Interferências do gel separador em análises bioquímicas e possíveis soluções: uma revisão bibliográfica
Separator Gel interferences in biochemical analysis and possible solutions: a bibliographic review
Thalita Silva de Oliveira1
Derick Mendes Bandeira2
Elem Batista3
Patrick Menezes4
1 Graduada em Biomedicina, Centro Universitário CBM – UNICBE, Analista – Laboratório Neurolife. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2 Biomédico analista clínico pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em ciências pela pós-graduação em Medicina Tropical (IOC/FIOCRUZ). Pesquisador colaborador do Laboratório de Morfologia e Morfogênese Viral (LMMV/IOC-FIOCRUZ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3 Bióloga e especialista pela Universidade Castelo Branco. Coordenadora do Laboratório de Análises Clínicas do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer (Laboratório Plasma). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
4 Biólogo Clínico doutorando no Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo De Meis (IBqM/UFRJ). Mestre em Medicina Laboratorial (MPSMLTF /UERJ), Diretor adjunto e coordenador do Curso de Aperfeiçoamento Profissional Biomédico (CAPBio). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Recebido em 08/02/2021
Aprovado em 21/12/2021
DOI: 10.21877/2448-3877.202102106
INTRODUÇÃO
A medicina laboratorial é uma especialidade responsável pela realização de exames complementares no auxílio ao diagnóstico. O principal objetivo do laboratório é garantir um atendimento seguro e eficiente, com laudos rápidos e confiáveis nos diferentes estágios da cadeia da saúde: prevenção, diagnóstico, prognóstico e acompanhamento terapêutico. Com isto, facilita a tomada de decisão dos médicos em relação à conduta clínica dos seus pacientes.(1,2) Estima-se que cerca de 60% a 70% das decisões médicas mais importantes são baseadas nos resultados laboratoriais.(3)
Tecnicamente, o teste de laboratório consiste em três etapas diferentes: pré-analítica, analítica e pós-analítica. Todas são fundamentais para a qualidade do resultado final.(4) Na primeira delas, que se inicia na requisição do exame, orientação quanto à coleta do material para o paciente, a obtenção da amostra biológica, acondicionamento, transporte e triagem,(5,6) ocorriam 70% dos erros nos testes de laboratório. Entretanto, houve uma redução de 10 vezes na taxa de erros analíticos nas últimas décadas.(7)
De acordo com Lippi,(8) os erros em laboratórios de análises clínicas podem ser fatais, principalmente quando o teste irá definir um diagnóstico que vai determinar resultados falsos negativos ou falsos positivos. Os dois quadros colocam em risco a vida do paciente, além de trazerem custos desnecessários ao laboratório.
Segundo Guimarães et al.,(9) muitos destes erros geram a rejeição da amostra, com necessidade da recoleta. Esta interferência no processo laboratorial pode ocorrer desde o primeiro atendimento, seja ele emergencial ou ambulatorial.(10) Além da insatisfação, os erros podem trazer constrangimento ao paciente e causar perda de credibilidade do médico e/ou paciente com o laboratório. Acrescenta-se, ainda, que o atraso do laudo pode postergar o início do tratamento, ocasionar um tratamento inadequado ou fazer com que ele não aconteça.(9)
No entanto, devido ao avanço da tecnologia, os testes laboratoriais têm se aprimorado constantemente. Tanto os reagentes quanto os equipamentos proporcionam resultados cada vez mais específicos e em tempo reduzido.(9)
Umas das fontes potenciais de distorção na fase pré-analítica que ainda permanece é o tipo de tubo usado para amostragem de soro, em particular tubos com gel de barreira, em que os analitos podem ser adsorvidos durante o armazenamento.(7)
O gel separador tem como função proporcionar uma barreira entre o soro ou plasma e as células durante o processo de centrifugação.(11) Há algumas décadas, quando este tubo chegou ao mercado, os laboratórios tiveram muitos benefícios, como maior eficiência dos processos e aumento da segurança dos profissionais de saúde. Além disso, foi possível o processamento e armazenamento das amostras em um tubo primário.(12)
Os primeiros tubos com barreira tinham o gel de silicone, mas se mostraram instáveis após a esterilização. Por isso, o gel de silicone foi substituído por um gel à base de poliéster. Atualmente, o gel é composto por uma resina e uma mistura estabilizadora, necessária para ajustar a densidade do gel.(12)
De acordo com Wang et al.,(13) o gel de separação no BD Vacutainer é composto principalmente de borracha de silicone, hidrocarbonetos macromoleculares e adesivo hidrofóbico, com densidade intermediária entre 1,04 e 1,05 mmol/L.
