Análise das bulas de testes rápidos para o diagnóstico da sífilis adquirida
Analysis of the instructions for rapid tests for the diagnosis of acquired syphilis
Juliana Santos de Oliveira1, Bruno de Souza Mayer2, Allyne Cristina Grando1
1 Universidade Luterana do Brasil, Curso de Biomedicina. Canoas, RS, Brasil.
2 Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Biociências. Porto Alegre, RS, Brasil.
Recebido em 09/08/2022
Aprovado em 29/11/2022
DOI: 10.21877/2448-3877.202200058
INTRODUÇÃO
A sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST) causada pela bactéria Gram-negativa Treponema pallidum, pertencente ao grupo das espiroquetas. Sua infecção é caracterizada pelas suas fases, sendo elas: fase primária, secundária, latente e terciária. A sífilis também pode ser congênita, quando a gestante infectada transmite a infecção para o feto.(1)
Caracterizada pela sua evolução lenta e manifestações clínicas rápidas, conforme a fase em que a sífilis está, seus sinais e sintomas serão característicos, assim como o período em que aparecem. Na sífilis primária, os sintomas podem aparecer de 10 a 90 dias após o contágio, com o aparecimento do cancro duro (ferida localizada).(1,2) A sífilis secundária se manifesta entre seis semanas e seis meses após cicatrização do cancro duro, fase em que surgem manchas vermelhas no corpo, palmas das mãos e plantas dos pés. Na fase latente, a sífilis se torna assintomática, podendo apresentar algum sintoma das fases anteriores. Na sífilis terciária, suas manifestações podem surgir de três a dez anos após o contágio, apresentando lesões de mucosa, problemas ósseos, cardíacos e neurológicos e deixando sequelas como a neurossífilis, podendo levar a óbito.(1,2) As manifestações clínicas da sífilis surgem e desaparecem sozinhas, causando a impressão de falsa cura, porém a infecção continua sendo transmitida nestes períodos de latência.(3) Sua transmissão ocorre via relação sexual desprotegida com pessoa infectada ou contato direto com ferida causada pela bactéria nas fases primária e secundária, em transfusões sanguíneas ou vertical, no caso da sífilis congênita.(1,2)
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 12 milhões de pessoas são atingidas pela sífilis no mundo, sendo um desafio persistente para os órgãos de saúde pública a níveis globais. No Brasil, estima-se que a população mais afetada pela infecção sejam as mulheres negras e jovens, na faixa etária entre 20 e 29 anos. Os casos da infecção deste grupo são representados por cerca de 14,4% dos casos notificados de sífilis adquirida e em gestantes. A representação do sexo masculino em comparação com a mesma faixa etária das mulheres é de 13,6%.(4)
Em 2010, as notificações da infecção por sífilis adquirida no Brasil eram de 2 casos a cada 100 mil habitantes, sendo este o ano em que se iniciou a notificação compulsória da sífilis. De 2010 a 2017, a taxa de casos notificados aumentou de 2 para 58,1 casos a cada 100 mil habitantes.(4) Já no ano de 2020, foram notificados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) 115.371 casos de sífilis adquirida; 61.441 casos de sífilis em gestantes; 22.065 casos de sífilis congênita e 186 óbitos decorrentes da sífilis congênita.(5)
O aumento das taxas de incidência pode ter relação com as alterações dos critérios para a definição dos casos notificados de sífilis adquirida, congênita e em gestantes. Uma das hipóteses para o aumento de casos foi a mudança na legislação que tornou a notificação da sífilis adquirida compulsória por intermédio da Portaria nº 2.472, de 31 de agosto de 2010, em consonância com a ampliação do uso de testes rápidos no Brasil.(5)
DIAGNÓSTICO
Os testes para diagnóstico da sífilis são divididos em exames diretos e testes imunológicos, sendo relacionados com o histórico do paciente e dados clínicos de anticorpos e antígenos detectados na realização dos testes laboratoriais. Conhecer os estágios da infecção, o progresso e a capacidade de cada teste em detectar a bactéria é de extrema importância para um desempenho adequado e obtenção de resultados fidedignos (6). Para a escolha de qual teste será utilizado, é necessário considerar o estágio da sífilis e os testes que estão disponíveis para serem utilizados, de acordo com a Portaria nº 2012, de 19 de outubro de 2016 do Ministério da Saúde.(7)
Testes rápidos
