A importância do diagnóstico precoce e os tratamentos apresentados na Anemia Falciforme: Revisão Sistemática

The importance of early diagnosis and treatment presented in sickle cell anemia disease: Systematic Review

 

Daphne Batista de Oliveira1, Julia Oliveira de Lima1, Evandro Marianetti Fioco2, Edson Donizetti Verri3, Saulo Cesar Vallin Fabrin4

 

1  Bacharel em Biomedicina – Claretiano – Centro Universitário. Batatais, SP, Brasil.

2  Doutor em Biologia Oral/Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (FORP-USP). Ribeirão Preto, SP, Brasil.

3  Doutor em Odontologia/Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (FORP-USP). Ribeirão Preto, SP, Brasil.

4           Doutorando no programa de Biologia Oral/Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (FORP-USP). Ribeirão Preto, SP, Brasil.

 

Recebido em 13/05/2021

Aprovado em 18/03/2022

DOI: 10.21877/2448-3877.202202143

 

INTRODUÇÃO

 

Um dos maiores problemas de saúde pública no Brasil é a prevalência da anemia falciforme, uma hemoglobinopatia hereditária que está relacionada a uma alteração da globina beta da hemoglobina. Essa alteração se dá pela troca da hemoglobina A (HbA) por uma hemoglobina mutante, a hemoglobina S (HbS), porém só há ocorrência da anemia falciforme se houver a homozigose (SS) com o paciente, ou seja, se ele recebeu o gene da hemoglobina S de ambos os pais. No entanto, se ele receber a hemoglobina S de um dos pais e do outro a hemoglobina A, ele é portador do traço falciforme, não apresentando sintomas, e só possui importância clínica em caso de aconselhamento genético e casos como a gravidez. No estado gestacional é requerida maior atenção, pois nesse período acontecem maiores complicações clínicas associadas à doença.(1)

Um estudo realizado em 2013 com crianças e adolescentes mostrou que a doença falciforme está associada a limitações nos aspectos sociais, emocionais e escolares, apresentando redução em todos eles em comparação a outros da mesma idade.(2,3)  Outro estudo também indica que pelo menos 50% dessas crianças e adolescentes demonstram problemas psiquiátricos, como depressão, autoestima baixa e ansiedade, que podem se agravar com o passar da idade,(4) além de apresentarem hipertensão,(5) lesões pulmonares,(6,7) retinopatia,(8) dentre outras complicações. Outro estudo realizado em 1998 aponta, com base em evidências científicas, que a anemia falciforme pode provocar doenças cardíacas.(9) Nos demais, indicam também o surgimento de priapismo.(10) No que concerne ao tratamento, novos métodos têm sido pesquisados,(11) além de outros já utilizados.(12) Com relação aos novos métodos, vêm sendo estudadas moléculas que reduzem a polimerização das hemácias.(13,14)

O diagnóstico da doença falciforme é realizado a partir do método de eletroforese da hemoglobina, da focalização isoelétrica ou cromatografia líquida de alta performance (HPLC).(15) O diagnóstico prematuro da patologia evita complicações futuras e fornece melhores oportunidades de tratamento para o portador.(16) A doença pode apresentar variados graus de gravidade em consequência de combinação entre a hemoglobina S com outras hemoglobinas anormais (ex.: gene da hemoglobina C).(15)

O objetivo deste trabalho foi avaliar a importância do diagnóstico precoce na anemia falciforme para evitar o agravamento da doença e o surgimento de complicações associadas, além de apresentar tratamentos clínicos e alternativos para controle ou cura da doença através da revisão sistemática da literatura. Por esta razão, foram analisados e selecionados artigos que comprovam a eficácia do diagnóstico precoce em portadores da anemia falciforme, também relatando novos métodos terapêuticos.

 

METODOLOGIA

 

Foi realizada uma revisão sistemática da literatura baseada em estudos primários com base no banco de dados da SciELO (https://scielo.org/en/), da PubMed (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/) e do Google Acadêmico (https://scholar.google.com.br/) mediante pesquisa direta realizada na linguagem inglesa e portuguesa, por meio do termo “Anemia Falciforme”, e por consulta no DeCS (http://decs.bvs.br/) através da utilização das mesmas palavras, resultando dessa busca o termo “Anemia Sickle Cell”, posteriormente utilizado como estratégia de pesquisa no banco de dados da PubMed, conforme dados apresentados na Tabela 1. Foram utilizados 38 trabalhos, todos tendo sido incluídos por apresentarem argumentos que são relevantes ao nosso tema, como é mostrado na Figura 1.

