Aspectos da aplicabilidade da análise da curva de melting

Applicability aspects of the melting curve analysis

 

 

Paulo Roberto Xavier Tomaz1

Juliana da Rocha dos Santos2

Paulo Caleb Júnior de Lima Santos 

 

1Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular, Instituto do Coração (InCor), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP, Brasil.

2Farmacêutica. Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular, Instituto do Coração (InCor), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP, Brasil.

3PhD/FCF-USP. Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular, Instituto do Coração, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP, Brasil.

 

Artigo recebido em 07/02/2013

Artigo aprovado em 10/04/2015

 

 

Resumo

As técnicas de biologia molecular possibilitaram o avanço no diagnóstico de inúmeras doenças monogênicas, o melhor entendimento sobre predisposição às doenças poligênicas e a descoberta de marcadores genéticos de sensibilidade e de resistência a alguns fármacos. Nesta revisão, os principais objetivos foram abordar as características da metodologia da análise da curva de melting (HRM – high resolution melting) e sua aplicabilidade na identificação de alterações genéticas. Ainda, foram relacionados alguns pontos técnicos que devem ser observados para que os ensaios de HRM sejam bem sucedidos e também vantagens e desvantagens desta metodologia, dependendo de aspectos interlaboratoriais, tais como: demanda, número de testes genéticos realizáveis, custos (manutenção dos equipamentos, tempo de consumo e estoque de segurança de reagentes específicos) e especificidade ou sensibilidade requerida no ensaio.

 

Palavras-chave

Diagnóstico; Fenótipo; Testes laboratoriais

 

 

INTRODUÇÃO

 

As técnicas de biologia molecular possibilitaram o avanço no diagnóstico de inúmeras doenças mono­gênicas, o melhor entendimento sobre predis­posição às doenças poligênicas e a descoberta de marcadores genéticos de sensibilidade e de resistência a alguns fármacos.

Nesta revisão, os principais objetivos foram abordar as características da metodologia da análise da curva de melting (HRM – high resolution melting) e sua aplicabilidade na identificação de alterações genéticas, além de abordar as vantagens e as desvantagens da técnica.

 

VARIAÇÃO GENÉTICA

 

O genoma humano é composto por aproxima­damente 3 bilhões de pares de base e 30 mil genes. Os seres humanos apresentam um alto grau de variabilidade genética e isso pode ser observado em fenótipos bem conhecidos como altura, pressão sanguínea e cor da pele. A variação na sequência de DNA pode ocorrer por diversas formas: substituição de nucleotídeos únicos (SNPs – single nucletide polymorphisms), inserção ou deleção única ou múltipla, alterações no número de repetição de sequências e mudanças maiores na estrutura do cro­mossomo.(1,2)

Toda variação genética é originada a partir do pro­cesso conhecido como mutação, definido como uma mudança na sequência referência do DNA. As mutações podem afetar tanto as células da linhagem germinativa – que podem ser transmitidas de uma geração a outra, quanto as células da linhagem somática – que são envolvidas no desenvolvimento de vários tipos de cânceres. Os alelos variantes encontrados em mais de 1% dos cromossomos na população geral são conhecidos como polimorfismos genéticos. Em contraste, os alelos com frequência menor que 1% são, por convenção, chamados de variantes raras ou mutações.(3)

POLIMORFISMO E MUTAÇÃO

 

Os polimorfismos genéticos são responsáveis pela diferença em fenótipos gerais dos indivíduos; no entanto, alguns polimorfismos podem estar associados à pre­disposição de doenças complexas, também chamadas de doenças poligênicas. Em outras palavras, um polimor­fismo não é o suficiente para causar estas doenças, mas o conjunto de múltiplas alterações e a interação delas com o meio ambiente podem levar a maior ou menor susce­tibilidade ao desenvolvimento de doenças como diabetes mellitus, hipertensão, doenças coronarianas, distúrbios psiquiátricos e neurodegenerativos.

