Alterações laboratoriais em gestantes e puérperas com diagnóstico confirmatório de COVID-19

Vaccination in pregnant, puerperal and lactating women

 

Jéssica Sales Araújo de Albuquerque1
José Nilson Ferreira Gomes Neto2
Hannah Iorio Dias3
Mariana de Oliveira Brizeno4
Francisco Cardoso dos Santos Neto5
Francisca Jéssica Magalhães Timbó1
Jeanine Morais Pereira1

1Residente em atenção hospitalar à saúde com ênfase em saúde da mulher e da criança no Complexo Hospitalar da UFC e graduada em Farmácia pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil.
2Mestre em Ciências Farmacêuticas e graduado em Farmácia com Habilitação em Análises Clínicas, pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Farmacêutico do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (CH/UFC-EBSERH). Fortaleza, CE, Brasil.
3Mestrado em Saúde da Mulher e da Criança pela UFC (2018) e graduada em Farmácia pela Universidade Federal do Ceará – UFC – (2004). Farmacêutica do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (CH/UFC-EBSERH). Fortaleza, CE, Brasil.
4Mestre em Ciências Farmacêuticas (2004) e graduada em Farmácia pela Universidade Federal do Ceará (2000). Fortaleza, CE, Brasil. Farmacêutica do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (CH/UFC-EBSERH). Fortaleza, CE, Brasil.
5Residente em atenção hospitalar à saúde com ênfase em saúde da mulher e da criança no Complexo Hospitalar da UFC e graduado em Farmácia pela Universidade Federal do Piauí (2019). Teresina, PI, Brasil.

Recebido em 10/03/2021
Aprovado em 29/04/2021
DOI: 10.21877/2448-3877.202102090

 

INTRODUÇÃO

 

Coronavírus é um RNA vírus zoonótico, da ordem Nidovirales e família Coronaviridae. Esta é uma família de vírus responsável por processos infecciosos no trato respiratório, isolados pela primeira vez em 1937.(1)

Em dezembro de 2019 ocorreu o primeiro caso de uma pneumonia atípica, posteriormente associada a um agente etiológico conhecido como novo Coronavírus, SARS-CoV-2, identificado em Wuhan, na China, no dia 31 de dezembro.(2)

Desde então, os casos começaram a se espalhar rapidamente pelo mundo, iniciando no continente asiático e com disseminação praticamente imediata por outros países. Em fevereiro, a COVID-19, nome dado à doença causada pelo SARS-CoV-2, chamou atenção pelo aumento exponencial de novos casos e mortes no Irã e na Itália, além do colapso dos sistemas de saúde.(1)

A transmissão do SARS-CoV-2 de pessoa para pessoa se dá por meio da autoinoculação do vírus em membranas mucosas (nariz, olhos ou boca) e do contato com superfícies inanimadas contaminadas, o que alerta para a necessidade de adoção rápida e preventiva de medidas de proteção humana, a fim de impedir a propagação da doença entre as pessoas.(3) A sintomatologia da COVID-19 é ampla e pode variar desde quadros gripais leves, incluindo tosse, coriza e dores de garganta, até pneumonias severas, com necessidade de ventilação mecânica ou auxílio respiratório.(1)

A partir da observação clínica e epidemiologia da doença, os indivíduos idosos e acometidos por condições clínicas preexistentes (como hipertensão, cardiopatias, doenças pulmonares, câncer) foram elencados como a população mais suscetível a desenvolver quadros severos de COVID-19. Nesse contexto, o Ministério da Saúde incluiu, por meio da nota técnica número 12 do presente ano, gestantes e puérperas na população considerada de risco para a doença.(4)

Os Coronavírus podem causar resultados adversos graves na gestação, como aborto espontâneo, parto prematuro, restrição de crescimento intrauterino e morte materna. Apesar da transmissão vertical do SARS-CoV-2 ainda não ter sido completamente elucidada, a transmissão perinatal foi suspeita em um relato de caso publicado na literatura.(4)

O diagnóstico preciso da COVID-19 é dado através do teste molecular para o SARS-CoV-2, coletando amostras obtidas por swab nasofaríngeo para identificação do vírus (preferencialmente realizado entre o terceiro e sétimo dia após início dos sintomas) ou testes sorológicos para identificação de anticorpos (após o sétimo dia de sintomatologia).(1)

