonstraram que a faixa etária com maior frequência de ASC-US foi entre 20 a 29 anos. Tal fato pode ser atribuído a fatores intrínsecos ou extrínsecos às mulheres, dentre eles, a maior variabilidade de parceiros, o que aumenta a probabilidade de infecções recorrentes e transitórias pelo HPV.(5,20)
No grupo estudado, foi observada a variação de um a 26 meses entre o resultado de ASC-US e a repetição do exame citopatológico, com mediana de 9 meses. A análise estatística mostrou diferença significativa entre o intervalo de repetição e o resultado citopatológico, sendo que os exames com resultado NILM foram realizados após oito meses e os exames com LSIL, ASC-H, HSIL ou AGC, após seis meses. Embora este estudo não tenha avaliado a presença de infecção por HPV ou possíveis infecções no primeiro registro de ASC-US, é possível que parte das alterações induzidas por infecções ou HPV transitório tenha tido mais tempo para desaparecer nas mulheres que repetiram o exame após oito meses
As diretrizes atuais para os casos com resultado de ASC-US é a repetição da citologia em seis meses nas mulheres acima dos 30 anos, em um ano nas mulheres entre 25 a 29 anos e após três anos em mulheres com menos de 25 anos. Até 2016, a recomendação era a repetição da citologia em intervalo de seis meses para mulheres acima dos 25 anos e em um ano para mulheres abaixo desta idade. A conduta mais conservadora é justificada principalmente devido à correlação com doença de baixa gravidade e baixa reprodutibilidade deste tipo de alteração citológica.(5) Em nosso estudo, foi observado que 54,4% das mulheres abaixo dos 25 anos repetiram o exame em até dez meses. Por outro lado, foi observado que 50,0% das mulheres acima dos 65 anos realizaram o exame após oito meses do resultado inicial de ASC-US. Em mulheres acima dos 30 anos, a chance da presença de uma lesão potencialmente maligna é maior, e, se não identificada a tempo, pode resultar em consequências mais graves.(5) Tal fato nos faz refletir sobre o procedimento clínico adotado, possíveis consequências com impacto principalmente no período reprodutivo e no ônus para o SUS.
Em nosso estudo identificamos que 27,2% das mulheres com ASC-US não apresentaram o exame citológico de repetição. A avaliação precisa desta frequência pode estar limitada pelo período de abrangência do estudo e a impossibilidade de rastrear mulheres que migram para unidades básicas de saúde atendidas por outros laboratórios ou para o sistema de saúde privado. Entretanto, Galão et al.(14) relatam uma evasão ainda maior, de 40,3% após o resultado de ASC-US.
As diretrizes são recomendações de boas práticas com base em evidências científicas, a fim de orientar os usuários do SUS, gestores e educadores para as melhores decisões. Apesar de preverem a maioria das situações, as decisões devem buscar maior efetividade e eficiência dos procedimentos, e, sempre que necessário, devem ser adaptadas à realidade. No Brasil predomina o rastreamento oportunístico, ou seja, as mulheres têm realizado o exame de Papanicolaou quando procuram os serviços de saúde por outras razões.(5) Tal fato se reflete em dificuldades práticas na aplicação rigorosa das condutas preconizadas. Estudos como este são fundamentais para identificar e mapear a população atendida. Estratégias para aumento da adesão das mulheres ao rastreio e reciclagem dos profissionais envolvidos no encaminhamento, coleta e seguimento de pacientes são fundamentais para o sucesso do rastreio do câncer de colo uterino e redução de custos ao sistema de saúde.
CONCLUSÃO
Nossos dados mostram que a maioria das mulheres retornou para repetir a citologia, em média após nove meses. Identificamos que 71,7% permaneceram no rastreio. A maioria dos resultados posteriores foi NILM, porém, vale destacar que 11,6% mantiveram o resultado de ASC-US, 5,6% LSIL, 1,9% ASC-H, 1,7% HSIL e 0,8% AGC. Das mulheres que realizaram exame histopatológico no NAP-IAL, a maioria apresentou resultado de cervicite, porém, foram detectadas lesões mais graves subjacentes em 16,6% destas mulheres, evidenciando a importância do acompanhamento e investigação apropriada.
Agradecimentos
Aos profissionais do Laboratório de Citologia Oncótica, do Núcleo de Anatomia Patológica do Instituto Adolfo Lutz, Juliana Mariotti Guerra e Leonardo Tadeu Araújo, do Núcleo de Patologia Quantitativa do Instituto Adolfo Lutz.
Abstract
Atypical squamous cells of undetermined significance (ASC-US) is a very subjective category, defined as changes suggestive of lesion, but which are qualitatively or quantitatively insufficient for a definitive interpretation as such. Studies report that approximately 75% of cases returning to normal in cytology analysis repeat, but some of them in histology are lesions with high neoplastic potential. Objectives: To evaluate the follow-up of women diagnosed with ASC-US and adhesion to Brazilian guidelines. Methods: It was made a research for the subsequent exams of diagnoses of ASC-US in 2015, whose exams were analyzed at the Pathologic Anatomy department from Adolfo Lutz Institute. The mean time of repetition, age and subsequent diagnosis were evaluated. Results: Of all evaluated women, 71.7% repeated the cytology in the studied period, with a mean interval of 9 months and an average age of 37 years. In the cytology of repetition, 77.7% were negative. Of the altered repetitions, 1.7% were HSIL in cytology. In the histology,13.3% (4/30) were NIC 2 or NIC 3 and 3.3% (1/30) were cancer. According Brazilian guidelines, 17.5% of women under 25 years of age, 39.9% between 25 and 64 years old, and 34.4% of those over 65, repeated the Pap smear at the recommended interval. Conclusion: Most of the subsequent results were negative; however, a considerable proportion of the women had altered repetition tests. Of the histopathological examinations performed, the majority presented a result of cervicitis; however, more lesions that are serious were detected in 16.6% of these women, evidencing the importance of appropriate follow-up and investigation
Keywords
Papanicolaou test; Mass screening; Early detection of cancer
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Correspondência
Denise Andrade Rosendo
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