Os polimorfismos também são associados à farma­cogenética, ciência que estuda a influência de variações genéticas na eficácia medicamentosa e na presença de efeitos adversos. Estes polimorfismos geralmente são localizados em genes codificadores de enzimas meta­bolizadoras, de receptores e de transportadores de mem­brana.(4,5)

Já as variações chamadas de mutações podem indicar um conceito patogênico e geralmente estão asso­ciadas aos distúrbios monogênicos, tais como: dis­trofia miotônica, neurofibromatose, doença de Huntington, síndrome Marfan, fibrose cística, diversas cardio­miopatias, anemia falciforme, fenilcetonúria, hemofilia, etc.

 

ANÁLISE DA CURVA DE MELTING – HRM (HIGH RESOLUTION MELTING)

 

Fundamento

 

A técnica de HRM exige a utilização dos reagentes de uma PCR (polymerase chain reaction – reação em cadeia da polimerase) convencional com a adição de um corante que emite fluorescência ao se intercalar na dupla fita de DNA (fluoróforo). Após a realização da PCR e da amplificação do fragmento específico, termo­ciclando geralmente de trinta a quarenta ciclos, há o maior grau de fluorescência devido ao maior número de DNA de fita dupla. Assim, o aparelho de PCR com leitura em tempo real executa a análise de HRM propriamente dita, isto é, aumenta a temperatura no tubo de reação, gradativa­mente (aproximadamente de 70º-90ºC), a fim de dissociar a dupla fita de DNA e gerar uma curva de decaimento da fluorescência. Assim, ocorre a dimi­nuição da fluores­cência (Figura 1), que é captada pelo leitor do aparelho, gerando padrões de cur­vas (curvas de melting) de acordo com os diferentes genótipos (Figura 2).(6,7)

 

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Figura 1. Atividade do agente fluorescente. A: saturação do corante na dupla fita de DNA. B: gradativo da temperatura. C: inicio da desnaturação e diminuição da fluorescência.

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Figura 2. Comportamento de dissociação da dupla fita de DNA em uma análise por HRM (high resolution melting). Na fase de melting são geradas curvas de acordo com os genótipos das amostras. dsDNA = DNA dupla fita; ssDNA = fita simples

 

 

Para a realização da PCR-HRM são necessários os seguintes reagentes: diluente (água ultrapura auto­clavada), tampão para a PCR, dNTPs (desoxirribo­nucleotídeos trifosfatados), iniciadores (forward primer e reverse primer), Taq DNA polimerase, DNA genômico e reagente fluo­rescente em DNA dupla fita. Os corantes intercalantes de terceira geração, como o SYTO®9 (Invitrogen Corp, Carlsbad, CA), LCGreen® (Idaho Technologies, Salt Lake City, UT) e Eva Green® (Biotium Inc, Hayward, CA), por apresentarem menor toxicidade que os corantes de primeira e de segunda gerações, podem ser utilizados em concentrações mais elevadas a fim de saturar o DNA dupla fita, aumentando assim a resolução da análise de melting. A reação pode ser realizada manualmente ou através de instrumento automatizado – usando tubos de reação, placas ou discos – de acordo com o equipamento ou número de amostras analisadas.

 

Aplicações

 

A técnica pode ser utilizada para diversas finali­dades que se embasam na análise qualitativa (análise de alterações genéticas, mapeamento do DNA, deter­minação da taxa de mutações somáticas adquiri­das, tipagem HLA) ou na análise quantitativa, como exemplos: a análise de metilação do DNA e a quanti­ficação de carga viral. Assim, usada em áreas de pes­quisas científicas como estudos de associação, deter­minação da preva­lência do alelo dentro de uma popu­lação ou subgrupos, rastreamento de mutações e identificação de espécies.(7)

Diversos exames genéticos disponíveis em labo­ratórios clínicos podem ser realizados pela técnica de HRM na pesquisa de mutações associadas às doenças monogênicas, na análise de polimorfismos relacionados à predisposição para doenças complexas, na identifi­cação de marcadores farmacogenéticos diversos e na análise quantitativa e tipagem de vírus. Como exemplos: muta­ções no gene KRAS, pesquisa da mutação V617F no gene JAK2, mutações da hemocromatose hereditária, polimorfismos associados à trombofilia (nos genes fator V de Leiden, protrombina e MTHFR), dentre outros.