No entanto, a partir da experiência clínica e relatos internacionais, a doença foi percebida como multissistêmica, capaz de atingir diversos órgãos e tecidos e apresentar manifestações além das respiratórias, incluindo distúrbios de coagulação, injúria miocárdica, falência múltiplas de órgãos, entre outros.(2)

Associadas aos exames diagnósticos, as análises laboratoriais complementares possibilitam avaliar a evolução, surgimento e progressão de disfunções orgânicas, assim como acompanhamento da melhora ou deterioração clínica do paciente. Através dos parâmetros bioquímicos e hematológicos, pode-se nortear a conduta multiprofissional, reavaliar diariamente a necessidade e eficácia da terapia medicamentosa, bem como planejar racionalmente as abordagens ao paciente.(5)

 

OBJETIVOS

Gerais

Analisar as alterações de exames laboratoriais de gestantes e puérperas com diagnóstico laboratorial de COVID-19 atendidas em uma maternidade de referência em Fortaleza/Ceará, no período de março a outubro de 2020.

 

Específicos

Descrever o perfil clínico e epidemiológico de gestantes e puérperas diagnosticadas com COVID-19 na instituição e descrever os desfechos clínicos vivenciados pelas mulheres diagnosticadas com COVID-19.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Trata-se de um estudo retrospectivo, descritivo, com abordagem quantitativa, envolvendo análise de dados dos exames laboratoriais de pacientes com diagnóstico confirmatório para COVID-19 no período de março a outubro de 2020. Os dados foram coletados a partir dos resultados de exames obtidos nas plataformas institucionais, revisão de dados e evoluções do prontuário físico e eletrônico. As variáveis analisadas foram os parâmetros hematológicos (eritrograma, leucograma, plaquetograma, coagulograma, dímero-D, fibrinogênio) e bioquímicos das pacientes (marcadores de função renal, hepática, proteína C reativa, eletrólitos, ferritina, creatinofosfoquinase, bilirrubina total e frações, lactato desidrogenase, colesterol total e frações), idade, data de diagnóstico, desfecho clínico.

Foram incluídas na pesquisa todas as pacientes com diagnóstico laboratorial positivo para COVID-19 através de swab nasofaríngeo com detecção de SARS-CoV-2, testes rápidos ou sorologia com identificação de anticorpos IgM, atendidas na instituição no período entre março e outubro de 2020. Foram excluídas do estudo as pacientes cujos laudos diagnósticos de COVID-19 não puderam ser encontrados nos prontuários ou plataformas institucionais. Os dados foram armazenados no programa Microsoft Excel 2013 e, posteriormente, submetidos à análise estatística descritiva simples, sendo apresentados sob a forma de gráficos e tabelas.

 

ÉTICA

 

O estudo foi projetado de acordo com as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução n° 466/12 do Conselho Nacional de Saúde – CNS, 1996) e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) sob o parecer de número 4.246.813.

 

RESULTADOS

 

Durante o período de março a outubro, foram notificadas no Núcleo de Vigilância Epidemiológica (NUVE) da instituição, 43 pacientes com diagnóstico confirmatório por teste rápido com IgM e swab nasofaríngeo com detecção de SARS-CoV-2.

As notificações foram classificadas quanto à gravidade do quadro respiratório como síndrome gripal (SG) ou síndrome respiratória aguda grave (SRAG). A síndrome gripal era caracterizada por pelo menos dois dos seguintes sintomas: febre (mesmo que referida), calafrios, dor de garganta, dor de cabeça, tosse, coriza, distúrbios olfativos ou distúrbios gustativos. Para classificação de SRAG, seria um indivíduo com síndrome gripal que apresentasse: dispneia/desconforto respiratório OU pressão persistente no tórax OU saturação de O2 menor que 95% em ar ambiente OU coloração azulada dos lábios ou rosto.

Em relação às características dessa população, a faixa etária média do grupo com SG foi de 27,8 anos e 24,7 para SRAG.

fig1

Gráfico 1. Estratificação das pacientes quanto à sintomatologia do quadro respiratório.

 

 

Conforme demonstrado no Gráfico 1, 26 (60%) pacientes apresentaram SG e 17 (40%) SRAG. Três pacientes foram excluídas da análise dos exames laboratoriais por não apresentarem nenhum registro de exame na instituição durante o período de internação. No grupo de SRAG ocorreram dois óbitos, representando 5% da amostra total de pacientes.

