Análise microbiológica de polpas de açaí comercializadas na cidade de São Paulo

Microbiological analysis of the acai berry products marketed in the city of São Paulo

 

Bárbara Araújo dos Santos1

Maria Cristina Meireles Campofiorito2

Jorge Luiz Freire Pinto3

Sandra Heloisa Nunes Whitaker Penteado4

Fernando Luiz Affonso Fonseca5

Flávia de Sousa Gehrke6

 

 

1Acadêmica do curso de Biomedicina da Universidade Paulista – Campus Tatuapé – São Paulo, SP, Brasil.

2Doutora em Oncologia, Coordenadora auxiliar do curso de Biomedicina da Universidade Paulista – Campus Tatuapé – São Paulo, SP, Brasil.

3Doutor em Distúrbios do Crescimento Celular, Coordenador Auxiliar do curso de Farmácia da Universidade Paulista Campus Tatuapé São Paulo, SP, Brasil.

4Doutora em Medicina Veterinária, Coordenadora geral do curso de Biomedicina da Universidade Paulista Campus Tatuapé São Paulo, SP, Brasil.

5Doutor em Medicina, Professor da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp – São Paulo, SP, Brasil.

6Doutora em Ciências. Universidade de São Paulo. Professora Titular da Universidade Paulista Campus Tatuapé – São Paulo, SP, Brasil.

 

Instituição: Universidade Paulista – UNIP – Campus Tatuapé – São Paulo, SP, Brasil.

Conflito de interesses: não há conflito de interesses.

 

Artigo recebido em 29/05/2015

Artigo aprovado em 03/02/2016

 

Resumo

Objetivo: O açaí é considerado um alimento com alto valor energético, o que desperta o interesse deste fruto pela indústria nacional e internacional. Sua polpa é utilizada para produção de sucos, sorvetes, mix de frutas e consumido in natura. As propriedades antioxidantes do açaí o incluem no grupo de alimentos funcionais prevenindo doenças que estão relacionadas ao estresse oxidativo. As doenças transmitidas por alimentos são causadas por água ou alimentos contaminados em qualquer uma das fases da sua preparação ou comercialização. O objetivo deste trabalho foi verificar a presença de micro-organismos patogênicos no açaí comercializado em diversos pontos de alta incidência populacional na cidade de São Paulo. Métodos: As amostras coletadas foram inoculadas em meios de cultura enriquecido e seletivo. Após análise macro e microscópica das colônias, as mesmas foram analisadas quanto às suas características bioquímicas. Resultados: Em 50% das amostras foram detectadas bactérias do gênero Staphylococcus sp., Enterobacter sp. (25%), Serratia sp. (15%) e Escherichia coli (10%), sendo que em algumas das amostras teve o crescimento de mais de uma espécie bacteriana. Conclusão: Duas destas espécies bacterianas são classificadas como coliformes fecais e, portanto, podem causar enfermidades transmitidas por alimentos, tornando estes produtos impróprios para consumo. Bactérias do gênero Staphylococcus sp. são notadamente conhecidas como agentes de doenças transmitidas por alimentos, causando vários danos à saúde individual e pública. Serratia sp. é um agente de infecção nosocomial, de trato urinário e infecções intestinais e intoxicação alimentar. Medidas preventivas e fiscalizadores devem ser reforçadas no sentido de se evitarem potenciais riscos aos quais os indivíduos estão expostos diariamente.

 

Palavras-chave

Doenças transmitidas por alimentos; Escherichia coli; Enterobacter sp.; Serratia sp.; Staphylococcus sp.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O açaizeiro (Euterpe oleracea Mart) é uma palmeira que pertence à família Arecaceae. Pode atingir de 25 m a 30 m de altura e são encontradas em alguns estados da região Norte do Brasil com maior prevalência no estado do Pará. O fruto mede de 1 cm a 2 cm de diâmetro com o peso médio de 1,5 gramas.(1) A sua polpa apresenta uma camada de 1 mm de espessura e a coloração pode ser roxo-escuro ou preta. Existem algumas variações, as diferenças se restringem a coloração, tamanho e peso dos cachos. O açaí roxo-preto é conhecido como o açaí tradicional, o açaí branco é conhecido como açaí tinga e é de difícil obtenção. O açaizeiro inicia seu ciclo de produção de frutos com a idade de 4 anos.(2)

