Adequabilidade de amostras de urina recebidas por um  laboratório de análises clínicas do noroeste do estado do  Rio Grande do Sul

Urine sample suitability received by a clinical analysis laboratory in the northwest region of Rio Grande do Sul state

 

 

Brenda da Silva1

Diovana Brondani Dal Molin1

Graziella Alebrant Mendes2

 

1Discente de Biomedicina. Universidade de Cruz Alta, RS, Brasil.

2Docente do Curso de Biomedicina. Universidade de Cruz Alta, RS, Brasil. Mestre em Patologia Geral e Experimental pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, RS, Brasil.

 

Instituição: Universidade de Cruz Alta, RS, Brasil.

 

Artigo recebido em 22/03/2016

Artigo aprovado em 06/06/2016

DOI: 10.21877/2448-3877.201600491

 

Resumo

Objetivo: O exame qualitativo de urina está entre os exames mais solicitados aos laboratórios de análises clínicas. A qualidade da amostra de urina é de extrema importância, pois influencia diretamente a fase analítica e a interpretação final do exame. O objetivo do estudo foi avaliar a adequabilidade de amostras de urina submetidas a exame qualitativo de urina em um laboratório de análises clínicas do noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Métodos: Foram incluídas no estudo amostras de urina de pacientes com requisição médica para exame qualitativo de urina, no período entre abril de 2014 e dezembro de 2015. Requisições médicas e fichas laboratoriais foram revisadas buscando-se os dados de sexo, idade, resultado de exame qualitativo de urina e urocultura. Resultados: Foram incluídos 111 pacientes, com média de idade 30,93 anos. Todas as amostras apresentaram bacteriúria em diferentes níveis, sendo moderadamente aumentada em 58 (52,3%) pacientes e aumentada em 10 (9,0%). Numerosas células epiteliais foram observadas em 26 (23,5%) casos. A presença de muco foi regular em 31 (27,8%) pacientes e grande quantidade em 35 (31,6%) amostras. Observou-se amostra pouca turva em 61 (55,0%) casos e turvas em 22 (19,8%). Conclusão: É inegável que a eliminação completa dos erros pré-analíticos é extremamente difícil, entretanto, é de fundamental importância que o paciente seja bem instruído pelo laboratório quanto aos procedimentos corretos para a coleta garantindo um resultado fidedigno e condizente com o quadro clínico do paciente.

 

Palavras-chave

Urina; Coleta de urina; Bacteriúria; Urinálise

 

INTRODUÇÃO

 

A urina caracteriza-se como um ultrafiltrado do plasma, formada nos néfrons renais e depende diretamente do fluxo sanguíneo renal, da filtração glomerular, da reabsorção glomerular e da secreção tubular, sendo constituída por aproximadamente 95% de água e 5% de solutos orgânicos e inorgânicos. A reabsorção de água e substâncias essenciais ao organismo converte em média 170.000 mL de plasma/dia filtrado em 1.200 mL de urina final.(1)

O exame qualitativo de urina (EQU) está entre os exames mais solicitados aos laboratórios de análises clínicas, sendo realizado em três etapas distintas: a análise física, química e microscópica avaliando a cor, densidade, aspecto, presença de leucócitos, bactérias, sangue, glicose, urobilinogênio, bilirrubina, nitrito e sedimentos urinários.(2-4) Este exame possui baixo custo e é realizado de maneira rápida, confiável, precisa e segura, sendo amplamente utilizado para diagnóstico de patologias, triagens de populações assintomáticas, acompanhamento de doenças e verificação da eficácia do tratamento, principalmente de doenças do trato urinário.(3,5)

Nos laboratórios de análises clínicas, todos os procedimentos, incluindo exames de urina, são divididos em fase pré-analítica, analítica e pós-analítica.(6) Guimarães et al.(7) demonstraram que a fase pré-analítica é de extrema importância para o correto processamento das amostras, influenciando diretamente na fase analítica e na interpretação final do exame. O objetivo deste estudo é avaliar a adequa­bilidade de amostras de urina submetidas a EQU em um laboratório de análises clínicas do noroeste do estado do Rio Grande do Sul.