Em relação à presença/ausência de comorbidades, 46,2% das pacientes com SG apresentaram pelo menos uma, entre elas: asma, diabetes mellitus gestacional, síndrome HELLP, hipertensão arterial e insuficiência renal. No grupo com SRAG, 58,8% das pacientes eram acometidas por pelo menos um dos seguintes fatores: obesidade, diabetes mellitus gestacional, insuficiência renal, asma, hipertensão gestacional.

Conforme descrito na Tabela 1, entre as pacientes classificadas com síndrome gripal, todas as que apresentaram leucocitose (76,2%) cursaram com neutrofilia (>7500/mm³), com 28,6% dessas apresentando desvio à esquerda e presença de mais de 500 bastonetes por milímetro cúbico no leucograma. Considerando as pacientes de SRAG com leucocitose, 78,6% apresentaram neutrofilia sem desvio à esquerda.

 

 

Tabela 1 – Parâmetros hematológicos das pacientes com COVID-19.

  Síndrome gripal SRAG
  Diminuído

N

(%)

Normal

N

(%)

Elevado

N

(%)

Diminuído

N

(%)

Normal

N

(%)

Elevado

N

(%)

Hemoglobina

(Referência: 12-16 g/dL)(6)

16

(69,7%)

7

(30,3%)

13

(76,4%)

4

(23,6%)

Hematócrito

(Referência: 36%-45%)(6)

17

(79,3%)

6

(20,7%)

12

(70,6%)

4

(23,6%)

1

(5,8%)

Leucócitos

(Referência: 4000-11000 /mm³)(6)

5

(23,8%)

16

(76,2%)

3

(17,7%)

14

(82,3%)

Contagem de plaquetas

(Referência: 150.000-450.000/mm3)(6)

9

(39,1%)

13

(56,5%)

1

(4,4%)

6

(35,3%)

9

(52,9%)

2

(11,8%)

 

 

A linfopenia (< 800 linfócitos/mm³)(6) foi observada em 66,7% das pacientes com SG e 64,7% em SRAG. As contagens de monócitos (referência: 80-1000/mm³),(6) basófilos (referência: 0-150/mm³)(6) e eosinófilos (referência: 40-600/mm³)(6) mantiveram-se dentro da normalidade nos dois grupos de pacientes.

No grupo com SG, a função renal foi avaliada em 21 pacientes (86,9% da amostra total). Dessas, 61,9% apresentam valores normais de ureia e creatinina (considerando valores de referência entre 10 e 50 mg/dL para ureia e 0,6 a 1,1 mg/dL para creatinina);(6) 19,05% apresentaram prejuízo da função renal com valores elevados desses parâmetros e 19,05% apresentaram valores abaixo dos de referência. No outro grupo de pacientes, foram avaliadas 14 mulheres (82,4% da amostra total). Dessas, 71,4% apresentam valores normais de ureia e creatinina e 28,6% apresentaram prejuízo da função renal com valores aumentados. As alterações de transaminases hepáticas foram mais evidenciadas no grupo com síndrome gripal, o que pode ser justificado também pelo maior número de pacientes avaliadas (16) em relação às com SRAG (12).

A gama-glutamiltransferase (GGT ou gama GT) é uma enzima que se encontra em diversos órgãos do corpo, como rim, fígado, vesícula biliar, baço e pâncreas. Entre estes, o fígado é a principal fonte de GGT no sangue, contribuindo na avaliação da função hepática. Apesar dos valores expressivos encontrados no presente estudo, ressalta-se a limitação da coleta ter sido realizada em apenas quatro pacientes (duas de cada grupo), o que pode não representar fielmente o comportamento do parâmetro no restante do grupo. As bilirrubinas foram avaliadas em oito pacientes com SG e em duas com SRAG, apresentando-se elevadas em apenas uma paciente (Gráfico 2).

Em relação aos parâmetros para avaliação de coagulação e marcadores de inflamação/infecção utilizados na COVID-19, foram observados resultados conforme demonstrados no Gráfico 3.

 

fig2

Gráfico 2. Alterações em parâmetros de função renal e hepática nas pacientes avaliadas.

fig3

Gráfico 3. Percentual de alteração em marcadores inflamatórios e parâmetros de coagulação.

 

 

A proteína C reativa (valor de referência: 0 a 0,5 mg/dL),(6) considerada importante marcador de fase aguda, apresentou-se elevada na maioria das pacientes nos dois grupos analisados, ratificando a importância de sua análise em detrimento da pouca especificidade. A análise do lactato, realizada mediante dosagem sérica e em gasometrias arteriais, representa importante instrumento para análise da perfusão tecidual de oxigênio, tendo sido realizada em duas pacientes de cada grupo e alterada apenas naquelas com diagnóstico de síndrome gripal.

