Avaliação da atividade de enzimas hepáticas em dependentes,
ex-dependentes e não usuários do etanol

 

Evaluation of hepatic enzyme activity in dependent, ex-dependent and non-users of ethanol

 

 

Elisa Maria Rodriguez Pazinatto Telli1

Michele Frigeri1

Sandra Regina de Mello2 

 

1Acadêmica (o) da 8ª Fase de Biomedicina – Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC  – Lajes, SC, Brasil.

2Mestre docente do curso de Biomedicina da Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC – Lajes, SC, Brasil.

 

Instituição: Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC – Lajes, SC, Brasil.

 

Suporte Financeiro: pesquisa financiada pelas próprias acadêmicas.

 

Artigo recebido em 04/07/2013

Artigo aprovado em 29/01/2016

 

Resumo

Objetivo: Avaliar a atividade sérica das enzimas hepáticas AST, ALT, GGT, FAL e Amilase em dependentes do etanol, usuários em abstinência e não usuários do etanol. Métodos: A metodologia utilizada para o presente estudo foi uma pesquisa de abordagem qualitativa e quantitativa. Caracterizou-se como um estudo descritivo, visando descrever as características de determinada população ou fenômeno, ou o estabelecimento de relações entre variáveis. Envolveu o uso de técnicas padronizadas de coleta de dados, que nesse caso foram a aplicação de um questionário pré-elaborado e aplicado aos participantes, com o intuito de delimitar em qual grupo do estudo melhor se encaixavam. Resultados: Neste estudo, os resultados demonstraram que no grupo dos dependentes de etanol, dos 21 voluntários, nove (43%) apresentaram alteração em uma ou mais enzimas hepáticas. No grupo dos ex-dependentes, dos 21 voluntários, quatro pessoas (19%) apresentaram alteração em uma ou mais dosagens das enzimas. Já no grupo controle, dos 21 participantes, dois (9%) apresentaram alguma alteração. Conclusão: Conclui-se que as alterações nas dosagens ocorreram em maior número no grupo de usuários de etanol, em um número reduzido nos dependentes em tratamento, e quase não ocorreram alterações no grupo controle, mostrando que as enzimas hepáticas sinalizam de forma diferenciada entre usuários e não usuários de etanol, e também que as atividades séricas das enzimas AST, ALT, FAL e GGT são alteradas com o uso continuo de etanol. A enzima amilase não se mostrou alterada em nenhuma amostra, apesar de ter uma relação com o consumo de álcool.

 

Palavras-chave

Etanol; Enzimas hepáticas; Função hepática

 

 

INTRODUÇÃO

 

O uso abusivo de bebidas alcoólicas pode tornar o indivíduo dependente desencadeando um problema de saúde pública e social. O alcoolismo crônico pode provocar a doença hepática alcoólica (DHA), que é a principal causa de doença hepática nos países ocidentais. Ela surge a partir do consumo excessivo de álcool.(1)

Em muitos indivíduos, o álcool determina o acúmulo de gordura no fígado, com ou sem alterações funcionais, mas, frequentemente, em vários aspectos do metabolismo hepático. O excesso de ingestão de álcool altera a absorção de nutrientes, tais como vitaminas, proteínas, amino­ácidos, desencadeando desnutrição e o dano hepático de muitos alcoólicos.(2) A desnutrição e a ação tóxica do álcool sobre o fígado podem atuar de modo sinérgico. Já a carência nutritiva, sobretudo no que se refere às proteínas, parece favorecer os efeitos tóxicos do álcool por espoliação das reservas de aminoácidos e enzimas hepáticas, influenciando na homeostase desse órgão.(3)

O fígado é o maior órgão interno do corpo humano, representando 2,5% a 4,5% da massa corporal total, com um peso médio de 1.500 g.(4) É um dos mais complexos órgãos do corpo humano, estando envolvido em cerca de 5 mil funções, recebendo dois suprimentos sanguíneos distintos e composto por cinco tipos celulares diferentes e um complexo arcabouço extracelular. Dentre a classe mamífera, o fígado é o único órgão capaz de se regenerar.(5) A regeneração hepática representa um mecanismo de proteção orgânica contra a perda de tecido hepático funcionante seja por dano químico, viral, trauma ou por hepatectomia parcial.(6)