 

Material e métodos

 

Tratou-se de um estudo transversal, observacional, prospectivo, realizado no Laboratório de Análises Clínicas (LAC) da Universidade de Cruz Alta, Rio Grande do Sul. Foram incluídas no estudo amostras de urina de pacientes com requisição médica para EQU, no período entre abril de 2014 e dezembro de 2015. A amostra seguiu o procedimento de rotina realizado no LAC e não houve realização de exames adicionais. Os pacientes foram orientados a realizar higiene da região urogenital e coletar a primeira amostra de urina da manhã de jato médio em frasco próprio para o exame. As requisições médicas e fichas labo­ratoriais foram revisadas buscando-se os dados de sexo, idade, EQU e urocultura. Os parâmetros avaliados foram as células epiteliais, bacteriúria, turbidez e filamentos de muco. A turbidez foi avaliada de forma macroscópica, com amostra homogeneizada e em ambiente de boa iluminação. Conforme o grau de opacidade, classificou-se a turbidez em límpida, pouco turva e turva. Demais parâ­metros foram avaliados de forma semiquantitativa, seguindo a norma ABNT NBR 15.268:2005, que regulamenta a realização dos exames de urinálise. Para análise da bacteriúria e células epiteliais foi realizada avaliação em 10 campos microscópicos com ampliação de 400X e 100X, respectivamente. Calculou-se a média, sendo os resultados expressos da seguinte maneira: bacteriúria ausente (0\campo), rara (1-10\campo), moderadamente aumentada (11-99\campo) e aumentada (> 99\campo) e células epiteliais raras (até 3\campo), algumas (4-10\campo) e numerosas (>10\campo). O muco foi classificado em ausente, pequena, regular e grande quantidade de fila­mentos. A análise estatística foi realizada utilizando-se o software estatístico Statistical Package for the Social Sciences IMB SPSS©2.0.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Cruz Alta, conforme parecer 1.025.535. Todos os procedimentos seguidos pelo presente estudo estavam em consonância com os princípios éticos aceitos pelas normativas nacional (Resolução CNS 196\96) e internacional (Declaração de Helsinki\World Medical Association).

 

Resultados

 

A amostra deste trabalho foi de 111 pacientes, dentre eles 68 (61,3%) eram mulheres e 43 (38,7%) eram homens. Os pacientes estavam na faixa etária de 0 a 75 anos de idade, sendo que a média destas idades foi de 30,93 anos (Desvio Padrão 16,206). Em relação à presença de bactérias, todas as amostras apresentaram bacte­riúria em diferentes níveis, sendo rara bacteriúria em 43 (38,7%) casos, moderadamente aumentada em 58 (52,3%) pacientes e aumentada em 10 (9,0%) amostras. Quanto à presença de células epiteliais (pavimentosas e transi­cionais), observaram-se raras células em 45 (40,5%) casos, algumas em 40 (36,0%) pacientes e numerosas em 26 (23,5%) casos. A presença de muco foi ausente em 18 (16,2%) casos, pequena quantidade em 27 (24,4%), quantidade regular em 31 (27,8%) e grande quantidade em 35 (31,6%). Quanto à turbidez, observaram-se amostras límpidas em 28 (25,2%) casos, pouco turva em 61 (55,0%) e turvas em 22 (19,8%). A urocultura mostrou-se negativa em 53 (47,8%) casos e positiva em 8 (7,2%), enquanto que em 8 (7,2%) casos verificou-se contaminação e em 42 (37,8%) casos não havia requisição médica de urocultura. Os dados estão descritos de acordo com as Tabelas 1 e 2.