A polpa do açaí é utilizada para a produção de sucos, sorvetes, picolés e alimentos energéticos. Em alguns estados é habitualmente consumida com farinha de man­dioca, camarão ou carne. Nas regiões produtoras, a polpa do açaí é comercializada à temperatura ambiente, sendo então consumida imediatamente.(3) Quando se destina aos comércios distantes, a polpa é congelada, porém essa técnica de conservação provoca danos ao alimento, como perdas nutritivas, que modificam as propriedades originais.(4)

Além de alto valor energético, este alimento apre­senta alto teor de lipídios, ômega 6 e ômega 9. É rico em fibras, vitaminas E, proteínas, minerais fotoquímicos e efeitos antioxidantes.(5) Esta característica se deve à presença significativa de antocianinas da classe flavoides. Estas propriedades antioxidantes o incluem no grupo de alimentos funcionais atuando na prevenção de algumas doenças que estão relacionadas ao estresse oxidativo, como doenças neurodegenerativas, cardiovasculares e câncer.(5)

A polpa do açaí está sujeita à contaminação durante a coleta devido ao açaizeiro ser fonte de algumas pragas, como fungos e besouros.(1) Há casos de contaminação por barbeiro, o que levou diversas pessoas o contrair a Doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypano­soma cruzi. Os fatores pós-colheita também podem contaminar o fruto, como, por exemplo, a tempe­ratura e umidade relativa entre a colheita e o consumo. Outro fator pode ser a falta de higiene dos manipuladores e dos equipamentos utilizados. Para conservação, o processo de congelamento e pasteu­rização são os mais utilizados. A refrigeração da polpa apresenta redução entre bolores e leveduras. Alguns estudos realizados recentemente apontam presenças de Salmo­nella, Esche­richia coli, coliformes fecais, bolores, leve­duras e pelos de roedores em polpas de açaí congeladas que eram comercializadas em grandes centros.(1,6)

As doenças transmitidas por alimentos (DTAs) repre­sentam um grande risco para população. DTA é um termo genérico, aplicado a uma síndrome geralmente constituída de anorexia, náuseas, vômitos e/ou gastroenterocolite aguda (GECA), acompanhada ou não de febre, atribuída à ingestão de alimentos ou água contaminados. Sintomas digestivos, no entanto, não são as únicas manifestações dessas doenças, podem ocorrer ainda afecções extra­intestinais, em diferentes órgãos e sistemas como: meninges, rins, fígado, sistema nervoso central, termi­nações nervosas periféricas e outros, de acordo com o agente envolvido. Dentre os agentes mais frequentes, podem-se destacar Salmonellas spp., Escherichia coli, Staphylococcus aureus, Shigella spp., Bacillus cereus e Clostridium perfringens. Toxinas produzidas por bactérias, vírus e substâncias tóxicas também são importantes nas DTAs.(7) Desta forma o conhecimento das bactérias presentes no açaí comercializado na cidade de São Paulo poderá con­tribuir grandemente para prevenção de gastro­entero­colite aguda (GECA) e reforço da educação e da fiscalização sanitária.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

No dia 5 de junho de 2014 foram coletadas vinte amostras de açaí em áreas importantes de comércio com grande concentração populacional na cidade de São Paulo (Tabela 1). As amostras foram acondicionadas em recipientes plásticos limpos e estereis e armazenados em caixa térmica contendo gelo seco para conservação da amostra até a chegada ao laboratório da Universidade Paulista campus Tatuapé.

 

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No laboratório, as amostras foram imediatamente inoculadas nos meios de cultura agar sangue e agar MacConkey. Estes meios foram escolhidos de acordo com suas características nutricionais. O meio agar sangue é um meio enriquecido e proporciona o crescimento de bactérias Gram positivas e negativas além de fungos. O meio MacConkey é um meio seletivo diferencial, crescendo apenas bacilos Gram negativos que suportam as altas concentrações NaCl.

Após a inoculação nestes meios, as placas de Petri foram incubadas em estufa a 35º ± 2°C por 18-24 horas. Nas placas que tiveram crescimento bacteriano, as características das colônias, tais como cor, odor, cheiro, tamanho, entre outros, foram consideradas. Pelo menos uma colônia foi selecionada nas placas em que ocorreram crescimento bacteriano e inoculadas no meio Rugai com lisina New Prov®. Este meio proporciona o diagnóstico bioquímico presuntivo das seguintes cepas: Escherichia coli, Shigella., Salmonella, Proteus, Enterobacter, Citrobacter, Klebsiella, Serratia, Providencia, que são fermentadoras da glicose. Os tubos foram incubados em estufa a 35º ± 2°C por 18-24 horas, e os procedimentos para classificação do metabolismo bacteriano foram realizados de acordo com o fabricante (ápice: desa­mina­ção do L Triptofano e fermentação da sacarose; base: fermentação da glicose, produção de gás, hidrólise da ureia, produção de gás sulfídrico; parte inferior: descar­boxilação da L-Lisina, motilidade; tampa: indol).