A tecnologia de um separador de gel para os tubos de soro foi algo tão promissor que começou a se pensar na produção de tubos de heparina lítica, tubos de EDTA geradores de plasma com a barreira de gel. Dessa forma, foi possível usufruir dos benefícios do gel separador juntamente com a rapidez do plasma, pois não era necessário aguardar a retração do coágulo, que é necessário no tubo que gera soro.(11,12)
Devido a esses benefícios começou-se a pensar na possibilidade de um tubo com rolha mecânica, sendo criado então os tubos Barricor. Neles, a parte superior consiste, em sua maioria, por elastômero, permitindo o alongamento e a manipulação durante a centrifugação para criar uma vedação, e uma pequena base de plástico de alta densidade que permite separar o plasma das células por meio de flutuabilidade diferencial. Desta forma, garante-se maior estabilidade da amostra.(14) Além disso, estes tubos requerem um tempo de centrifugação mais curto em comparação com os tubos com gel separador (3 min. vs. 10 min.).
Alguns estudos sugerem que os tubos Barricor são uma alternativa aceitável ao tubo com gel separador, que atualmente está em uso para testes químicos. Ao mesmo tempo, oferecem o benefício adicional de redução do tempo de processamento pré-analítico, maior estabilidade de certos analitos e possivelmente menor contaminação celular.(14,15)
Faz-se necessário estruturar e buscar os conhecimentos adquiridos nos últimos anos sobre este tema para possibilitar futuras pesquisas e monitoramentos na área, de forma que este conhecimento possa ser sistematizado e utilizado para promover melhorias na fase pré-analítica.(16) E, por essa razão, este trabalho tem como objetivo geral realizar uma revisão bibliográfica de artigos científicos sobre as interferências do gel separador de tubos de coleta em analitos de química clínica. Também será feito o comparativo dos resultados obtidos em tubos com gel separador em relação aos que realizam a separação mecânica.
MATERIAL E MÉTODOS
Essa pesquisa foi realizada nas bases de dados do PubMed, Google acadêmico, Scielo e LILACS. Na Tabela 1 é possível observar os termos de busca utilizados em cada uma dessas plataformas.
Os artigos foram selecionados a partir de análise do título e do resumo. Foram excluídos todos os que não abordavam a influência do gel separador nas dosagens bioquímicas ou possíveis soluções para este problema, além dos artigos publicados há mais de 10 anos, focados na área veterinária, artigos de revisão ou escritos em outros idiomas que não fossem o inglês, português ou espanhol. Também foram excluídos todos os documentos de patentes, os artigos pagos e/ou bloqueados aos quais não pudemos ter acesso ao conteúdo completo e os que disponibilizavam apenas o resumo ou apenas a citação.
Após a separação do material, foi realizado um fichamento dos principais resultados de cada artigo, organização destes dados e escrita da revisão. Toda a revisão bibliográfica foi realizada tendo como inspiração as recomendações do método PRISMA.(17)
Tabela 1 – Códigos de busca utilizados em cada base de dados para a realização da revisão bibliográfica.
Base de dados | Código de busca utilizado |
PubMed | Separator gel tube NOT review |
Google acadêmico | allintitle: gel separator tube |
Scielo | gel separator tube |
LILACS | gel separator tube |
RESULTADOS
Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão descritos na metodologia foram selecionados 21 artigos. Na Figura 1 é exibido o fluxograma de seleção destes materiais e no Quadro 1 é feito um resumo das principais características de cada publicação.
