Ocorrência de infecção urinária comunitária em pacientes atendidos em laboratório privado em Belém – PA
Occurrence of community urinary tract infection in patients treated at a private laboratory in Belém – PA
Lorena Caroline Xavier dos Passos1, Mioni Thieli Figueiredo Magalhães de Brito2
1 Faculdade de Farmácia – Universidade Federal do Pará. Belém, PA, Brasil.
2 Professora, Universidade Federal do Pará. Belém, PA, Brasil.
Recebido em 04/06/2021
Aprovado em 04/03/2022
DOI: 10.21877/2448-3877.202202149
INTRODUÇÃO
A infecção do trato urinário (ITU) é uma patologia extremamente comum que atinge pacientes de todas as idades, sendo mais frequente em pacientes do sexo feminino.(1) Esta patologia pode afetar a região da bexiga (cistite), a uretra (uretrite) e até um ou ambos os rins, causando a pielonefrite. A ITU caracteriza-se como uma enfermidade de ocorrência constante, devido à anatomia do sistema urinário feminino, pois a uretra feminina possui um comprimento inferior a 5cm, facilitando a contaminação por microrganismos intestinais. Nesse sentido, a cistite pode se manifestar de maneira assintomática ou sintomática.(2) Logo, é importante que o diagnóstico seja feito de maneira precoce, pois evita complicações futuras como lesões renais.
A ITU pode ser classificada como complicada ou não complicada. A cistite é considerada não complicada e a pielonefrite complicada, pois apresenta modificações funcionais e estruturais no sistema urinário, os microrganismos ficam concentrados no trato urinário inferior e são frequentemente relacionadas com a presença de cálculos renais.(3)
O diagnóstico de ITU é feito a partir da análise do sedimento urinário, que indica o crescimento bacteriano na urina a partir da quantificação da leucocitúria (piócitos), a apontar pelo menos 105 unidades formadoras de colônia (100.000 UFC/ml) na urina colhida a partir do jato médio e de maneira asséptica. A urocultura é feita de acordo com a quantidade de piócitos, para identificação do agente etiológico presente na amostra. O antibiograma será feito para a escolha do antibiótico mais adequado ao tratamento.(1)
Os agentes etiológicos mais comuns na infecção urinária são os da família Enterobacteriaceae, sendo a bactéria Gram-negativa Escherichia coli não patogênica, responsável por 75% dos casos de infecção do trato urinário, seguido de outros Gram-negativos como Klebsiella sp., Enterobacter sp., Acinetobacter sp., Proteus sp., Pseudomonas sp. Entre os cocos Gram-positivos podemos destacar as infecções por Staphylococcus saprophyticus.(1,2)
No decorrer dos anos, com a evolução da medicina que ampliou as possibilidades de tratamento, além do avanço científico e tecnológico que possibilitou o desenvolvimento de fármacos capazes de tratar infecções bacterianas, observou-se redução da mortalidade por estas doenças. No entanto, ao mesmo tempo em que ocorreu a diminuição drástica da mortalidade, iniciou-se a resistência aos antibióticos, com o uso indevido de antimicrobianos pela população, ocasionando um problema de saúde pública. Desta maneira, é de suma importância que ocorra o monitoramento de resistência e sensibilidade bacteriana para evitar o surgimento de bactérias multirresistentes.(4,5)
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é descrever a ocorrência de infecção urinária em pacientes atendidos em um laboratório particular em Belém do Pará em relação a sexo, idade e agente etiológico e descrever o perfil de resistência aos antibióticos.
MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo foi realizado no período de março de 2019 a março de 2020, na Clínica e Laboratório Abrahim, estabelecimento localizado no bairro de Canudos em Belém do Pará. Foram analisadas 2.686 amostras de pacientes com urocultura positiva e antibiograma. Os dados foram coletados a partir do sistema de banco de dados da Clínica e Laboratório Abrahim.
Os dados foram organizados e tabulados pelo programa de computador Microsoft Office Excel (2013), de acordo com idade, sexo, bactérias isoladas e antibióticos com o perfil de resistência no antibiograma.
ÉTICA
Por se tratar de pesquisa envolvendo aplicação de testes e tratamentos clínicos nos indivíduos, tal procedimento pressupõe a utilização do consentimento livre e esclarecido conforme explicitado no capítulo IV da Resolução CNS 466/12 (BRASIL, 2012) O projeto foi submetido a um Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, através da Plataforma Brasil.