 

RESULTADOS

 

Em todas as placas de agar sangue foram observadas crescimento bacteriano, enquanto que nas placas de agar MacConkey verificamos o crescimento bacteriano em seis placas – L2, L9, L13, L15, L19 e L20 – (Tabela 2). Em algumas delas foram observadas colônias com carac­terísticas morfológicas distintas. Nas placas de agar sangue, 50% apresentaram Staphylococcus sp. após confirmação pelo teste da catalase.

 

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Foram selecionadas pelo menos duas colônias distin­tas no meio ágar MacConkey e inoculadas no meio Rugai com lisina. Após o período de incubação foi possível iden­tificar pela bioquímica as seguintes espécies bacte­rianas: Escherichia coli, Enterobacter e Serratia. (Tabela 3).

Das vinte placas (100%) que foram inoculadas, em dez (50%) foram detectadas bactérias do gênero Staphy­lococcus sp, em duas (10%) foram detectadas Escherichia coli, em cinco (25%), Enterobacter sp., e, em três, a presença de Serratia sp. (15%). Em quatro placas (66,6%) foi consta­tada a presença de mais de uma espécie bacte­riana.

 

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DISCUSSÃO

 

O comércio de alimentos de rua apresenta aspectos positivos devido à sua importância socioeconômica, cultural e nutricional, e negativos no que diz respeito às questões higiênico-sanitárias.(8) A segurança alimentar depende do controle exercido sobre os perigos químicos, físicos e biológicos, os quais permeiam todas as etapas da produção do alimento. O trabalho a ser desenvolvido na linha de produção é entendido como um processo, sendo que a qualidade do resultado corresponderá à qualidade dos elementos e fatores envolvidos.(9)

A contaminação dos alimentos pode ter seu início na produção da matéria-prima, durante a manipulação, pela má higienização dos equipamentos, pelo manipulador, estendendo-se até as etapas de armazenamento, acondi­cionamento e distribuição, pois permitem a exposição direta ao ambiente. Assim, a incidência de doenças relacionadas ao consumo de alimentos cresce anual­mente, tendo como consequência o surgimento de doenças transmitidas por alimentos (DTA).(10)

A contaminação por coliformes totais e termo­tolerantes ou fecais em polpas congeladas tem sido documentada na literatura, estando provavelmente associada à manipulação inadequada ou à contaminação dos equipamentos.(11) O grupo dos coliformes totais inclui as bactérias na forma de bastonetes Gram negativos, aeróbicas ou anaeróbicas, não origina esporos e fermenta a lactose, produzindo ácido e gás a 35º/37°C. As bactérias termotolerantes ou fecais são aquelas originárias do trato intestinal de humanos e outros animais de sangue quente, fermentam a lactose com produção de gás em 24 horas e suportam temperaturas acima de 40°C. Esse grupo inclui três gêneros: Escherichia, Enterobacter e Klebsiella.

Na análise realizada neste trabalho, duas amostras (10%) estavam contaminadas com Escherichia coli, bactérias pertencentes ao grupo dos coliformes fecais. Este micro-organismo faz parte da microbiota intestinal normal, tem uma tendência de se modificar de organismo comensal para um patógeno oportunista, sendo uma bactéria extremamente especializada. A E. coli é um dos principais micro-organismos indicadores de doenças veiculadas por alimentos.(11) Estes achados corroboram com o que foi observado no trabalho de Faria et al.(12) Este autor constatou a presença de E. coli em cinco amostras analisadas, totalizando 13,8%. No estudo de Frazio et al.,(13) foi observada a presença em 2,6% das amostras de açaí, o que também ocorreu em Santos et al.,(14) mas com apenas uma confirmação nas amostras. A presença de bactérias em alimentos congelados é um fato. Em um estudo publicado em 2012, por Santos et al.,(15) foi observada a presença de coliformes fecais em 100% de polpas de diversas frutas congeladas analisadas. A pre­sença de E. coli também se confirmou em amostras de sorvete.(16)