Figura 1 – Fluxograma da seleção de artigos para a revisão bibliográfica.
Quadro 1 – Resumo dos principais resultados encontrados em cada artigo selecionado para a revisão.
ID | Autor/Ano | Título | Principais resultados |
1 | MOROSYUK, et al., 2020(31) | A Multicenter Evaluation of a Nongel Mechanical Separator Plasma Blood Collection Tube for Testing of Selected Therapeutic Drugs | As drogas terapêuticas testadas neste estudo demonstraram estabilidade por até 7 dias no tubo BD Barricor. |
2 | GAWRIA, et al., 2020(30) | A comparison of stability of chemical analytes in plasma from the BD Vacutainer® Barricor™ tube with mechanical separator versus tubes containing gel separator | Diferenças significativas entre o gel BD e o tubo BD Barricor foram encontradas para AST. Existem outras desvantagens com o soro em comparação com o plasma. |
3 | YASAR, N; KONUKOGLU, D., 2020(28) | Atypic separator gel flotation in blood collection tube in a patient with hyperproteinemia Nesibe | Foi possível observar que a sonda do analisador automático ocluiu devido à aspiração do gel separador em amostras coletadas de dois pacientes com diagnóstico de mieloma múltiplo. |
4 | HÉTU et al., 2020(33) | Improved Sample Quality and Decreased Turnaround Time When Using Plasma Blood Collection Tubes with a Mechanical Separator in a Large University Hospital | Os tubos Barricor mostraram equivalência clinicamente aceitável aos tubos de gel de soro para os analitos estudados. |
5 | WOLLMANN, et al., 2019(7) | Substantial Differences in Serum Concentrations of Psychoactive Drugs Measured in Samples Stored for 2 Days or More on Standard Serum Tubes Versus Serum Tubes Containing Gel Separators | Importância da fase pré-analítico para a acurácia da dosagem de medicamentos. Deve-se considerar a não utilização de tubos com separadores de gel na dosagem de medicamentos de drogas psicoativas. |
6 | NONKES, et al., 2019(23) | Improving home haemodialysis: Stability evaluation of routine clinical chemistry analytes in blood samples of haemodialysis patients | O sangue de pacientes hemodialisados em home care, quando coletados com tubo de heparina com gel separador apresentam interferência na dosagem de bicarbonato, após tempo superior a 24horas. Apesar da comodidade de coletar em casa, há a urgência do envio do material ao laboratório. |
7 | RAIZMAN et al., 2019(34) | Barricor blood collection tubes are equivalent to PST for a variety of chemistry and immunoassay analytes except for lactate dehydrogenase | Tubos Barricor foram considerados o novo padrão para plasma devido a sua qualidade, sendo, em muitos aspectos, equivalente à qualidade do soro. |
8 | SCHRAPP, et al., 2019(20) | The right blood collection tube for therapeutic drug monitoring and toxicology screening procedures: Standard tubes, gel or mechanical separator? | O estudo mostrou que os tubos Barricor e sem gel causam menos interferência na dosagem de medicamentos, sendo recomendados para este tipo de análise. |
9 | FOURNIER, et al., 2018(14) | Evaluation of BD Vacutainer® Barricor™ blood collection tubes for routine chemistry testing on a Roche Cobas® 8000 Platform | Tubos Barricor podem resultar em maior estabilidade da amostra. Além disso, requerem um tempo de centrifugação mais curto em comparação com os tubos de gel (3 min. vs. 10 min.). Amostras coletadas em tubos Barricor também são estáveis por um período mais longo. |
10 | RICORIOS, et al., 2018(29) | Multiple myeloma and acquired von Willebrand disease: a combined cause of preanalytical interference causing gel formation? | A formação anormal de gel pode levar à oclusão das sondas do analisador ou a resultados falsamente baixos quando a amostra insuficiente é aspirada. |
11 | DUPUY, et al., 2018(15) | Comparison of Barricor™ vs. Lithium heparin tubes for selected routine biochemical analytes and evaluation of post centrifugation stability | Estudos sugerem que os tubos Barricor podem ser usados de forma intercambiável com tubos regulares de heparina de lítio.