RESULTADOS
Foram analisadas 2.686 amostras coletadas do banco de dados da Clínica e Laboratório Abrahim em Belém, nos períodos de março de 2019 a março de 2020. Dessas amostras, 2.500 (93,1%) foram de pacientes do sexo feminino e 186 (6,9%) foram do sexo masculino (Tabela 1).
Tabela 1
Distribuição de pacientes atendidos na Clínica e Laboratório Abrahim durante o período de março-2019 a março de 2020, por sexo.
Sexo | N | % |
Feminino | 2.500 | 93,1 |
Masculino | 186 | 6,9 |
Total | 2.686 | 100 |
Em relação à faixa etária, os pacientes foram organizados em três grupos: de 18 a 29 anos, de 30 a 49 anos e 50 ou mais anos, de acordo com a Tabela 2.
Pacientes de 18 a 29 anos foram contabilizados em 1.428 (53,2%), já os pacientes de 30 a 49 anos contabilizaram 745 (27,7%) e de 50 ou mais a contagem foi de 513 (19,1%). A faixa etária com o maior número de ocorrência da patologia foi a de 18 a 29 anos, a indicar 1.428 (53,2%) dos casos identificados.
Tabela 2
Distribuição de pacientes atendidos na Clínica e Laboratório Abrahim durante o período de março-2019 a março-2020, por faixa etária.
Idade | N | % |
18 a 29 | 1.428 | 53,2 |
30 a 49 | 745 | 27,7 |
50 ou mais | 513 | 19,1 |
Total | 2.686 | 100 |
Os agentes etiológicos mais frequentemente isolados nas culturas bacterianas foram os bacilos Gram-negativos entéricos, em que a Escherichia coli se mostrou positiva em 1.594 culturas (59,35%), Enterobacter sp. em 755 (28,1%), Edwardsiella sp. em 39 (1,45%), Proteus mirabilis em 31(1,15%) Salmonella sp. em 21(0,8%), Proteus vulgaris em 8(0,3%) e Klebsiella sp. em 1(0,03), conforme demonstrado na Tabela 3. Dentre os cocos Gram-positivos, o maior número de culturas positivas revelou Staphylococcus saprophyticus, com 152 (5,65%) exames positivos seguidos por Staphylococcus epidermidis, com 85 (3,17%).
Tabela 3
Ocorrência de acordo com os agentes etiológicos.
Bactérias | N | % |
Enterobacter sp. | 755 | 28,1 |
Escherichia coli | 1.594 | 59,35 |
Staphylococcus saprophyticus | 152 | 5,65 |
Staphylococcus epidermidis | 85 | 3,17 |
Proteus mirabilis | 31 | 1,15 |
Proteus vulgaris | 8 | 0,3 |
Salmonella sp | 21 | 0,8 |
Edwardsiella sp | 39 | 1,45 |
Klebsiella sp. | 1 | 0,03 |
Total | 2.686 | 100 |
Quanto ao perfil de resistência bacteriana no exame de antibiograma, a cefalotina lidera o grupo com 776 (20,33%) exames, seguida da tetraciclina com 646 (16,9%), ácido nalidixico com 600 (15,71%), nitrofurantoína com 388 (10,16%), amoxilina com 385 (10,1%), norfloxacin com 273 (7,15%), penicilina G com 138 (3,6%), ciprofloxacin com 37 (3,6%), oxacilina com 124 (3,24%), gentamicina com 71 (1,9%), ceftazidima com 71 (1,9%), Eritromicina com 48 (1,25%), clindamicina com 50 (1,3%), amicacina com 49 (1,3%), vancomicina com 30 (0,8%), cefepima com 21 (0,5%) e imipenem com 10 (0,26%) de acordo com a Tabela 4.