A presença de Serratia sp. (15%) no estudo serve de alerta, pois esta é considerada um importante patógeno humano. Há relatos como agente causador de infecções hospitalares, do trato urinário, intes­tinais e intoxi­cações alimentares.(17)

O número de surtos de doenças transmitidas por alimentos (DTAs) cresce a cada ano e grande parte dos consumidores desconhece os requisitos necessários para uma correta manipulação de alimentos. Em estudos realizados por Amson et al.,(18) podemos ter uma ideia de quão importante são os dados obtidos através de pes­quisas para DTAs; as bactérias que estão frequentemente associadas a surtos são Staphylococcus aureus e Salmo­nella sp., a maioria por alimentos de origem animal. No nosso estudo encontramos Staphylococcus sp. em 50% das amostras analisadas. Na literatura há vários estudos sobre contaminação em diversos alimentos comercializados nas ruas. Na análise de Balbani et al.,(19) das 23 amostras de pratos típicos vendidos no comércio ambulante, em Salvador, BA, foram consi­de­rados impró­prios para consumo 39,1% dos acarajés, 95,6% dos vata­pás, 82,6% das saladas e 100% dos camarões secos. Os produtos reprovados nos testes microbiológicos apre­sentavam-se contaminados por colifor­mes fecais e S. aureus. Na cidade de São Paulo, SP, a análise de 351 amostras de doces de amendoim e 157 de doces de leite vendidos em barracas do comércio am­bulante mostrou que havia fragmentos de insetos em ambos os produtos (60,7% e 58,6% respectivamente), além de ácaros (11,7% e 26,8%) e pelos de roedor (6,8% e 5,7%). Diante do exposto, observa-se a importância dos estudos relativos à conta­minação dos alimentos, tanto para melhoria do que é consumido quanto para uma política de educação sanitária e vigilância.

 

CONCLUSÃO

 

Duas espécies bacterianas encontradas neste trabalho (Escherichia coli e Enterobacter) são classi­ficadas como coliformes fecais e, portanto, podem causar enfermidades transmitidas por alimentos, tornando estes produtos impróprios para consumo. O terceiro micro-organismo detectado, Serratia sp., é um importante agente causador de infecções hospitalares, infecções do trato urinário, infecções intestinais e intoxicações alimentares; além destes, detectou-se Staphylococcus sp. em 50% das amostras analisadas, sendo este um importante causa­dor de DTA. Este estudo serve de alerta e sinalizador para que novos estudos sejam incentivados com o intuito de se averiguar o grau de contaminação dos alimentos comercializados na cidade de São Paulo. As medidas preventivas e fiscalizadores devem ser reforçadas no sentido de se evitarem potenciais riscos aos quais os indivíduos estão expostos diariamente.

 

Agradecimentos

À responsável técnica pelo Laboratório de Micro­biologia da Universidade Paulista Sílvia Maria Reis, às acadêmicas Débora Faria e Camila Paula.

 

Abstract

Acai berry is considered a highly energetic fruit, a fact that arouses the interest of the national and international food industry. Its pulp is used in juices, ice cream, dried fruit mixes, or it can be freshly consumed. It helps prevent diseases that are related to oxidative stress; therefore, due to its antioxidant properties, it is included in the functional food group. Food borne diseases are caused by contaminated water or food at any stage of preparation or marketing. Objective: To verify the presence of pathogenic microorganisms in acai products marketed in several areas of high population density in the city of São Paulo. Methods: The samples were inoculated in selective and enriched culture media. After a macro and microscopic study was performed, the colonies were analyzed in regard to their biochemical characteristics. Results: In 50% of the samples, strains of bacteria including Staphylococcus sp., Enterobacter sp. (25%), Serratia sp. (15%) and Escherichia coli (10%) were detected, and in some samples the presence of more than one bacterial species could be observed. Conclusions: Two of these bacterial species are classified as fecal coliform (E. coli and Enterobacter sp.) that can cause serious diseases, thus making these products unfit for consumption. Bacteria of the genus Staphylococcus sp. are widely known as FBD agents that cause severe damage to individual and public health. Serratia sp. is an agent of nosocomial infections, urinary tract and intestinal infections and food poisoning. Preventive and inspection measures should be strengthened so that potential hazards individuals are daily exposed to can be avoided.

 

Keywords

Foodborne diseases; Escherichia coli; Enterobacter sp.; Serratia sp.; Staphylococcus sp.

 

Referências

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Correspondência

Flávia de Souza Gehrke

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