Os coagulogramas das pacientes avaliadas apresentaram poucas e divergentes alterações, com redução da atividade do tempo de atividade de protrombina (TAP), ou seja, menor que 70%)(6) em 37,5% das mulheres com SG e 8,3% na SRAG. O tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) e INR (referência: menor ou igual a 1,2)(6) estiveram alterados em 37,5% no grupo classificado com SG; enquanto na SRAG, 16,07% e 8,03% apresentaram elevação de TTPA (valor de referência: menor ou igual a 1,3)(6)e INR, respectivamente.

No grupo com SG, o fibrinogênio (valor de referência: 180-350 mg/dL)(6) foi avaliado em 11 pacientes, revelando-se elevado em 81,8% dessas. A dosagem de ferritina (valor de referência: 9-148 ng/mL)(6) foi solicitada para nove pacientes, com aumento em 77,8% dessa população. Para as mulheres com SRAG, o fibrinogênio foi avaliado em sete pacientes, estando elevado em 85,7% delas; a dosagem de ferritina foi solicitada para seis pacientes, com aumento em 33,3% dessa população.

O dímero-D ou D-dímero, uma das grandes apostas dos pesquisadores para avaliação de prognóstico da doença e coagulação intravascular disseminada (CID), foi o parâmetro com alteração mais uniforme entre os grupos, alterado (>0,5 ug/mL) em 100% das pacientes avaliadas (sete de cada grupo).

Percebeu-se pouca alteração, em comparação aos valores de referência, nos níveis séricos de sódio, potássio, magnésio, cálcio e fósforo, ocorrendo apenas uma pequena incidência de episódios de hipocalemia e hiponatremia. Uma limitação na análise dos eletrólitos foi a solicitação desse exame em uma pequena parcela das pacientes avaliadas.

Outros parâmetros avaliados nas pacientes internadas com SG e SRAG foram a lactato desidrogenase (LDH) e creatinofosfoquinase (CPK), conforme demonstrado na Tabela 2. A CPK é útil para ajudar no diagnóstico de doenças como infarto, insuficiência renal ou pulmonar, dentre outras. Em associação com a LDH e troponina auxilia na triagem de problemas cardíacos ou de alterações hepáticas, sendo também solicitada a dosagem de TGO/ AST (Transaminase Oxalacética/ Aspartato Aminotransferase), TGP/ ALT (Transaminase Glutâmico Pirúvica/ Alanina Aminotransferase) e GGT (gama-glutamiltransferase).

 

Tabela 2 – Valores de CPK e LDH das pacientes com COVID-19.

  Síndrome gripal SRAG
  Diminuído

N

(%)

Normal

N

(%)

Elevado

N

(%)

Diminuído

N

(%)

Normal

N

(%)

Elevado

N

(%)

CPK (Referência: < 170 mg/dL)(6) 6

(75%)

2

(25%)

2

(33,3%)

4

(66,7%)

LDH (Referência: 230-460 U/L)(6) 4

(30,8%)

9

(69,2%)

2

(25%)

6

(75%)

 

 

 

Devido à importância clínica e incidência no grupo de gestantes, alguns dados foram cruzados com o diagnóstico de síndrome HELLP, que pode representar importante fator confundidor na análise das alterações laboratoriais atribuídas à COVID-19. Esta síndrome representa uma das formas graves dos transtornos hipertensivos gestacionais, sendo um acróstico para os critérios estabelecidos para sua presença: hemólise (hemolysis), elevação das enzimas hepáticas (elevated liver enzymes) e plaquetopenia (low platelets).

Como demonstrado na Figura 1, grande parte das alterações relacionadas à hemólise, a dano hepático e à plaquetopenia, condições observadas nas pacientes com SG, cursou com o diagnóstico de síndrome HELLP, inviabilizando a associação dessas alterações unicamente ao SARS-CoV-2 (Figura 2).

 

fig4

Figura 1. Alterações laboratoriais versus síndrome HELLP em pacientes com SG.

fig5

Figura 2. Alterações laboratoriais versus síndrome HELLP em pacientes com SRAG.