Os dados do trabalho demonstraram que a grande vantagem desses tubos é a estabilidade dos analitos 72horas após a centrifugação. |
12 | PADOAN, et al., 2018(32) | Quality of plasma samples and BD Vacutainer Barricor tubes: Effects of centrifugation | Plasma coletado de tubos Barricor apresentam menos contaminação celular e de plaquetas quando comparado ao de tubos com gel separador. |
13 | ERCAN et al., 2018(18) | Comparison of the effect of gel used in two different serum separator tubes for thyroid function tests | Não há alterações significativas nas dosagens de TSH, T3 e T4 quando comparadas às dos tubos de soro com e sem gel. |
14 | MAIRE B, SCHLÜTER K. 2017(25) | A Problem with the Separating Gel in a Blood Sample Tube in a Patient with Multiple Myeloma | Hiperproteinemia torna o soro mais denso do que o gel separador, gerando o fenômeno do gel flutuante. |
15 | WANG, et al., 2015(13) | The Usage of Separating Gel Vacuum Tube with Different IgG Concentration | No processo de teste clínico, foi descoberto que o sangue de pacientes com mieloma de células plasmáticas não conseguia formar uma barreira de gel normal. |
16 | GERIN F, et al., 2014(26) | Abnormal gel flotation in a patient with apperant pneumonia diagnosis: a case report | Flotação anormal de gel em paciente internado com diagnóstico de pneumonia. A verdadeira causa, no entanto, era o mieloma múltiplo (diagnóstico omitido). |
17 | DAVES, et al., 2012(24) | An Unusual Case of a Primary Blood Collection Tube with Floating Separator Gel | Pacientes com densidade de soro elevada podem apresentar problemas de gel flutuante. Por exemplo: no caso de paciente que fez uso de contraste radiológico. |
18 | SCHOUWERS, et al. 2012(19) | Influence of separator gel in Sarstedt S-Monovette® serum tubes on various therapeutic drugs, hormones, and proteins | Influência do gel separador na dosagem de várias drogas terapêuticas em tubos de soro. |
19 | CUHADAR, et al., 2012(21) | Stability studies of common biochemical analytes in serum separator tubes with or without gel barrier subjected to various storage conditions | Todas as partes dos dispositivos de coleta (rolha, parede do tubo, surfactante e ativador de coágulo) interagem com o sangue, podendo alterar sua composição. |
20 | LI, et al., 2011(22) | Evaluation of BD Vacutainer SSTTM II Plus Tubes for Special Proteins Testing | Dependendo das condições de coleta, manuseio e processamento da amostra, alterações clinicamente significativas nas concentrações de analito podem ocorrer nos tubos separadores de soro. |
21 | FAUGHT, et al., 2011(27) | Solution densities and estimated total protein contents associated with inappropriate flotation of separator gel in different blood collection tubes | Pacientes com mieloma múltiplo (hiperproteinemia) fornecem amostras que podem causar o problema do gel flutuante e, consequentemente, o entupimento da probe pelo gel. |
DISCUSSÃO
O tubo com gel é amplamente utilizado na rotina laboratorial há muitos anos e não apresenta alterações significativas em alguns analitos. No estudo de Ercan et al.,(18) por exemplo, foi observado que não havia alterações significativas nas dosagens de TSH, T3 e T4 quando comparadas às dos tubos de soro sem gel. No entanto, para vários outros analitos, a presença do gel se mostrou um interferente importante, como por exemplo nas dosagens de glicose, ácido úrico, HDL, entre outros. Além disso, tubos com gel apresentam reduções importantes nas dosagens de alguns analitos com o decorrer do tempo de armazenamento.(19,20) Por essas razões, o uso desse tipo de tubo não é universalmente aceito, principalmente para monitoramento terapêutico de medicamentos. Os trabalhos de Schouwers et al.(19) e Schrapp et al.(20) mostram que as dosagens de drogas terapêuticas sofrem grande interferência do gel.