A proposta de implantação dos testes rápidos para o diagnóstico da sífilis na atenção primária à saúde atribui-se à necessidade de qualificação do atendimento, menor complexidade para a interpretação dos resultados, isenção do uso de equipamentos e estrutura laboratorial, otimização do tempo para iniciar o tratamento e às medidas preventivas da transmissão vertical. Os testes rápidos para diagnóstico da sífilis são de grande importância para locais com infraestrutura precária e de difícil acesso aos serviços de saúde.(8) Os testes rápidos para o diagnóstico da sífilis são testes treponêmicos, utilizados no momento da triagem e que detectam a presença de anticorpos antitreponêmicos circulantes no sangue.(6)
No Brasil, os testes rápidos comercializados e utilizados são de grande maioria imunocromatográficos, sendo o mais eficaz, ou de fluxo lateral, referentes à identificação de anticorpos treponêmicos. Para a realização destes testes, podem ser utilizadas amostras de sangue total obtidas através da coleta de punção venosa e digital, soro e plasma. O ensaio imunocromatográfico é prático e eficiente, o resultado é observado visualmente e tanto a leitura quanto a interpretação do resultado podem ser feitas em até 30 minutos.(9)
Os testes são fornecidos pelos programas de saúde do governo, unidades móveis, prontos-socorros, maternidades, e utilizados nos indivíduos em casos de violência sexual, em gestantes durante o pré-natal, no momento de internação para o parto, abortos espontâneos, dentre outras situações. Esses testes são utilizados como triagem. Quando reagentes, faz-se a confirmação através dos testes não treponêmicos, sendo aplicados por profissionais capacitados. O tratamento é iniciado após o resultado reagente do teste rápido.(10,11)
Portanto, o objetivo deste trabalho foi analisar as bulas de testes rápidos para diagnóstico da sífilis adquirida disponibilizadas em plataforma online.
METODOLOGIA
Através da plataforma online foram selecionadas seis bulas de testes rápidos registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A revisão da literatura foi efetuada nas bibliotecas eletrônicas Scielo, PubMed e BVS nos idiomas português e inglês, utilizando os seguintes descritores: Sífilis (Syphilis); Sífilis Congênita (Congenital Syphilis); Sífilis Latente (Latent Syphilis); Infecções Sexualmente Transmissíveis (Sexually Transmitted Diseases). Foram utilizados artigos dos últimos nove anos.
RESULTADOS
Das seis bulas selecionadas, foram avaliados os valores de falso positivo (FP), falso negativo (FN), verdadeiro positivo (VP) e verdadeiro negativo (VN), além dos parâmetros que caracterizam a qualidade e confiabilidade de um teste rápido, sendo eles: sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP), valor preditivo negativo (VPN), acurácia e também interferentes do kit e da amostra. Na Tabela 1 são apresentados os resultados compilados da análise referente aos parâmetros.
Todos os testes obtiveram valores acima de 98% para sensibilidade, sendo que dois chegaram a 100%. Três testes apresentaram especificidade acima de 98% e três testes apresentaram 100%. Cinco testes apresentam 100% de VPP e um teste apresentou valor acima de 98%. Cinco testes apresentaram VPN acima de 98%, e um teste não fornece informações suficientes para a obtenção do valor deste parâmetro. A acurácia dos testes avaliados que apresentam esse valor encontra-se acima de 98%, sendo três destes testes com 100% e apenas um teste não forneceu informações suficientes para a obtenção do valor deste parâmetro.
Quanto aos interferentes, os testes rápidos descrevem em suas bulas que o armazenamento irregular do kit, reagentes e das amostras podem causar interferências no desempenho do teste, assim como exposição a elevadas temperaturas, múltiplos ciclos de congelamento e descongelamento, kit com a embalagem danificada e leitura dos resultados após o tempo estimado. Um dos testes informa apenas que dispensa refrigeração e armazenamento do kit em temperaturas específicas e a leitura do resultado até o tempo estimado. Com relação aos interferentes da amostra, dois testes citam hemólise e lipemia, um teste cita a hemólise como interferente em concentrações acima de 10g/L e lipídios acima de 30 g/L, um dos testes informa que as amostras de pacientes em tratamento com antirretrovirais ou antibacterianos podem causar interferências. Três testes informam que não foram identificadas reações cruzadas com outras infecções. Apenas um teste não possui informações sobre interferentes de amostra. Os interferentes analisados referentes ao kit e a amostra estão apresentados nas Tabelas 2 e 3.