Tabela 4
Relação de resistência aos antibióticos
Antibiótico | N | % |
Ácido Nalidixico | 600 | 15,71 |
Amicacina | 49 | 1,3 |
Amoxilina | 385 | 10,1 |
Cefalotina | 776 | 20,33 |
Cefepima | 21 | 0,5 |
Ceftazidima | 71 | 1,9 |
Ciprofloxacin | 37 | 3,6 |
Clindamicina | 50 | 1,3 |
Eritromicina | 48 | 1,25 |
Gentamicina | 71 | 1,9 |
Imipenen | 10 | 0,26 |
Nitrofurantoina | 388 | 10,16 |
Norfloxacin | 273 | 7,15 |
Oxacilina | 124 | 3,24 |
Penicilina G | 138 | 3,6 |
Tetraciclina | 646 | 16,9 |
Vancomicina | 30 | 0,8 |
Total | 3.717 | 100 |
DISCUSSÃO
Este estudo indicou que o maior índice de infecção urinária encontrado na população selecionada foi de mulheres. Dias et al. (2003)(6) aponta que a infecção urinária acomete ambos os sexos, especialmente mulheres na idade sexualmente ativa. As mulheres estão predispostas a adquirir infecção urinária devido à anatomia feminina, uma vez que a frequência de atividade sexual, o uso de espermicidas e as questões de higiene são considerados fatores de risco, pois facilitam a contaminação perianal em relação aos homens, principalmente devido à anatomia masculina, como a posição da uretra e a falta de contato perianal, dificultando, assim, a proliferação de microrganismos.(7) Esses fatores de predisposição refletem nas taxas de infecção nas mulheres, que apontam ser oito vezes maior do que nos homens, visto que 20% a 48% das mulheres apresentam pelo menos um caso de infecção urinária na vida.(8,9)
Em relação à faixa etária, existem estudos que apontam que a idade dos pacientes varia de 1,3 anos a 91 anos, em que a maior concentração é encontrada na faixa etária de 12 a 33 anos;(2) já outros estudos apresentam que o maior número de casos da patologia está entre a faixa etária de 13 a 40 anos de idade.(10)
Contudo, como foi possível detectar a partir da coleta de dados, no estudo deste trabalho, pode-se observar que o grupo com o maior número de casos foi o da faixa etária de 18 a 29 anos, com 53,2% dos casos, seguido pelo grupo com a faixa etária de 30 a 49 anos (27,7%), a indicar que o grupo mais atingido pelos casos de infecção urinária são os jovens e adultos entre 18 a 49 anos de idade.
Os bacilos Gram-negativos são os maiores causadores de ITU, em especial a Escherichia coli, seguida por Klebsiella sp., Enterobacter sp., Acinetobacter sp., Proteus sp., Pseudomonas sp. Entre os cocos Gram-positivos, o Staphylococcus saprophyticus tem sido considerado a segunda maior causa de infecção urinária.(11)
Os germes habitantes do trato intestinal, bacilos Gram-negativos, são responsáveis por 85% das infecções do trato urinário, tendo a Escherichia coli como a mais comum, seguida dos gêneros Proteus sp., Klebsiella sp. e Enterobacter sp. Já em relação aos cocos Gram-positivos temos os gêneros Enterococcus faecalis sp., algumas espécies do gênero Staphylococcus sp.(12)
Os bacilos Gram-negativos foram responsáveis pelo maior número de ocorrências de infecção urinária neste estudo, sendo a Escherichia coli a maior causadora, com 59,35% dos casos, seguido de Enterobacter sp. com 28,1%. Em relação aos cocos Gram-positivos, o gênero staphylococcus sp. aparece com o Staphylococcus saprophyticuse e Staphylococcus epidermidis, como os maiores causadores de ITU com 5,65% e 3,17%, respectivamente.
O tratamento com antibióticos pode ser iniciado de maneira empírica, devido ao tempo de espera do resultado de um antibiograma (3 a 4 dias para ser liberado), portanto são levados em consideração o patógeno causador mais provável, o padrão da região de resistência aos antibióticos e o histórico do paciente em relação ao uso de antibióticos. Alguns fármacos são considerados de primeira escolha para o tratamento de infecção urinária comunitária em adultos, como norfloxacin, cefalotina, sulfametoxazol/trimetropima (SMZ-TMP), ácido nalidíxico.(9)
Escherichia coli, Klebsiella sp. e Proteus sp. apresentam o maior índice de resistência aos antibióticos. Os fármacos que mais apresentam resistência a esses microrganismos são sulflametoxazol-trimetoprim com média de 46,6%, seguido pela cefalotina (46,7%), ácido nalidíxico (27,6%) e nitrofurantoína (22,3%).(9)
Tanto as quinolonas como os ácidos nalidíxico, ciprofloxacina, norfloxacin, são utilizados no tratamento de cistite não complicada, pois possuem um amplo espectro de atividade e são extremamente ativas contra as Enterobacteriaceae. Seu mecanismo de ação envolve a inibição da síntese do DNA bacteriano, bloqueando a DNA-girase, e com isso o mecanismo de resistência da bactéria é inibido.(11)
As cefalosporinas são recomendadas em caso de resistência às quinolonas, como a cefalotina, e os seus mecanismos de ação são análogos aos da penicilina, uma vez que se ligam aos receptores de penicilina (PLPs), que atuam como receptores de fármacos nas bactérias, bloqueiam a transpeptidação do peptideoglicano, inibindo a síntese da parede celular da bactéria, e ativam as enzimas autolíticas, responsáveis por causar lesões celulares e, consequentemente, a morte bacteriana.(11)
Neste estudo foi identificado que a cefalotina é o antibiótico com maior ocorrência de resistência bacteriana (20,33%), seguido de tetraciclina (16,9%) e ácido nalidíxico (15,71%). É interessante analisar os fármacos cefalotina e ácido nalidíxico, pois são considerados medicamentos de primeira escolha no tratamento de infecção urinária comunitária em adultos, portanto evidencia o emprego frequente desses antibióticos, consequentemente ocasionando o aumento do percentual de resistência aos antibióticos.