 

 

 

DISCUSSÃO

 

O presente estudo foi desenvolvido em uma população com parâmetros laboratoriais sensibilizados pelo processo de gestação, parto e puerpério. Como descrito nos resultados hematológicos, os dois grupos de pacientes apresentaram notória redução de hemoglobina e hematócrito, fenômeno já descrito na literatura a partir do segundo trimestre da gestação, portanto, não podem ser interpretados somente sob a ótica da COVID-19.(7)

O achado de linfopenia nos dois grupos estudados corrobora com o estudo de Huang et al.,(1) no qual foram encontradas contagens baixas de linfócitos e leucócitos na maioria dos pacientes. No entanto, em nossos resultados, evidenciou-se a leucocitose com aumento de neutrófilos nas mulheres avaliadas. GAO et al.(5) sugeriram, a partir dessa observação, que o SARS-CoV-2 pode atuar principalmente nos linfócitos, especialmente os linfócitos T, assim como o SARS-CoV. Alguns estudos sugerem que os danos aos linfócitos T podem ser um fator importante que leva às reações exacerbadas dos pacientes acometidos pela COVID-19.(8)

A trombocitopenia (redução do número de plaquetas) foi evidenciada em mais de 35% das pacientes nos dois grupos, sendo um importante indicador para avaliar o aumento do risco de doença grave e mortalidade em pacientes com COVID-19 e, portanto, deve servir como indicador clínico de agravamento da doença durante a hospitalização.(9) Entretanto, é importante ressaltar que, em nossos resultados, a plaquetopenia cursou, em mais de 50% das pacientes, com o diagnóstico de síndrome HELLP – síndrome hipertensiva da gestação que apresenta trombocitopenia entre seus achados laboratoriais.

Entre os marcadores de inflamação/infecção utilizados na COVID-19 e avaliação do coagulograma, a PCR, D-dímero e fibrinogênio apresentaram notório aumento entre as pacientes infectadas, mostrando-se como parâmetros de grande relevância na COVID-19. Wang et al. (2020) encontraram níveis mais elevados de D-dímero no grupo de pacientes internados em UTI, enquanto no presente estudo 100% das pacientes dos dois grupos apresentaram aumento do marcador.

As alterações de enzimas hepáticas mais evidenciadas no grupo com SG vão de encontro ao que Huang et al.(1) relataram em seu estudo, com maiores variações no grupo de pacientes submetidas a cuidados em unidades de terapia intensiva (UTI).

O aumento de CPK e LDH mais evidenciado no grupo de pacientes com SRAG corrobora com achado de Wang et al.,(10) no qual as pacientes em cuidados intensivos apresentaram valores mais elevados dos dois parâmetros, em comparação aos pacientes em enfermarias.

Em relação aos achados inespecíficos sobre os eletrólitos, ratifica-se o que já fora demonstrado em outros estudos, nos quais não houve representação estatística ou clinicamente significativa de alterações nas concentrações de sódio ou potássio nos pacientes com COVID-19 em estado grave/fatal em comparação aos casos leves.(11)

Uma grande limitação do estudo é a ausência de mensuração da procalcitonina, importante sinalizadora de processos infecciosos bacterianos, permitindo maior acurácia no diagnóstico e uso racional de antimicrobianos, quando devidamente evidenciada a presença de infecção.

A presença concomitante de condições obstétricas e puerperais específicas pode representar importante fator confundidor na análise dos exames, uma vez que as alterações podem ter sido causadas pela síndrome HELLP, cascata da coagulação ativada após o parto, entre outros.

Outras limitações encontradas no estudo foram: a falta de reagente para dosagem de D-dímero em algumas pacientes, a discrepância de solicitação de exames entre enfermarias e unidades de terapia intensiva (nesses coletados diariamente), a ausência de solicitação exames para avaliação bioquímica completa das pacientes analisadas.

 

CONCLUSÃO

 

Durante o período de março a outubro, foram notificadas no Núcleo de Vigilância Epidemiológica (NUVE) da instituição 43 pacientes com diagnóstico confirmatório por teste rápido com IgM e swab nasofaríngeo com detecção de SARS-CoV-2. Em relação às características dessa população, a faixa etária média do grupo com SG foi de 27,8 anos e 24,7 para SRAG.

Na estratificação por grupos, 26 (60%) das pacientes apresentaram SG e 17 (40%), SRAG. Três pacientes foram excluídas da análise dos exames laboratoriais por não apresentarem nenhum registro de exame na instituição durante o período de internação. No grupo de SRAG ocorreram dois óbitos, representando 5% da amostra total de pacientes.