Tabela 1
Comparativo entre as informações contidas nas bulas de testes rápidos para o diagnóstico da sífilis adquirida.
Nome comercial do teste | Fabricante do teste | Total de amostras analisadas | FP | FN | VP | VN | VPP | VPN | S (%) | E (%) | Acurácia (%) |
Alere Determine Syphilis TP(19) | Abbot Diagnostics Medical Co., Ltd. | 600 | NI | NI | NI | NI | 100 | NI | 100 | 100 | NI |
DPP HIV Syphilis Assay(16) | CHEMBIO Diagnostics Systems, INC | 121 | 0 | 1 | 120 | 120 | 100 | 99,17 | 99,1 | 100 | 100 |
Imuno-Rápido SIFILIS(17) | Wama Produtos para Laboratório Ltda. | 880 | 0 | 1 | 386 | 493 | 100 | 99,79 | 99,8 | 100 | 98,3 |
Onsite Sífilis Ab Combo(20) | CTK Biotec, Inc. | 1055 | 0 | 2 | 320 | 735 | 100 | 99,72 | 100 | 99,7 | 99,8 |
SÍFILIS BIO(18) | Quibasa -Química Básica Ltda. | 990 | 0 | 1 | 396 | 594 | 100 | 99,83 | 99,9 | 99,8 | 100 |
TR DPP Sífilis(15) | Bio – Manguinhos | 644 | 5 | 7 | 294 | 350 | 98,03 | 98,03 | 98,3 | 98,0 | 100 |
Fonte: Elaborada pelo autor. FP: falo positivo; FN: falso negativo; VP: verdadeiro positivo; VN: verdadeiro negativo; VPP: valor preditivo positivo; VPN: valor preditivo negativo; S: sensibilidade; E: especificidade; NI: não informado.
Tabela 2
Interferentes do kit descritos nas bulas de testes rápidos para o diagnóstico da sífilis adquirida.
Nome comercial do teste | Interferentes do kit |
Alere Determine Syphilis TP(19) | Não necessita de refrigeração e condições de armazenamento de 2ºC a 30ºC. Leitura e interpretação do resultado em até 15 minutos. |
DPP HIV Syphilis Assay(16) | Uso de amostras diferentes das indicadas. Armazenamento fora da temperatura de 18ºC a 30ºC. Uso do kit após a data de vencimento. Embalagem danificada. Leitura e interpretação do resultado após 25 minutos. |
Imuno-Rápido SÍFILIS(17) | Exposição do kit a temperaturas elevadas, assim como diretamente ao sol. Não congelar os componentes do kit. Placa-teste mantida fora da temperatura de 2ºC a 30ºC. Diluente armazenado fora da temperatura de 2ºC a 30ºC. Congelamento. Não utilizar após data de vencimento. Leitura e interpretação do resultado após 15 minutos. |
Onsite Sífilis Ab Combo(20) | Armazenar o teste fora da temperatura de 2ºC a 30ºC. Os controles positivos e negativos fora da temperatura de 2ºC a 8ºC. O dispositivo de teste é estável até a data de validade impressa na embalagem. Congelamento do kit ou exposição a temperaturas acima de 30ºC. Leitura e interpretação do resultado após 15 minutos. |
SÍFILIS BIO(18) | Reagentes estocados fora da temperatura entre 2ºC a 30ºC, bem como o congelamento do kit em si ou exposição a altas temperaturas, pois causa deterioração. Presença de luz e umidade. Abrir o envelope de alumínio, para retirar o cassete sem ser para o momento do uso. Danos na embalagem. Não utilizar após data de vencimento. Leitura e interpretação dos resultados após 30 minutos. |
TR DPP Sífilis(15) | Armazenamento fora da temperatura de 15ºC a 20ºC. Uso de volumes de amostra superiores ao preconizado. Uso após data de vencimento. Embalagem danificada. Leitura e interpretação do resultado após 25 minutos. |
Fonte: Elaborada pelo autor.