 

1

 

2

 

Discussão

 

Dentre as fases de análise dos testes laboratoriais, destaca-se a fase pré-analítica, etapa que está mais sujeita a procedimentos errôneos, uma vez que depende praticamente de procedimentos manuais e ocorre principalmente fora do laboratório clínico.(8) Esta fase compreende a coleta, manipulação, processamento, entrega da amostra para analisadores e armazenamento quando não é processado na chegada ao laboratório.(3)

Estudos têm mostrado que 46% a 70% dos erros de laboratório ocorrem nesta fase e podem acarretar em resultados imprecisos, dificultando o diagnóstico clínico.(9) Delanghe e Speeckaert(8) apontam a grande importância em concentrar esforços na fase pré-analítica, a fim de que se obtenha uma melhor confiabilidade dos resultados labora­toriais. Dentre os principais erros da fase pré-analítica destacam-se o preparo do paciente (higiene, jejum, abstinência sexual), identificação das amostras, contaminações, transporte e armazenamento inadequado das amostras.

As amostras para urinálise devem ser colhidas livre de contaminação interna e externa. Para isso recomenda-se higiene da região urogenital com água e sabonete antes da coleta, sendo necessário colher o jato médio de urina a fim de minimizar contaminantes da uretra e região genital. Além disso, recomenda-se o uso de frasco próprio para coleta, o qual é geralmente oferecido pelo laboratório. Devem-se evitar relações sexuais por pelo menos 24 horas antes da coleta da amostra devido às quantidades aumentadas de proteínas e células epiteliais. A urina masculina pode ainda estar contaminada por fluidos prostáticos, enquanto que, em mulheres, podem-se encontrar secreções vaginais ou mesmo contaminação com sangue menstrual.(10)

A bacteriúria é um dos critérios mais considerados para o diagnóstico de infecção do trato urinário e se relaciona com a positividade da urocultura. A falta de cuidados de assepsia durante a coleta de urina causa aumento na quantidade de bactérias na amostra, podendo produzir resultado positivo de nitrito e levar a crescimento bacteriano na urocultura, o que, em boas condições de higiene, não ocorreria.(11) Neste estudo, verificou-se que 58 (61,3%) amostras apresentaram bacteriúria alterada e, entre as 69 uro­culturas, 55 (49,5%) apresentaram contagem alterada de bactérias, mas apenas 8 (7,2%) apresentaram positividade na urocultura, confirmando o quadro infeccioso.

No presente estudo, quase 60% das amostras continham número aumentado de células epiteliais e aumento da quantidade de muco, demonstrando assepsia da região urogenital deficiente. Tais parâmetros não possuem significado clínico, mas perturbam a análise da sedimentoscopia por dificultar a identificação e quantificação de pequenos elementos patológicos, como células sanguíneas (hemácias e leucócitos), cilindros e cristais.(12)

Verificou-se turbidez alterada em 83 (74,8%) amostras, refletindo o aumento de contaminantes como células epiteliais, bactérias e muco. Outros elementos não patológicos levam à turbidez, quase todos relacionados à má qualidade da amostra, como contaminação fecal, sêmen, fosfatos e uratos amorfos, talcos e cremes vaginais. Ressalta-se que a turbidez em maior ou menor grau também está presente em estados patológicos, como nas infecções do trato urinário, cristalúria e lipidúria, sendo que sua alteração por contaminantes é um fator de confusão para interpretação do QUE.(13)

 

Conclusão

 

É inegável que a eliminação completa dos erros pré-analíticos é extremamente difícil, no entanto, é necessário que haja medidas que visem controlar e reduzir estes tipos de erros a fim de aprimorar cada vez mais os resultados fornecidos. Com isto salientamos que é de fundamental importância que o paciente seja bem instruído pelo laboratório quanto aos procedimentos corretos para a coleta. Desta forma, será obtido um resultado fidedigno e condizente com o quadro clínico do paciente, evitando resultados falso-negativos ou falso-positivos que por consequência gerem um diagnóstico incorreto, tratamento ineficaz e desconfortos para o paciente.