A identificação física das doenças alcoólicas baseia-se na busca de estigmas físicos indicativos de danos aos órgãos e sistemas, mas principalmente em uma série de parâmetros biológicos indicativos de distúrbios do fígado e/ou metabólicas, como diminuição do tempo de pro­trombina, aumento alanino aminotransferase (ALT), aspar­tato aminotransferase (AST), gama-glutamiltrans­peptidase (GGT), fosfatase alcalina (FAL).(1)

O estudo diagnóstico da doença hepática alcoólica deve incluir: anamnese, exame físico, exames laboratoriais, métodos diagnósticos por imagem, dados morfológicos e avaliação da resposta (clínica e laboratorial) após a abstinência alcoólica. O uso combinado de instrumentos de rastreamento e marcadores biológicos tem sido sugerido a fim de propiciar uma maior objetividade na detecção de problemas relacionados ao uso de álcool e permitir a prevenção no seu desenvolvimento.(7)

Na intoxicação por álcool, as lesões hepatocelulares cursam com icterícia e aumento na atividade de enzimas hepáticas, como a ALT, AST e GGT. A GGT aumenta em indivíduos alcoolistas mesmo quando não há lesão hepática evidente. As enzimas hepáticas apresentam aumento de sua atividade, com a ALT atingindo valores até dez vezes aumentados. Outras enzimas hepáticas, como a AST e GGT, também apresentam aumento em sua atividade plasmática, porém nunca maior, proporcionalmente, ao apresentado pela ALT que, portanto, é considerado um bom marcador de lesão hepática.(8)

A ALT é encontrada principalmente no citoplasma do hepatócito, enquanto que 80% da AST está presente na mitocôndria. Essa diferença tem auxiliado no diagnóstico e prognóstico de doenças hepáticas. Em dano hepatocelular leve, a forma predominante no soro é a citoplasmática, enquanto que em lesões graves há liberação da enzima mitocondrial, elevando a relação AST/ALT.(9)

O principal marcador bioquímico que tem sido empregado rotineiramente para a avaliação diagnóstica e evolução clínica do alcoolismo é a enzima gama-glutamil-transpeptidase (GGT).(7)

A GGT é uma enzima de natureza glicoproteica regularmente encontrada fixada à membrana celular e participa no transporte de aminoácidos e peptídeos para as células, na síntese proteica e na regulação dos níveis de glutationa tecidual.(10) Esta pode apresentar-se aumentada isoladamente em casos de hepatite alcoólica, provavelmente pelo aumento da degeneração enzimática do etanol. Em exames clínicos de pacientes alcoolistas, pode haver um aumento pronunciado de GGT mesmo quando não há lesão hepática evidente.(11)

No parênquima hepático, a GGT está presente em grande quantidade no retículo endoplasmático liso e é suscetível a aumento da atividade enzimática induzida por drogas. Nestes casos, as elevações podem atingir níveis quatro vezes maiores dos limites superiores aos valores de referência. A dosagem de GGT é útil para acompanhar os efeitos da abstinência alcoólica. Nesses casos, os níveis enzimáticos retornam aos valores de referência em duas ou três semanas, podendo se elevar novamente caso o uso do etanol seja retomado.(12)

A aspartato aminotransferase (AST) é liberada no sangue em grandes quantidades quando há dano à membrana do hepatócito, resultando em aumento da permeabilidade,  em desordens que causam a morte de numerosas células (necrose hepática extensa). Isso acontece nas hepatites agudas A ou B, no dano pronunciado infligido por toxinas como o de uma overdose de paracetamol, ou quando o fígado é privado de sangue fresco, que traz oxigênio e nutrientes.(13)

Como a Fosfatase Alcalina (FAL) está localizada nas membranas de revestimento dos canalículos biliares, encontra-se elevada nas desordens do trato biliar. As elevações ocorrem em lesões expansivas (carcinoma hepatocelular primário), metástases, abscessos e granuloma), hepatite viral e cirrose, mononucleose infecciosa, colangite, nos cálculos biliares, câncer de cabeça de pâncreas, na Doença de Paget, no hiperparatireoidismo primário e secundário, nos tumores ósseos osteoclásticos primários ou secundários, nas fraturas ósseas.(9)