A resistência bacteriana é considerada uma evolução genética natural do microrganismo em seu ambiente.(9) Existem bactérias que podem se duplicar em até 20 minutos, favorecendo assim a multiplicação de várias gerações em curto período. O emprego de inúmeros antibióticos durante essas evoluções favorece o aparecimento de bactérias resistentes.(9-14)
Há resistências que são adquiridas pelo uso indevido de antibióticos, uma vez que a bactéria que era sensível ao medicamento torna-se, posteriormente, resistente.(15)
Já outras bactérias se tornam resistentes devido a alguns mecanismos, como é o caso das bactérias Gram-negativas, em especial a Escherichia coli, pois produzem bombas de resistência a múltiplos fármacos (MDR). Esta bomba permite que a célula expulse o fármaco para fora da célula, impedindo a danificação e morte celular. Os genes responsáveis pela codificação dessas bombas estão localizados nos plasmídeos que as bactérias recebem durante a conjugação. As bactérias que recebem esses plasmídeos são resistentes a diversos fármacos.(15)
Logo, a automedicação e o uso inadequado de antibióticos são fatores que favorecem a resistência aos antibióticos. Portanto o profissional farmacêutico é essencial no momento da dispensação, sendo uma das fases mais importantes da educação em saúde, um momento em que o profissional entra em contato com o paciente, podendo auxiliá-lo na terapia medicamentosa e assim evitar problemas futuros em relação à resistência das bactérias.
CONCLUSÕES
Este estudo concluiu que o grupo com o maior número de casos de infecção urinária foi o feminino, com 93,1% dos casos. A faixa etária com a maior ocorrência é o grupo de 18 a 49 anos, com 53,2% dos casos. Os bacilos Gram-negativos são os patógenos com a maior incidência, como a Escherichia coli, responsáveis por 59,35% dos casos, seguida pela Enterobacter sp. com 28,1%. No perfil de resistência, a cefalotina apresenta 20,33%, já a tetraciclina, com 16,9% e, por fim, o ácido nalidíxico, com 15,71%.
O conhecimento da ocorrência e resistência aos antibióticos em infecção urinária é importante para sensibilizar a população em relação ao cuidado com a sua saúde, pois é uma patologia comum, que afeta todos os sexos e todas as idades. Existem grupos que são mais suscetíveis a adquirir infecção, a exemplo as mulheres, por motivos anatômicos, fisiológicos.
Também há bactérias com mecanismos naturais de resistência aos antibióticos, outras bactérias tornam-se resistentes pelo uso inadequado da população, uma vez que as bactérias que eram sensíveis se tornam resistentes depois do uso prolongado. Portanto, é importante que a população entenda os riscos do tratamento com antibióticos e da importância de o tratamento ser feito da maneira correta. O farmacêutico é essencial na dispensação e na promoção do uso racional de medicamentos, auxiliando no tratamento, e buscando, assim, diminuir os riscos de resistência aos antibióticos.
SUPORTE FINANCEIRO
O projeto foi totalmente financiado pela Clínica e Laboratório Abrahim.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer, primeiramente, a Deus por ter me dado força nessa difícil caminhada, cheia de altos e baixos. Aos meus professores, que ao longo da minha formação escolar –desde o pré até ao fim da minha graduação – sempre me deram suporte. Sem eles eu não seria a pessoa que sou hoje. À minha família, por todo o suporte amoroso, financeiro e educacional, principalmente aos meus pais Nemias Araujo dos Passos e Adjeane Cristina Xavier dos Passos, por terem feito tudo o que podiam e até o que não podiam por mim. Às minhas tias Ana Cristina e Adenice Cristina, por todo o suporte. À minha avó Olandina Xavier, por todos os ensinamentos passados da sua experiência de vida e ancestralidade. Aos meus amigos do ensino fundamental, ensino médio e da graduação, por todo o apoio emocional durante essa caminhada. Obrigada à Universidade Federal do Pará por todos os ensinamentos que trouxe à minha vida, nunca irei esquecer!
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Correspondência
Mioni Thieli Figueiredo Magalhães de Brito
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