Tabela 3
Interferentes da amostra descritos nas bulas de testes rápidos para o diagnóstico da sífilis adquirida.
Nome comercial do teste | Interferentes da amostra |
Alere Determine Syphilis TP(19) | Não informado. |
DPP HIV Syphilis Assay(16) | Paciente em tratamento com antirretrovirais para HIV. Terapia antibacteriana no tratamento da sífilis. Armazenamento fora da temperatura adequada de 2ºC a 8ºC. Não foram verificadas reações cruzadas. |
Imuno-Rápido SÍFILIS(17) | Hemólise, lipemia, icterícia, contaminação e diluição. Múltiplos ciclos de congelamento e descongelamento. Armazenamento fora das especificações descritas. Amostras conservadas inadequadamente em geladeira fora da temperatura de 2ºC a 8ºC. Amostras congeladas em freezer fora da temperatura de -20ºC (soros e plasmas). Congelar amostras de sangue total. |
Onsite Sífilis Ab Combo(20) | Lipemia severa, hemólise ou turbidez. No armazenamento mais prolongado, as amostras congeladas acima de -20ºC. Múltiplos ciclos de congelamento e descongelamento. Amostras de sangue total armazenadas em refrigeração fora a temperatura de 2ºC a 8ºC, quando não testadas imediatamente. Testadas imediatamente após 24 horas de coleta. |
SÍFILIS BIO(18) | Hemólise com valores de hemoglobina até 10g/L não interfere na dosagem de sífilis. Não foram encontradas interferências significativas até 30g/L de lipídios, 0,2g/L de bilirrubina e 60g/L de proteínas. Não foi verificada nenhuma reação cruzada com HBsAg, HCV e HIV Amostras conservadas fora da temperatura de 2ºC a 8ºC por mais de 3 dias. Armazenamento após 3 dias, acima de -20ºC. |
TR DPP Sífilis(15) | Não foi verificada reação cruzada com anticorpos do HIV. Armazenamento fora da temperatura de 15ºC a 30ºC. Múltiplos ciclos de congelamento e descongelamento. |
Fonte: Elaborada pelo autor (2022).
DISCUSSÃO
Para a escolha de um teste com fins de diagnóstico é preciso estabelecer uma relação doença-teste, custo-benefício e as características do teste, como valores de sensibilidade e especificidade.(9) De acordo com o Boletim Epidemiológico de Sífilis de 2021, no período de 2010 a junho de 2021 foram notificados mais de 917.473 casos de sífilis adquirida no Brasil.(12) Para a utilização dos testes rápidos no país, o Ministério da Saúde estabelece valores mínimos sobre os parâmetros contidos nas bulas, sendo a sensibilidade de 94,5% e especificidade de 93%.(12)
Todas as bulas analisadas no presente estudo apresentaram valores de sensibilidade e especificidade superiores a 98%, sendo esses parâmetros de grande importância, visto que a sensibilidade é a porcentagem de resultados VP e a especificidade a porcentagem de resultados VN.(13) Um teste que possui 100% de sensibilidade e especificidade remete a ideia de maior eficiência, mas esta situação não é a ideal, pois sensibilidade e especificidade são parâmetros contrários. Os dois parâmetros devem apresentar valores diferentes, pois a sensibilidade sendo alta se sobressai em relação à especificidade, detectando mais cedo a presença de anticorpos contra o Treponema pallidum, podendo apresentar resultados FP visto possíveis interferências, como as reações cruzadas. O teste mais adequado deve ser aquele que possui alta sensibilidade e uma especificidade coerente.(14)
Das bulas analisadas, o teste que apresentou menor sensibilidade foi o TR DPP Sífilis,(15) com 98,3%. Três testes, sendo eles DPP HIV Syphilis Assay,(16) Imuno-Rápido SÍFILIS(17) e SÍFILIS BIO,(18) apresentaram sensibilidade de 99,1%, 99,8% e 99,9%, respectivamente. Os testes Alere Determine Syphilis TP(19) e Onsite Sífilis Ab Combo(20) informam sensibilidade de 100%. Quanto ao parâmetro especificidade, três testes apresentaram o valor de 100%, sendo eles Alere Determine Syphilis TP,(19) DPP HIV Syphilis Assay(16) e Imuno-Rápido SÍFILIS.(17) A menor especificidade verificada foi a do teste TR DPP Sífilis (15) com 98,0%, estando acima do critério mínimo de 94% estabelecido pelo Ministério da Saúde. Os testes apresentam variação dos parâmetros entres os fabricantes, porém, de acordo com o Manual Técnico para o Diagnóstico da Sífilis, todos os testes se enquadram acima dos valores mínimos necessários para que o teste tenha qualidade, referente a estes parâmetros.(12)