No entanto, alguns pontos técnicos, relacionados no Quadro 1, devem ser observados para que os ensaios da análise da curva de melting sejam bem sucedidos. Existem também vantagens e desvantagens desta meto­dologia que podem viabilizar ou não sua utilização (Quadro 2), dependendo de aspectos interlaboratoriais, tais como: demanda, número de testes genéticos realizá­veis, custos (manutenção dos equipamentos, tempo de consumo e estoque de segurança de reagentes espe­cíficos) e especificidade ou sensibilidade requerida no ensaio.

 

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Análise de polimorfismos

 

Segundo Gundry et al.(8) e Liew et al.,(9) as quatro classes das alterações de bases nucleotídicas podem ser identificadas pela análise de HRM. Os genótipos para os polimorfismos das classes 1 (trocas C/T e G/A) e 2 (trocas C/A e G/T), que representam aproximadamente 84% dos SNPs do genoma humano, são facilmente discri­minados. Como exemplos, as Figuras 3 e 4 demons­tram gráficos de genotipagem de SNPs das classes 1 e 2.

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Figura 3. Gráficos da análise de melting de polimorfismo de classe 1 (troca C/T; DRD 2 rs 1800497). Alterações nucleotídicas resultam em diferentes padrões de curva na análise da curva de melting. A: Gráfico de fluorescência por temperatura. B: Gráfico de fluorescência normalizada (baseado genótipo 2) por temperatura. 1: genótipo selvagem (CC); 2: genótipo heterozigoto (CT); 3: genótipo homozigoto (TT).

 

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Figura 4. Gráficos da análise de melting de polimorfismo de classe 2 (troca C/A; HMGCR rs3846662). Alterações nucleotídicas resultam em diferentes padrões de curva na análise da curva de melting. A: Gráfico de fluorescência por temperatura; B: Gráfico de fluorescência normalizada (baseado genótipo 2) por temperatura.1. genótipo selvagem (CC); 2: genótipo heterozigoto (CA); 3. genótipo homozigoto (AA).

 

 

No entanto, a diferenciação dos genótipos para os polimorfismos das classes 3 (C/G) e 4 (T/A) é mais difícil pelo fato de as temperaturas para a fusão da fita de DNA dos homozigotos possuírem pequena variação (<0,4ºC), gerando curvas de melting com decaimentos seme­lhantes.(8,9)

Para possibilitar ou melhorar a genotipagem de SNPs de classes 3 e 4, pode-se usar o artifício da adição do genótipo selvagem em amostras desconhecidas. Santos et al.(10) reportaram que os genótipos homozigotos para a troca C>G foram facilmente distinguidos com a abordagem. Pode-se observar na Figura 5, primeiramente sem a adição, que os padrões de curvas de melting dos genótipos selvagem (CC) e homozigoto mutado (GG) são muito semelhantes e a curva gerada pelo genótipo hete­rozigoto (CG) possui um padrão diferenciado.

Já com a adição do genótipo selvagem (CC) nas amostras, as curvas geradas pelos genótipos selvagem e heterozigoto perma­necem com a mesma caracter­ís­tica; no entanto, a curva gerada pelo genótipo homo­zigoto mutado (GG) assume o padrão do genótipo hetero­zigoto, podendo assim, distinguir os três genó­tipos (Figura 5).(10)

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Figura 5. Gráficos da análise de melting de polimorfismo de classe 4 (troca C/G; HFE rs). * Adição do genótipo selvagem (CC)1: genótipo selvagem (CC); 2: genótipo heterozigoto (CG); 3. Genótipo homozigoto (GG). Padrões de curvas para os genótipos selvagem e heterozigoto são diferentes e permanecem com a mesma característica, após a adição. Sem adição, a curva do genótipo homozigoto mutado apresenta curva semelhante ao genótipo selvagem. Após a adição, a curva do genótipo homozigoto apresenta similaridade à curva do genótipo heterozigoto.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A literatura internacional traz diversos testes mole­culares realizados pela análise da curva de melting (HRM). Além disso, indicam inúmeras vantagens, principalmente: simples, rápida e de baixo custo. No entanto, a viabilidade dependerá de aspectos interlabo­ratoriais, tais como: demanda, número de testes gené­ticos realizáveis e custos de manutenção e de reagentes específicos.