Pelo fato de serem hidrofóbicas, são mais propensas a interagirem com o gel, o que afeta diretamente as análises.
No entanto, este não é o único interferente relevante. É preciso ter em mente que, além do gel separador, todas as partes dos dispositivos de coleta (rolha, parede do tubo, surfactante e ativador de coágulo) interagem com o sangue, podendo alterar sua composição, o que comprometeria o resultado final do exame.(21)
Além destes, os aditivos para tubos de coleta de sangue também podem ser uma fonte de erros analíticos. Os silicatos inorgânicos (ou ácido elágico), trombina e tromboplastina são ativadores de coágulo frequentemente usados. Ocasionalmente, as partículas do ativador de coágulo podem não se aglomerar completamente com ele e permanecerem na camada de soro, causando interferências ao revestir os dispositivos de pipetagem, principalmente durante o armazenamento do tubo de coleta em temperaturas inadequadas.(19,21,22)
Essa é uma das muitas causas responsáveis por aproximadamente 70% do total de erros em testes laboratoriais ainda ocorrerem na fase pré-analítica, sendo uma fonte potencial de distorção dos resultados. Vale salientar que o tipo de tubo usado para amostragem de soro, em particular tubos com gel de barreira (tubos de gel), pode fazer com que os analitos sejam adsorvidos durante o armazenamento. Na dosagem de drogas psicoativas, por exemplo, essa interferência prejudicaria consideravelmente a acurácia da dosagem. Portanto, nestes casos, deve-se considerar a utilização de tubos mais adequados.(7)
Soma-se a isso o caso dos pacientes dialisados, pois é necessária a determinação da concentração de bicarbonato para manter o estado ácido-básico. Essas concentrações são importantes para prescrever a dose apropriada dessa substância para administrar ao paciente. No estudo de Nonkes et al.,(23) realizado com pacientes que faziam hemodiálise em home care, foi observado que o armazenamento noturno de plasma resfriado, separado em gel no tubo de heparina de lítio (LH) é uma alternativa aceitável por 24 horas, havendo, depois disso, interferência considerável do gel na quantificação do analito. Neste cenário, o novo tubo Barricor poderia substituir o tubo com gel para este tipo de dosagens, uma vez que causa menos alterações e possui maior estabilidade.(20)
Outro ponto importante a ser destacado é que existem situações nas quais a separação entre o soro e a parte celular do sangue sequer é possível através do gel. Exemplos destes casos são o efeito iatrogênico após administração de contrastante radiológico iodado;(24) e pacientes em diálise nos quais o sangue é retirado de sistemas de cateter com citrato de sódio usado de forma concentrada em solução de bloqueio.(25) Em ambas as situações, o soro passa a ter uma densidade aumentada, deslocando-se para baixo do gel e em contato direto com a parte celular, fenômeno conhecido como gel flutuante.
Wang et al.(13) descreveram o mesmo padrão em pacientes com mieloma de células plasmáticas, pois esta doença ocasiona aumento da dosagem de proteínas plasmáticas (hiperproteinemia marcada). Dessa forma, o soro se torna mais denso que o gel separador, posicionando-se acima dele durante a centrifugação. Maire e Schlüter(25) também observaram esta anormalidade com certa frequência em casos muito avançados de mieloma múltiplo.
Em um relato de caso publicado por Gerin et al.,(26) um paciente foi internado devido ao diagnóstico de pneumonia, porém o mesmo possuía mieloma múltiplo simultaneamente e essa condição não foi informada à equipe médica ou à laboratorial. Como consequência, durante a realização da centrifugação da amostra, houve a formação do gel flutuante. Devido a estas limitações dos tubos separadores com gel, fica evidente que é de suma importância relatar todas as comorbidades do paciente para o laboratório clínico e não apenas os motivos aparentes de internação ou de requisição de um determinado exame.