No presente estudo foi verificado que apenas o teste Alere Determine Syphilis TP(19) possui 100% de sensibilidade e especificidade, sendo similar a um estudo realizado por Bocoum et al.,(21) em Burkina Faso, no continente africano. O estudo avaliou a sensibilidade e especificidade de quatro testes rápidos, incluindo o teste Alere Determine Syphilis TP,(19) comparando os resultados com um teste padrão ouro, e avaliou as características operacionais dos testes entre os profissionais da saúde em uma maternidade. Quando analisada a Tabela 1, é possível verificar que dentre os testes estudados o Alere Determine Syphilis é o com menor quantidade de informações disponíveis, não apresentando diversos parâmetros utilizados para inferir a qualidade do mesmo, como por exemplo a acurácia, entretanto como demonstrado por Bocoum et al.,(21) o teste Alere Determine Syphilis TP(19) foi o mais sensível entre os quatro testes rápidos avaliados, com 93% de sensibilidade e 98% de especificidade.(21)
A avaliação da acurácia é feita através da comparação do resultado do teste com a acurácia de um teste padrão-ouro.(22) Os testes DPP HIV Syphilis Assay,(16) SÍFILIS BIO(18) e TR DPP Sífilis(15) apresentaram acurácia de 100%. Os testes Imuno-Rápido SÍFILIS(17) e Onsite Sífilis Ab Combo(20) apresentaram valor de acurácia acima de 98%. Estudos mostram que quanto mais próximo de 100%, melhor a eficiência do teste utilizado.(22)
Os VPP e VPN de um teste dependem da prevalência da doença investigada na população, ou seja, a porcentagem de indivíduos doentes ou não em uma população.(16) Cinco testes apresentaram 100% de VPP, sendo eles Alere Determine Syphilis TP,(19) DPP HIV Syphilis Assay,(16) Imuno-Rápido SÍFILIS,(17) Onsite Sífilis Ab Combo(20) e SÍFILIS BIO.(18) Quanto ao VPN, cinco testes apresentaram valores acima de 98%, e apenas um teste não fornece informações suficientes para a obtenção deste parâmetro. Foi observado que o menor valor de VPN encontrado está no teste TR DPP Sífilis(15) assim como o valor de VPP, apresentando o mesmo valor de 98,03% para os dois parâmetros. Estudos mostram que a variável distribuição da prevalência da sífilis pode estar ligada a diferentes cepas da bactéria, como também pode estar relacionada à população estudada, sendo o ideal testar na população onde o teste será aplicado.(23)
É interessante destacar que o teste DPP HIV Syphilis Assay(16) além de detectar a presença da infecção, confere a capacidade de detecção nas fases da sífilis primária, primária não tratada, secundária, secundária não tratada, latente e latente não tratada. Das 121 amostras analisadas, 120 foram reagentes. Comparadas a outros testes, confirmam como reativas as 121 amostras testadas, ou seja, apenas 1 resultado do teste DPP HIV Syphilis Assay(19) foi não reagente, sendo este referente a fase secundária não tratada.
Foi observado que o teste TR DPP Sífilis(15) possui o maior número de resultados FP (n= 5) e FN (n= 7), sendo 644 o número total de amostras analisadas, ou seja, das 644 amostras avaliadas, 5 indicaram a presença da infecção em pacientes que não possuem a doença e 7 indicaram ausência da infecção em pacientes infectados. O teste também possui o mesmo valor de 98,03% para VPP e VPN. Se a prevalência for alta, o número de infectados é superior ao número de indivíduos saudáveis, portanto, os valores de VP e VN serão superiores aos valores de FP e FN. Se a prevalência for baixa, o número de indivíduos saudáveis é superior aos de infectados, portanto os valores FP e FN serão superiores a VP e VN.(24) Os fabricantes não informam os locais onde foram realizados os testes.