A amilase é uma enzima produzida pelo pâncreas e pelas glândulas salivares, que atua na digestão do amido e do glicogênio contido nos alimentos. Clinicamente, sua análise é um indicador útil no diagnóstico da pancreatite e de paratiroidites, por exemplo. Os valores de referência da amilase são de até 220 U/l sangue. Concentrações maiores ou menores que 60 U/l – 180 U/l são consideradas patológicas e devem ser tratadas. A amilase alta pode indicar: pancreatite aguda e crônica; caxumba; úlcera péptica perfurada; intoxicação por álcool; insuficiência renal; obstrução do ducto biliar ou pancreático; hepatite; cirrose; entre outros.(14)

Neste estudo foram dosadas a AST, ALT, GGT, FAL e amilase, com o objetivo de identificar as lesões ocasionadas pelo etanol, através destas enzimas hepáticas que se alteram em alcoolistas e alcoolistas em tratamento, além de fazer um comparativo com pessoas que nunca utilizaram ou abusaram desta substância.

Justifica-se a escolha do tema por acreditar serem fundamentais estudos que comprovem os malefícios do etanol no organismo, principalmente no fígado.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

A metodologia utilizada para o presente estudo foi uma pesquisa de abordagem qualitativa e quantitativa. Caracterizou-se como um estudo descritivo, visando descrever as características de determinada população ou fenômeno, ou o estabelecimento de relações entre variáveis. Envolveu o uso de técnicas padronizadas de coleta de dados, que, nesse caso, foi a aplicação de um questionário pré-elaborado e aplicado aos participantes, com o intuito de delimitar em qual grupo do estudo melhor se encaixavam.

A pesquisa foi realizada no Centro de Atenção Psicos­social Álcool e Drogas (CAPSad), localizado na rua Correia Pinto, 561, na Associação dos Alcoólicos Anônimos (AA), que atende nas dependências do CAPSad; na Associação dos Alcoólicos Anônimos (AA), que atende nas dependências no pronto socorro Ivo Bianchini, e na Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC), na Avenida Castelo Branco, 170 em Lages, SC.

A amostra foi composta por 63 pessoas, divididas em três grupos de 21 pessoas: um grupo de indivíduos que usam de forma abusiva o etanol; outro grupo de alcoolistas em tratamento (usuários em abstinência) e o grupo controle formado por indivíduos que não ingerem etanol. Todos voluntários no estudo, com idade superior a 18 anos, de ambos os sexos.

A coleta de dados aconteceu nas dependências das referidas instituições. Primeiramente ocorreu um contato inicial com a instituição a fim de explicar sobre a pesquisa, seu procedimento e objetivos, para então firmar um contrato verbal a respeito da execução da mesma.

A primeira etapa incluiu o preenchimento de um questionário  –”Teste de identificação de distúrbio de uso do álcool (AUDIT)” – ao grupo de dependentes, informando também idade, sexo e se fazem uso de algum tipo de medicamento ou consomem outra substância além do álcool.

O AUDIT foi desenvolvido e avaliado por período de duas décadas em um projeto colaborativo entre seis países (Austrália, Bulgária, Quênia, México, Noruega e Estados Unidos), com o objetivo de atender às diferentes realidades socioculturais e econômicas. É instrumento amplamente utilizado em âmbito nacional e internacional para avaliar grupos populacionais ou indivíduos quanto ao padrão do uso de álcool. Composto por dez questões objetivas, permite respostas com pesos pré-estabelecidos, variando de 0 a 4. O somatório do peso de cada questão indica a classificação de cada indivíduo frente ao consumo de bebidas alcoólicas, sendo de 0 a 7 classificado como beber moderado, de 8 a 15 padrão de beber de risco, de 16 a 19 uso nocivo de álcool e de 20 a 40 indica possível dependência de álcool.

O grupo de dependentes em tratamento (que não ingerem álcool a mais de noventa dias) respondeu um questionário com perguntas como: sexo, idade, quanto tempo fez o uso do álcool, quanto tempo faz que parou de consumir bebida alcoólica, se teve alguns problema de saúde no período em que consumia o álcool e se faz a utilização de algum medicamento.

O grupo controle informou idade, sexo, se tem algum problema de saúde e se faz uso de algum medicamento.