As alterações laboratoriais que apresentaram maior evidência na amostra estudada foram a diminuição de parâmetros do eritrograma (hemoglobina e hematócrito), plaquetopenia e leucocitose (com neutrofilia) no leucograma. Outros marcadores que demonstraram notórias variações foram PCR, D-dímero e fibrinogênio, os quais já foram bem descritos em literatura como importantes sinalizadores da gravidade e prognóstico da COVID-19.

Ressalta-se a importância da realização de novos estudos com enfoque na população gestante e puérpera, pois as consequências da doença nessa população podem afetar diretamente o binômio mãe-bebê. Além disso, através do domínio e conhecimento das alterações laboratoriais, pode-se avaliar e atuar previamente na elaboração de um desfecho favorável para essa mulher e seu filho.

 

Abstract

Objective: To analyze the changes in laboratory tests of pregnant women and postpartum women with a laboratory diagnosis of COVID-19 attended at a reference maternity hospital in Fortaleza / Ceará, from March to October 2020. Methods: This is a retrospective, descriptive study, with a quantitative approach, involving the analysis of data from laboratory tests of patients with a confirmatory diagnosis for COVID-19 in the period from March to October 2020. The data were collected from the results of tests obtained in the institutional platforms as well as data review and evolution physical and electronic medical records. Results: The patients showed a marked reduction in hemoglobin and hematocrit, leukocytosis with lymphopenia and alteration of biochemical parameters of liver function. In the sample studied, a percentage of deaths of 5% was obtained. In addition, changes in inflammation and coagulation markers were evidenced, data that corroborate with studies in the area. Conclusion: Specific changes in COVID-19 were detected in the two groups of patients, emphasizing the importance of conducting further studies focusing on the pregnant and postpartum population, as the consequences of the disease in this population can be applied directly in the mother-child binomial.

 

Keywords

Coronavirus Infections; Pregnant Women; Laboratorial Test

 

REFERÊNCIAS

  1. Brasil. Ministério da Saúde. Coronavírus: o que você precisa saber e como prevenir o contágio. BRASIL, 2020. Disponível em: https://saude.gov.br/saude-de-a-z/coronavírus. Acesso em 25 jul. 2020.
  2. Huang C et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020; 395(10223):497-506.
  3. Kampf G et al. Persistence of coronaviruses on inanimate surfaces and their inactivation with biocidal agents. J Hosp Infect [Internet], 2020.
  4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Coordenação-Geral de Ciclos da Vida. Coordenação da Saúde da Mulher. Nota Técnica Nº 12/2020-COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/M. Infecção COVID-19 e os riscos às mulheres no ciclo gravídico-puerperal: BRASIL, 2020a.
  5. Gao Y, Li T, Han M et al. Diagnostic utility of clinical laboratory data determinations for patients with the severe COVID-19. J Med Virol. 2020;92(7): 791-6.
  6. Rosenfeld Luiz Gastão, Malta Deborah Carvalho, Szwarcwald Célia Landmann, Bacal Nydia Strachman, Cuder Maria Alice Martins, Pereira Cimar Azeredo et al . Valores de referência para exames laboratoriais de hemograma da população adulta brasileira: Pesquisa Nacional de Saúde. Rev. Bras. Epidemiol. [Internet]. 2019 [cited 2020 Dec 29] ; 22( Suppl 2 ): E190003.SUPL.2. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-790X2019000300413&lng=en. Epub Oct 07,2019. https://doi.org/10.1590/1980-549720190003.supl.2.
  7. Lurie S, Mamet Y. Red blood cell survival and kinetics during pregnancy. Eur J obstet Gynecol Reprod Biol, 2000; 93(2):185-92.
  8. De Wit E, Van Doremalen, Falzarano D, Munster VJ. SARS and MERS: recent insights into emerging coronaviruses. Nat Rev Microbiol. 2016; 14(8):523-34.
  9. Giuseppe L, Mario P, Brandon MH. Thrombocytopenia is associated with severe coronavirus disease 2019 (COVID-19) infections: A meta-analysis. Clinica Chimica Acta, 2020; 506:145-8.
  10. Wang D, HU B, HU C et al. Clinical Characteristics of 138 Hospitalized Patients With 2019 Novel Coronavirus–Infected Pneumonia in Wuhan, China. JAMA, 2020; 323(11): 1061-9.
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Correspondência

Jéssica Sales Araújo de Albuquerque

Maternidade Escola Assis Chateaubriand,
Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará

Rua Coronel Nunes de Melo, S/N, Fortaleza-CE, Brasil.

E-mail: [email protected]