Um estudo realizado em São Paulo no ano de 2014 estimou a prevalência de 7,0% de sífilis em moradores de rua e avaliou a viabilidade do uso de testes rápidos nessa população. Foram incluídos 1.405 voluntários no estudo. A taxa de prevalência de 7,0 % da sífilis esteve associada a práticas homossexuais com história prévia de IST e raça autorreferida não branca. A sensibilidade do teste rápido utilizado foi de 81,4% e especificidade de 92,1%. O estudo mostra a importância do uso de testes rápidos com boa sensibilidade e especificidade para diagnosticar essa população.(25) Saber qual a população analisada na avaliação do desempenho de um teste rápido é essencial para que então se possa direcionar o uso de testes rápidos e criar estratégias de controle no combate à sífilis.(25) Apesar de os testes rápidos apresentarem alta sensibilidade, podem ocorrer resultados FP ou FN consequentes a interferências do kit ou da amostra. Cinco testes informam comumente que o armazenamento inadequado, ciclos de congelamento e descongelamento, uso do material após o vencimento e leitura do resultado após o tempo estimado são fatores que podem causar interferências.(25)
Os testes Imuno-Rápido SÍFILIS,(17) Onsite Sífilis Ab Combo(20) e SÍFILIS BIO(18) informam que o armazenamento fora da temperatura de 2ºC a 30ºC pode causar interferências. Dois testes informam temperaturas diferentes no armazenamento, sendo eles DPP HIV Syphilis Assay,(17) que relata interferências fora da temperatura de 18ºC a 30°C, e o TR DPP Sífilis,(15) fora da temperatura de 15ºC a 20°C. Quanto ao tempo de leitura do resultado, os testes Alere Determine Syphilis TP,(19) Imuno-Rápido SÍFILIS(17) e Onsite Sífilis Ab Combo(20) informam que a leitura do resultado após 15 minutos causa interferências e consequente alteração na interpretação.
Já os testes DPP HIV Syphilis(16) e TR DPP Sífilis(15) informam leitura do resultado após 25 minutos como fator de interferência. O teste SÍFILIS BIO(18) cita que a leitura após 30 minutos do teste pode causar interferências. O teste Alere Determine Syphilis TP(19) informa apenas que seu kit não necessita de refrigeração e armazenamentos em temperaturas 2ºC a 30°C e que a leitura do resultado deve ser feita em até 15 minutos. Estudos revelam que a exposição da amostra e do kit a temperaturas inadequadas pode deteriorar o material biológico, assim como a leitura após o tempo estimado pode alterar a função imunológica da amostra e prejudicar o desempenho do teste.(26)
Tanto a hemólise quanto a lipemia são fatores citados nos testes Imuno-Rápido SÍFILIS e Onsite Sífilis Ab Combo como interferentes de amostra.(17,20) O teste SÍFILIS BIO(20) indica que a hemólise em seu teste causa interferência em dosagens a partir de 10g/L e lipemia acima de 30g/L. O teste também cita que não foram verificadas interferências decorrentes de anticorpos contra o HIV, HbsAg e HCV. O teste Alere Determine Syphilis TP(19) não informou interferentes da amostra.