Em seguida realizou-se a coleta de 5 mL de sangue na fossa antecubital com antissepsia prévia com solução de álcool 70º GL. A amostra foi transferida para um tubo de ensaio com gel separador de 6 mL deixando em repouso durante trinta minutos. A seguir, a amostra foi centrifugada a 2.000 rpm e seu sobrenadante (soro) foi retirado e acondicionado em microtubos para posterior análise bioquímica. As amostras sanguíneas foram coletadas de acordo com as Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial para coleta de sangue venoso.(15)

Os voluntários que concordaram em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido autorizando a sua participação.

Os testes bioquímicos foram realizados no Laboratório de Análises Clínicas Pacheco, situado na rua Governador Jorge Lacerda, 130, em Lages, em atividade há 40 anos, realizando uma média de 12.000 exames por mês e atende em média 2.000 pacientes por mês.

As dosagens das enzimas AST e ALT aconteceram por meio do método IFCC sem piridoxal cinético UV; a Gama-GT e a FAL baseadas no método DGKC e no método SCE cinético-enzimático; a amilase foi dosada pelo método de substrato CNP-G3 (2-cloro-4-nitrofenol alfa maltotrioside) enzimático-cinético em aparelho BS300 Mindray automatizado, de acordo com o protocolo sugerido pelo fabricante dos reagentes, a Elitech®.

Após a realização das dosagens bioquímicas, foram tabulados os resultados em três tabelas, uma para cada grupo.

A pesquisa pôde fornecer aos participantes envolvidos a possibilidade de saber se há uma possível lesão hepática, sinalizando para cuidados posteriores.

Está pesquisa foi enviada ao Comitê de Ética da Universidade do Planalto Catarinense e aprovada com o protocolo nº 92/2012.

 

RESULTADOS

 

O primeiro questionário usado na pesquisa refere-se ao Teste de Identificação de Distúrbio de Uso do Álcool (AUDIT), criado por Piccinelli et al.,(16) considerado atualmente o melhor método para a identificação e estratificação do alcoolismo e foi aplicado ao grupo de dependentes do etanol.

A pontuação média obtida pela aplicação do questionário AUDIT foi de 28 pontos, com um mínimo de 13 e um máximo de 40. Neste grupo foram analisados os dados de 21 voluntários, sendo três do sexo feminino e 18 do sexo masculino. A idade variou entre 19 e 50 anos.

No  questionário aplicado ao grupo de ex-dependentes (dependentes que não consomem álcool há mais de três meses) foram analisados os dados de 21 voluntários, sendo três do sexo feminino e 18 do sexo masculino. A idade variou entre 19 e 72 anos. O tempo de utilização da substância em questão variou entre 4 e 50 anos. Cinquenta e sete por cento dos pesquisados (n=12) citaram que tiveram problemas de saúde no período em que eram dependentes ativos; os problemas descritos estão especificados no Quadro 1.

 

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Na avaliação do perfil sorológico para determinação do dano hepático foram apresentadas as dosagens bioquímicas, conforme a Tabela 1 para os dependentes do álcool. Foi verificado que as amostras 13 e 22 mostraram-se alteradas nas AST, ALT, GGT e FAL; já as amostras 2, 4, 6 e 7 mostraram alteração nas AST, ALT e GGT.

 

 

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Na amostra 1 houve alteração da AST e ALT; na amostra 26, as alterações ocorreram na AST e GGT; e na amostra 19 a AST mostrou-se alterada. Desta forma percebe-se que dos 21 participantes da pesquisa, nove, ou seja, 43%, apresentaram alteração em uma ou mais enzimas hepáticas. O resultado das dosagens de 12 participantes (57%) mostraram-se dentro dos valores de referência estabelecida pelo fabricante.

É importante destacar que a dosagem da amilase não se mostrou alterada em nenhum dos participantes.

A Tabela 2 apresenta os resultados para determinação das análises enzimáticas no grupo de dependentes em tratamento, ou seja, pessoas que não consomem álcool há mais de 90 dias no mínimo.

Foi verificado que as amostras 16, 24, 25 e 32 mostraram-se alteradas em uma ou mais enzimas (AST, ALT, GGT e FAL); as outras 17 amostras (81%) mostraram-se dentro dos valores de referência estabelecidos pelo fabricante.