Os artigos selecionados foram publicados no período de 1998 a 2019. Os critérios de exclusão utilizados foram artigos que não apresentaram especificamente os tratamentos e os diagnósticos para o controle da patologia. Os critérios de inclusão se basearam nos artigos que demonstraram precisamente soluções e pesquisas para o aumento da qualidade e expectativa de vida dos portadores.

 

Tabela 1

Trabalhos selecionados para a revisão sistemática.

Banco de dados de busca N. de relatos identificados
Google Acadêmico 8
PubMed 11
Scielo 18
Outras fontes 1
Total 38

Figura 1

Fluxograma dos trabalhos selecionados.

 

 

RESULTADOS/DISCUSSÃO

 

Segundo Martins et al., 1998,(9) uma das complicações está envolvida com alterações físicas no fluxo sanguíneo que decorre a partir da rigidez das hemácias, processo que pode levar à obstrução, à isquemia e a dano orgânico irreversível ao coração.

O pulmão é um dos órgãos mais afetados pela doença podendo causar morbimortalidade, principalmente devido a sua vulnerabilidade aos eventos vasos-oclusivos provocados pela anemia falciforme.(7) Suas complicações mais comuns abrangem síndrome torácica aguda (STA), hipertensão pulmonar, asma e casos infecciosos, como por exemplo a pneumonia, sobretudo em crianças, apresentando uma alta prevalência de mortalidade.(15) O método da espirometria é adequado para as adversidades pulmonares por possuir baixo custo e ser de fácil acesso.(17)

No caso da STA, essa se torna ainda mais grave durante a gravidez, provocando sintomas clínicos como dor torácica, tosse, febre e hiperventilação. Essa síndrome gera uma lesão pulmonar provocada sobretudo por infecção, embolia gordurosa e sequestro de células falciformes nos vasos pulmonares, levando ao infarto pulmonar.(1) De acordo com Hsien et al., 2012,(5) a doença falciforme também está relacionada com as anormalidades renais, pois estima-se que 1/3 dos jovens portam a nefropatia. A incapacidade de concentração urinária, defeito na acidificação urinária, excreção de potássio e distúrbios glomerulares, como proteinúria e hiperfiltração glomerular, também estão dentre as anormalidades renais provocadas, levando a um aumento da pressão arterial gradualmente com a idade do indivíduo.

Além destas complicações citadas, a região ocular é também bastante afetada pela anemia falciforme, levando a alterações na retina.(8) No demais, podem ocorrer outros sintomas como atraso no crescimento, frequentes crises dolorosas e maior suscetibilidade a acidentes cerebrais.(4) Uma alteração muito comum que envolve os homens é o priapismo, que é um estado de ereção peniana prolongada e dolorosa que pode persistir por até mais de quatro horas sem estar associada a estímulos sexuais.(10)

Todas as complicações citadas podem ser controladas a partir de um diagnóstico precoce para reduzir significativamente a morbimortalidade da doença.(18) É imprescindível que o diagnóstico seja realizado na triagem neonatal, para, desta forma, identificar terapêutica adequada para precaver implicações e óbito.(19) Para tal triagem, o teste mais adequado é o do pezinho, auxiliando na detecção precoce dessa hemoglobinopatia, e deste modo, viabilizando acompanhamento aos pacientes antes que estes apresentem sintomas severos e, consequentemente, prevenindo implicações futuras.(16) Porém, o estágio tardio da doença, ou seja, na adolescência ou na fase adulta,(20) acarreta um problema maior para a saúde do paciente, e o diagnóstico mais eficiente nestes casos é a técnica de eletroforese de hemoglobina.(15,21) Quando o indivíduo é portador do traço falcêmico ou da anemia, é recomendável que este realize o mapeamento genético para o acompanhamento clínico, principalmente em casos de gravidez.(18)

Na infância as implicações consequentes da doença apresentam-se ainda mais complicadas, pois esta é uma fase que condiz com o mais importante período do desenvolvimento humano.(4) A doença falciforme constitui um grande problema de saúde pública no Brasil e a enfermidade é mais predominante na população negra e parda, porém, atualmente essa anemia pode atingir também indivíduos caucasianos devido à miscigenação.(22)