De acordo com a literatura, a membrana do teste rápido em que se insere a amostra é feita de nitrocelulose e atua filtrando os glóbulos vermelhos do sangue, vistos como elementos de interferência.(27) Entretanto, mesmo com a membrana agindo como um filtro, não se descarta a possibilidade de resultados FP e FN na presença de hemólise, lipemia e de anticorpos decorrentes da resposta a outras situações que podem causar reações cruzada.(27)
Os fatores pré-analíticos, como a qualidade da amostra biológica antes do processamento, podem causar variabilidade nos resultados do teste aplicado, assim como a falta de qualificação profissional para a execução dos testes rápidos. No estudo realizado por Abdalla et al. (2016), foi analisada uma amostra composta por 59 pessoas, divididas em dois grupos. No questionário aplicado, a pergunta referente à prevenção da hemólise das amostras mostrou que 95,8% do grupo de profissionais composto por técnicos em análises clínicas e enfermagem, sendo estudantes de Biomedicina e Enfermagem, souberam responder. A mesma pergunta foi aplicada ao outro grupo, composto de estudantes graduandos em Biomedicina e Enfermagem, e 50% erraram. O estudo ressalta a importância do conhecimento dos profissionais e estudantes sobre a fase pré-analítica, fase esta em que ocorrem erros causadores de interferências nos resultados, como a hemólise citada nos testes rápidos verificados.(28)
Das seis bulas analisadas, nenhum dos testes rápidos apresentou informações sobre o período de janela imunológica, essencial para a detecção dos anticorpos, visto que a sífilis possui fases em que a produção de anticorpos varia, sendo determinante para a escolha do teste diagnóstico a ser utilizado. O Ministério da Saúde afirma que o HCV possui uma janela imunológica que pode equivaler a um período de até 90 dias, portanto seria importante que todas as bulas citassem um limite de detecção.(29)
É importante salientar que além dos interferentes em comum, foi observado que apenas o teste DPP HIV Syphilis Assay(16) pode ser utilizado também no diagnóstico do HIV. O teste informa que os pacientes em tratamento com antirretrovirais para HIV ou terapia antibacteriana no tratamento da sífilis podem causar interferências.
Essas interferências podem ocorrer em razão da quantidade reduzida de anticorpos em resposta ao tratamento combatente ao agente infeccioso. Logo, o resultado não reagente de um teste seguido destas situações, ou resultados FN, não exclui a possibilidade de existência da infecção, mas apesar dessa possibilidade o teste não verificou a presença de interferências.
O teste TR DPP Sífilis(15) informa apenas que não foram detectadas reações cruzadas com anticorpos do HIV. As reações cruzadas associadas ao HIV podem ser observadas em testes não treponêmicos, como o VDRL (Venereal Disease Research Laboratory), em que se apresentaria uma titulação muito alta ou muito baixa dos anticorpos da sífilis, causando variações consecutivas nos resultados, podendo levar a resultados FN e dificultando o diagnóstico.(30) Metade dos testes não informa sobre reações cruzadas, sendo citadas em apenas três testes como possíveis interferentes decorrentes de infecções virais e que não foram detectados.
Os testes não treponêmicos positivam com mais tempo de infecção, como no final da fase primária e início da fase secundária da sífilis.(30) Com tratamento adequado, as titulações vão diminuindo, podendo ter títulos baixos em fases da sífilis latente, terciária e tardia.(16) Já os testes rápidos treponêmicos são os primeiros a positivarem logo nos primeiros dias de infecção, porém os testes realizados em pacientes já curados, assim como os em tratamento adequado para a sífilis, permanecerão reagentes pelo resto da vida, caracterizando uma cicatriz sorológica e limitando o uso de testes rápidos no monitoramento da doença.(14,30)
CONCLUSÃO
De acordo com os resultados analisados, conclui-se que os testes rápidos para o diagnóstico da sífilis adquirida apresentaram sensibilidade e especificidade dentro dos critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde. Os parâmetros de acurácia, VPP e VPN encontram-se altos para os testes que forneceram informações suficientes para a obtenção destes valores. Com relação aos interferentes do kit, a maioria dos testes refere-se a temperaturas variadas, validade, danos na embalagem, ciclos de congelamento e descongelamento e leitura do resultado após o tempo estimado, assim como à hemólise e à lipemia das amostras, citadas em quase todos os testes rápidos como interferentes. O valor dos resultados FP em sua maioria foram nulos e os valores FN foram baixos. O valor dos resultados VN encontram-se superiores aos valores de resultados VP.
O fato de cada fabricante utilizar um número total de amostras diferentes e um teste não informar esses parâmetros, impossibilita a avaliação da qualidade do teste e a obtenção de resultados fidedignos e reais na sua utilização. Frente a estes fatores, é importante ressaltar a necessidade de mudança na padronização dos critérios estabelecidos pela ANVISA para o registro e consequente comercialização dos testes rápidos no país. Além de fiscalizar e determinar um padrão de aprovação, para que, assim, todos os testes registrados tenham os mesmos critérios, podendo ser analisados frente a um número mínimo e máximo de amostras analisadas e comparar os valores de VP e VN, trazendo maior fidelidade aos resultados e melhor atendimento à população.
REFERÊNCIAS
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Correspondência
Allyne Cristina Grando
E-mail: [email protected]