 

 

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A Tabela 3 apresenta a avaliação do perfil sorológico para determinação do dano hepático no grupo controle, que não ingere bebidas alcoólicas. Foi verificado que as amostras 50 e 59 apresentaram alteração em uma ou mais dosagens. As outras 19 amostras (90%) estão dentro dos valores de referências, ou seja, sem alteração.

 

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DISCUSSÃO

 

O Ministério da Saúde destaca, por meio de dados do DATASUS(17) que, em pesquisa realizada em 17 capitais brasileiras, o consumo diário de bebidas alcoólicas varia de 5,4% a 21,6% entre os homens e que, entre as mulheres, esse índice não passa dos 8,9%, mostrando assim que os homens apresentam maiores problemas relacionados ao álcool se comparados com as mulheres. Nesta pesquisa em questão, a amostra foi caracterizada pelo predomínio de homens, tendo três mulheres em cada grupo pesquisado, corroborando com os dados do DATASUS.

Nove amostras tiveram valor elevado em relação à referência de valor normal de GGT, sendo sete no grupo dos dependentes de álcool e dois nos dependentes em tratamento. A prevalência de GGT está associada ao consumo elevado do uso de álcool,(18) considerando estes fatores indutores na doença hepática. Está demonstrado que, no alcoolismo crônico, os níveis séricos de GGT estão elevados, que essa elevação de GGT ocorre em 30% a 90% dos alcoolistas crônicos e está relacionada a uma provável indução enzimática e à lesão dos hepatócitos.(19)  A GGT está aumentada em número considerável de pacientes com DHA, mas pode também estar elevada em alcoólatras sem hepatopatia evidente e ainda em algumas doenças não hepáticas, mas os altos índices de GGT são mais sugestivos de DHA do que de doença hepática não alcoólica.(7) A GGT é provavelmente a mais utilizada dentre os marcadores, pela sua elevada facilidade de determinação.(19)

A dosagem de GGT é útil para acompanhar os efeitos da abstinência alcoólica. Nesses casos, os níveis enzimá­ticos retornam aos valores de referência em duas ou três semanas, podendo se elevar novamente caso o uso do álcool seja retomado.(12) No caso do estudo, as amostras 24 e 25 mostraram-se alteradas, podendo sugerir uma “recaída” na ingestão do etanol, no período de tratamento, ou o uso de medicamentos, como o paracetamol, que também alteram os níveis da GGT.

As amostras 13 e 22 mostraram-se alteradas na AST, ALT, GGT e FAL; ambos os pesquisados citaram que ingerem álcool de forma abusiva há mais de 10 anos diariamente.

Quatro amostras apresentaram elevação em três marcadores (AST, ALT, GGT); outras, 21 e 4, mostraram-se  alteradas nas dosagens do ALT e GGT – um dos pesqui­sados (21), dependente de álcool há mais de 15 anos, e o outro (4), dependente em tratamento, não faz uso de álcool há 4 meses. A ALT sobe ligeiramente mais do que a AST se a lesão for puramente hepática.(4) O aumento menor que 5 vezes do limite superior do normal da ALT maior que AST sugere esteatose hepática não alcoólica, uso de drogas, hepatites virais crônicas, hemocromatose, Doença Celíaca, Doença de Wilson entre outras.(20) As alterações mais indicativas de etiologia alcoólica são AST/ALT maior que 2 e elevação de GGT,(21) caso específico das amostras 2, 6 e 7.

A relação AST/ALT igual ou maior que 2 é sugestiva de doença hepática alcoólica, especialmente hepatite alcoólica e cirrose alcoólica. Em estudo confirmado por dados histológicos, cerca de 90% dos casos com AST/ALT maior que 2 apresentavam hepatopatia alcoólica. A positividade para o mencionado diagnóstico aumentaria para 96%, aproximadamente, quando a relação AST/ALT for maior que 3(2) como ficou evidenciado neste estudo nas amostras 1 e 6. Segundo pesquisa realizada por Alcântara(10) em um único grupo de cem consecutivos doadores de sangue com ALT elevada, 48% eram relacionados com o uso de álcool, o que corrobora com a presente pesquisa.