 

 

Abstract

Molecular biology techniques allowed progress in diagnosis of numerous monogenic diseases, a better understanding on predisposition to polygenic disease and the discovery of genetic markers of sensitivity and resistance to some drugs. In this review, the main aims were to address the characteristics of the methodology of melting curve analysis (HRM – high resolution melting) and its applicability in identifying genetic variation. Also, some technical aspects and advantages and disadvantages of this methodology, depending on inter-laboratory aspects such as demand, number of genetic tests, costs (maintenance of equipment, consumption time and safety stock of specific reagents) or required sensitivity and specificity.

 

Keywords

Diagnosis; Laboratory test; Phenotype

 

 

Referências

  1. Balasubramanian SP, Cox A, Brown NJ, Reed MW. Candidate gene polymorphisms in solid cancers. Eur J Surg Oncol. 2004 Aug;30(6):593-601.
  2. Jorde LB, Carey JC, Bamshad MJ, White RL. Genética médica. 3a ed. Editora Elsevier, 2004. p. 33-54.
  3. Nussbaum RL, Mcinnes RR, Willard HF. Thompson & Thompson Genética Médica. 6a ed. Editora Guanabara Koogan, 2002. p. 76-82.
  4. Turnpenny PD, Ellard S. Emery genética médica.13a ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
  5. Santos PC, Dinardo CL, Schettert IT, Soares RA, Kawabata-Yoshihara L, Bensenor IM,et al. CYP2C9 and VKORC1 polymorphisms influence warfarin dose variability in patients on long-term anticoagulation. Eur J Clin Pharmacol. 2013 Apr;69 (4):789-97.
  6. White H, Potts G. Mutation scanning by high resolution melt analysis: Evaluation of Rotor-Gene 6000 (Corbett Life Science), HR-1 and 384 well LightScanner (Idaho Technology). National Genetics Reference Laboratory (Wessex, 2006).
  7. Corbett. High resolution melt assay design and analysis: Rotor gene 6000. CorProtocol, 2006. p. 1-24.
  8. Gundry CN, Dobrowolski SF, Martin YR, Robbins TC, Nay LM, Boyd N, et al. Base-pair neutral homozygotes can be discriminated by calibrated high-resolution melting of small amplicons.. Nucleic Acids Res. 2008 Jun;36(10):3401-8.
  9. Liew M, Pryor R, Palais R, Meadows C, Erali M, Lyon E, et al. Genotyping of single-nucleotide polymorphisms by high-resolution melting of small amplicons. Clin Chem. 2004 Jul;50(7):1156-64.
  10. Santos PC, Soares RA, Krieger JE, Guerra-Shinohara EM, Pereira AC Genotyping of the hemochromatosis HFE p.H63D and p.C282Y mutations by high-resolution melting with the Rotor-Gene 6000® instrument. Clin Chem Lab Med. 2011 Oct; 49(10):1633-6.
  11. Lin Jt, Hsiao Kj, Chen CY, et al. High resolution melting analysis for the detection of SLC25A13 gene mutations in Taiwan. Clin Chim Acta. 2011 Feb;412(5-6):460-5.
  12. Wiechec E, Wiuf C, Overgaard J, et al. High-resolution melting analysis for mutation screening of RGSL1, RGS16, and RGS8 in breast cancer. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2011 Feb;20 (2):397-407.

 

 

 

 

Correspondência

Paulo Caleb Júnior de Lima Santos

Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 – Cerqueira César

São Paulo, SP, Brasil