A formação anormal do gel também pode gerar o problema do entupimento da probe,(27) levar à oclusão das sondas do analisador ou a resultados falsamente baixos quando a amostra insuficiente é aspirada.(28) A formação incompleta ou retardada do coágulo de fibrina pode resultar na presença de fibrina latente na forma de fios finos ou massas gelatinosas, o que pode ser suficiente para causar interferência na análise bioquímica de pacientes em terapia anticoagulante, como os que possuem doença de Von Willebrand. As amostras destes pacientes podem exigir mais tempo para coagular antes da centrifugação.(28,29)
Os tubos Barricor, por sua vez, parecem não causar tão fortemente tais tipos de alterações nos exames laboratoriais. Diversos estudos têm mostrado que seu uso permite maior estabilidade nas dosagens de diversos analitos, como por exemplo glicose, ácido úrico, HDL, bicarbonato, potássio e do fosfato, no plasma, nas dosagens de medicamentos (drogas psicoativas), entre outros.(14,20,30,31)
Além disso, nos tubos Barricor é possível realizar a centrifugação imediatamente, ao passo que nos tubos com gel separador o sangue deve ser deixado em repouso, verificando se há coagulação suficiente.(30)
O estudo de Dupuy et al.(15) testou nove parâmetros químicos de rotina: alanina aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina (ALP), aspartato aminotransferase (AST), proteína C-reativa (PC-R), troponina cardíaca, subunidade T, de alta sensibilidade (hs-cTnT), lactato desidrogenase (LD), N-peptídeo natriurético cerebral pró-terminal (NT-pró-BNP), potássio (K) e sódio (Na). Foi observado que, em tubos Barricor, os analitos se mantinham estáveis 72 horas após centrifugação, permitindo reanálises ou análises adicionais. Tubos Barricor também possibilitam menor contaminação do plasma com conteúdo da parte celular do sangue. Um estudo observou uma redução acentuada das contagens de hemácias, leucócitos e plaquetas neste tipo de tubo com separação mecânica quando comparado ao tubo de separação com gel.(32)
Hétu et al.(33) ratificaram a vantagem do uso desse material ao mostrar que, antes da implementação do tubo Barricor, foram identificados 1.375 erros de aspiração durante um período de dois meses (dezembro de 2017 e janeiro 2018). Após a implementação destes tubos, o número total de erros de aspiração em um período de dois meses (dezembro de 2018 e janeiro de 2019) diminuiu significativamente: 579 erros. Esses resultados levaram a equipe a passar a amostras de plasma para estudos bioquímicos.
E apesar de os tubos Barricor possuírem custo ligeiramente maior que os tubos com gel separador, o investimento compensa. Uma vez que a qualidade da amostra é maior, menos gerenciamento de erros se faz necessário. Isso gera economia não apenas de tempo, como também de dinheiro, pois reduzirá o número de tubos necessários para cada teste. Tubos Barricor foram considerados o novo padrão para exames bioquímicos devido à qualidade encontrada no plasma formado, que, para grande variedade de analitos, possui resultados equivalentes às amostras de soro.(34)
CONCLUSÃO
O plasma obtido pelo tubo Barricor é uma amostra mais adequada para diversos tipos de análises laboratoriais. Embora possua maior custo, seu uso traz muitas vantagens ao laboratório quando comparado ao tubo de soro, uma vez que há menos contaminação com células e plaquetas, além do fato de que a separação mecânica permite uma centrifugação mais eficaz e proporciona maior estabilidade à amostra. No entanto, para que essa substituição possa ocorrer na rotina laboratorial, maiores estudos devem ser realizados, já que publicações nessa área ainda são escassas.
REFERÊNCIAS
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Correspondência
Derick Mendes Bandeira
Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz)
Laboratório de Morfologia e Morfogênese Viral
Avenida Brasil, 4365. Manguinhos
Rio de Janeiro – RJ – Brasil CEP: 21040-360
E-mail: [email protected]