A FAL esteve alterada em cinco amostras nos três grupos. Segundo Mincis,(22) esta enzima se relaciona predominantemente com distúrbios do fígado e do osso. Para se diferenciar elevação sérica de origem hepática da de origem óssea, recomenda-se determinar também os níveis da enzima GGT que estão, em geral, elevadas paralelamente com a elevação da FAL nas doenças hepáticas (e não nas de origem óssea), como se verifica nas amostras 13, 22 e 25 deste estudo. A investigação deve ser feita para verificar se há colestase ou doença hepática infiltrativa. O aumento dessa enzima também ocorre em indivíduos sadios, gradualmente entre 45 e 60 anos, principalmente em mulheres, como demonstradas nas amostras 16 e 59.

De acordo com Ravel,(23) a dosagem de amilase sérica é comumente utilizada para o diagnóstico de pancreatite aguda, que pode estar associada ao abuso do álcool ou presença cálculos biliares (60%-90% dos casos) e um número significativo de pacientes com pancreatite aguda apresenta cirrose e hepatopatia alcoólica. Apesar de ter uma relação com o consumo de álcool, a enzima amilase não mostrou-se alterada em nenhuma amostra.

Segundo a Anvisa, o uso abusivo da bebida alcoólica lesiona o tecido hepático pela indução dos seguintes mecanismos: aumento de endotoxinas na veia portal; aumento da produção de citocinas e óxido nítrico sérico; diminuição de glutationa; ativação das células de Kupffer; aumento de produtos de peroxidação lipídica e apoptose hepática.(24)

 

CONCLUSÃO

 

O consumo da bebida alcoólica de forma contínua pode resultar em dependência, que uma vez instalada, prejudica a habilidade pessoal de controlar a frequência e quantidade da bebida consumida. Estudos epidemiológicos indicam que o abuso do álcool acarreta expressiva morbi­dade, mortalidade e que problemas direta ou indiretamente causados pelo abuso do álcool relacionam-se a um importante prejuízo econômico em todo o mundo.

Neste estudo, os resultados demonstraram que, no grupo dos dependentes de etanol, dos 21 voluntários, nove (43%) apresentaram alteração em uma ou mais enzimas hepáticas. No grupo dos ex-dependentes, dos 21 voluntários, quatro pessoas (19%) apresentaram alteração em uma ou mais dosagens das enzimas. Já no grupo controle dos 21 participantes, dois (9%) apresentaram alguma alteração.

Sendo assim, conclui-se que as alterações nas dosagens ocorreram em maior número no grupo de usuários de etanol, em um número reduzido nos dependentes em tratamento, e quase não ocorreram alterações no grupo controle, mostrando que as enzimas hepáticas sinalizam de forma diferenciada entre usuários e não usuários de etanol, e também que as atividades séricas das enzimas AST, ALT, FAL e GGT são alteradas com o uso contínuo de etanol.

A enzima amilase não se mostrou alterada em nenhuma amostra, apesar de ter uma relação com o consumo de álcool.

 

 

Abstract

Evaluate the serum activity of liver enzymes AST, ALT, GGT, FAL and amylase dependent on ethanol, abstinent users and nonusers of etanol. Methods: The methodology used for this study was a qualitative study and quantitative. Characterized as a descriptive study aimed to describe the characteristics of a given population or phenomenon, or the establishment of relationships between variables. Involved the use of standard techniques of data collection, which in this case was the application of a pre-prepared questionnaire and applied to the participants, in order to define which group study best fit. Results: In this study the results showed that the group of dependent ethanol, nine of the 21 volunteers (43%) showed alterations in one or more liver enzymes. In the group of ex-dependent of the 21 volunteers, four people (19%) showed alterations in one or more doses of enzymes. In the control group of 21 participants, two (9%) showed abnormalities. Conclusion: It is concluded that changes in dosage were more frequent in the group of users of ethanol, in a small number of addicts in treatment, and almost no changes occurred in the control group, showing that liver enzymes indicate differently between users and non users of ethanol, and also that the serum activities of AST, ALT, ALP and GGT are changed with the continuous use of ethanol. The amylase enzyme showed no change in any sample, despite having a relationship with the alcohol.

 

Keywords

Ethanol; Hepatic enzymes; Hepatic function

                                                                                                                           

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Correspondência

Elisa Maria Rodriguez Pazinatto Telli

Av: Marechal Castelo Branco, 170 – Universitário

88509-900 – Lages, SC