 

 

Abstract

Objective: Urinalysis is among the most requested tests to clinical laboratories. The quality of the urine sample is of utmost importance as it directly influences the analytical phase and the final interpretation of the test. The aim of the study was to investigate the quality of urine samples subjected to urinalysis in a clinical laboratory of the Northwest of the state of Rio Grande do Sul. Methods: The study included patients urine samples with medical request for urinalysis, between April 2014 and December 2015. Medical requisitions and laboratory records were reviewed to collect data concerning sex, age, results of urinalysis and urine culture. Results: Were included 111 patients, mean age 30.93 years. All samples presented bacteriuria at different levels, with moderately increased in 58 (52.3%) patients and increased in 10 (9.0%). Epithelial cells numerous were observed in 26 (23.5%) cases. The presence of mucus was regular in 31 (27.8%) patients and large amount in 35 (31.6%) samples. It was observed sample little turbid in 61 (55.0%) cases and turbid in 22 (19.8%). Conclusion: It is undeniable that the complete elimination of preanalytical errors is extremely difficult, however, it is of fundamental importance that the patient is well instructed by the laboratory about the correct procedures for collection, ensuring reliable results and consistent with the clinical presentation of patient.

 

Keywords

Urine; Urine specimen collection; Bacteriuria; Urinalysis

 

REFERÊNCIAS

  1. Hausmann R, Grepl M, Knecht V, Moeller MJ. The glomerular filtration barrier function: new concepts. Curr Opin Nephrol Hypertens. 2012 Jul;21(4):441-9.
  2. Caleffi FMA, Alessio MG, Giuseppe CO. Quality in extra-analytical phases of urinalysis. Biochem Med. 2010; 20(2):179-83.
  3. Ribeiro KCB, Serabion BRL, Nolasco EL, Vanelli CP, Mesquita HL, Corrêa JOA. Urine storage under refrigeration preserves the sample in chemical, cellularity and bacteriuria analysis of ACS. J Bras Patol Med Lab. 2013;49(6):415-22.
  4. Guerra GV, de Souza AS, da Costa BF, do Nascimento FR, Amaral Mde A, Serafim AC. Urine test to diagnose urinary tract infection in high-risk pregnant women. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012 Nov;34(11):488-93. [Article in Portuguese].
  5. Colombeli ASS, Falkenberg M. Comparação de bulas de duas marcas de tiras reagentes utilizadas no exame químico de urina. J Bras Patol Med Lab. 2006;42(2):85-93.
  6. Plebani M. Exploring the iceberg of errors in laboratory medicine. Clin Chim Acta. 2009 Jun;404(1):16-23.
  7. Guimarães AC, Wolfart M, Brisolara MLL, Dani C. O laboratório clinico e os erros pré-analíticos. Revista do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. 2011;31(1):66-72.
  8. Delanghe J, Speeckaert M. Preanalytical requirements of urinalysis. Biochem Med (Zagreb). 2014 Feb 15;24(1):89-104.
  9. Vieira KF, Shitara ES, Mendes ME, Sumita NM. A utilidade dos indicadores da qualidade no gerenciamento de laboratórios clínicos. J Bras Patol Med Lab. 2011;47(3):201-10.
  10. European Confederation of Laboratory Medicine. European Urinalysis Guidelines. Scand J Clin Lab Invest Suppl. 2000;231:1-86.
  11. Lopes HV, Tavares W; Sociedade Brasileira de Infectologia; Sociedade Brasileira de Urologia. Diagnosis of urinary tract infections. Rev Assoc Med Bras (1992). 2005 Nov-Dec;51(6):306-8. [Article in Portuguese].
  12. Carvalhal GF, Rocha LC, Monti PR. Urocultura e exame comum de urina: considerações sobre sua coleta e interpretação. Revista da AMRIGS, Porto Alegre. 2006;50 (1):59-62.
  13. Vale SF, Miranda J. Erros pré-analíticos no exame de urina de rotina. Disponível em: https://www.yumpu.com/pt/ document/view/12944917/erros-pre-analiticos-no-exame-de-urina-de-rotina-pre-analyticals-. Acesso em 15 ago 2015.

 

 

 

Correspondência

Graziella Alebrant Mendes

Curso de Biomedicina – Universidade de Cruz Alta,

Campus Universitário Dr. Ulysses Guimarães

Rodovia Municipal Jacob Della Méa, km 5.6 – 56

Bairro: Parada Benito

Cruz Alta, RS

[email protected]