O tratamento indicado proveniente do diagnóstico neonatal é a indicação de penicilina profilática, utilizada para combater infecções e recomendada para crianças até cinco anos de idade.(21) Muitos estudos têm observado a terapia à base do hidroxiureia(23,24) como a mais adequada, já que ela diminui as crises dolorosas e o sequestro esplênico, aumenta a concentração de hemoglobina por ter afinidade com o oxigênio e leva à redução das transfusões sanguíneas e das hospitalizações decorrentes da doença,(21) porém este medicamento reduz o número de leucócitos na circulação do indivíduo.(24) Há outros modos terapêuticos que também podem ser utilizados para o controle da anemia, inclusive vêm sendo pesquisados os benefícios da suplementação com Vitamina D na doença.(25)

Segundo a literatura, determinadas moléculas estão sendo estudadas e têm apresentado alta potencialidade de modificação química da hemoglobina, o que reduziria o processo de polimerização.(11,13,14) Através das pesquisas também tem sido avaliado que os antioxidantes auxiliam no tratamento da patologia,(26) e o uso de magnésio por meio da via intravenosa auxilia no controle das crises dolorosas agudas, podendo reduzir o período de internação.(14) O zinco(13) e o óxido nítrico também têm mostrado grande potencial para colaborar com o tratamento.(27)

Além destas terapias, uma nova pesquisa tem mostrado a benevolência da transfusão de hemácias rejuvenescidas(28,29), apresentando resultados mais satisfatórios do que a transfusão sanguínea convencional.(30) Porém outro estudo tem apresentado as desvantagens com relação à transfusão, como por exemplo a associação com reação tardia e a sobrecarga de ferro.(31) Outra revisão literária tem mostrado altas propriedades medicinais de Cajanus cajan (espécie de feijão) que possui compostos que ajudam a inibir o processo de falcização dos eritrócitos, consequentemente evitando a hemólise destes.(32)

Houve um relato de caso indicando um novo tratamento alternativo de acupuntura a laser para o controle de dores agudas e, neste caso, foi observada uma significativa diminuição dos sintomas iniciais através da utilização dessa terapêutica, concluindo, desta forma, que este processo reduziria o uso de medicamentos analgésicos e, por conseguinte, os efeitos adversos provocados por eles.(33) Foram avaliadas novas terapias que abrangem indução de hemoglobina fetal, inibição do estresse oxidativo, dentre outras que estão relacionadas com a patologia.(34) No demais, é também fundamental o autocuidado do paciente mantendo, por exemplo, alimentação adequada e cuidando do bem-estar para prevenir agravos da doença com uma equipe de saúde especializada.(35,36)

Estudos também relatam que a presença de infecção urinária é a mais comum em gestantes portadoras de anemia falciforme, sendo seguida pela pneumonia.(37) Desta forma, durante o período gestacional é ainda mais imprescindível que a gestante mantenha seus exames atualizados, tanto pela própria saúde, já que a anemia provoca mais complicações durante esse período, quanto pelo feto, já que ele poderá portar a anemia ou o traço falciforme que é ainda mais comum.(38)

 

CONCLUSÃO

 

Em virtude do que foi mencionado, considera-se de maior importância realizar exames periódicos, como por exemplo atualização do hemograma, pois durante a infância a anemia pode se manter assintomática e as complicações imputadas desta também podem permanecer até atingir estágios avançados.(1) Estudos mostram que a taxa de mortalidade em crianças vem reduzindo gradualmente ao longo dos anos, enquanto a taxa dos adultos tem aumentado. Esse aspecto comparava que o diagnóstico ainda neonatal ou durante a infância possibilitava maiores alternativas terapêuticas, enquanto no caso de diagnóstico tardio as opções de tratamento ficam mais delimitadas devido ao estágio avançado da doença.(16,19) O tratamento definitivo para a doença, que é o transplante de medula óssea, ainda é pouco utilizado e possui diversos riscos à saúde do paciente, tornando assim ainda mais necessário o desenvolvimento de novas pesquisas para o controle, diagnóstico e tratamento da patologia,(11) possibilitando desta forma maior sobrevida aos afetados, visto que estes possuem baixa expectativa de vida, que é de aproximadamente 30 a 40 anos.(4)

 

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