Expressão imuno-histoquímica dos biomarcadores p16 e Ki-67 na lesão intraepitelial cervical de alto grau: revisão de estudos

Immunohistochemical expression of biomarkers p16 and Ki-67 in high-grade cervical intraepithelial lesion: review of studies

Cesar Augusto Ferreira de Melo1
Maria Lucia Utagawa2

 

1  Graduando em Biomedicina da Universidade Anhembi Morumbi.

2  Docente da Universidade Anhembi Morumbi.

 

Instituição: Universidade Anhembi Morumbi. São Paulo, SP, Brasil.

 

Recebido em 02/07/2020

Aprovado em 12/08/2021

DOI: 10.21877/2448-3877.202202030

INTRODUÇÃO

 

O câncer do colo do útero é o quarto tumor mais comum entre mulheres no mundo e o terceiro no Brasil, atingindo predominantemente populações de baixa renda, sendo que o principal fator de risco para o desenvolvimento do câncer cervical é a infecção persistente pelo Papilomavírus humano de alto risco (HR-HPV) oncogênico.(1,2)

A história natural do desenvolvimento do câncer do colo uterino está intimamente associada à infecção persistente pelo Papilomavírus humano (HPV) dos tipos carcinogênicos, a qual representa a infecção sexualmente transmissível mais prevalente no mundo. Habitualmente, a infecção pelo HPV ocorre mais frequentemente entre mulheres jovens, com vida sexual ativa, múltiplos parceiros sexuais e possui pico de incidência poucos anos após o início da atividade sexual.(3,4)

O desenvolvimento do câncer do colo uterino é resultado da progressão de lesões precursoras. A maioria das neoplasias intraepiteliais cervicais (NIC), especialmente as de grau 1, tende a regredir naturalmente, porém temos lesões que podem progredir para o câncer ao longo do tempo. O surgimento das NIC ocorre geralmente em mulheres jovens, em torno dos 30 anos, porém têm uma progressão lenta, podendo levar anos para chegar até a doença invasiva.(5)

Portanto, mulheres mais velhas têm um risco maior de apresentar o câncer de colo uterino. O longo intervalo entre a lesão precursora e o surgimento do câncer permite o rastreamento e prevenção dessa doença. Vários estudos já têm demonstrado que o principal fator para o desenvolvimento das NIC e do câncer do colo uterino é a infecção persistente pelos tipos oncogênicos do HPV.(6)

O HPV pertence à família Papillomaviridae, gênero Papillomavirus. São vírus não envelopados e com DNA de dupla fita circular e cerca de 8.000 pares de bases. Mais de 200 tipos de HPV já foram identificados e cerca de 40 tipos infectam o trato genital feminino.(6)

A detecção precoce e a identificação das lesões cervicais são os objetivos centrais do rastreamento do câncer cervical e está fundamentada em três exames: Citopatologia ginecológica, colposcopia e biópsia. A biópsia é considerada o “padrão-ouro” para identificação das lesões.(7)

No entanto, dificuldades têm sido relatadas pelos patologistas no diagnóstico diferencial das NIC com o uso dessa metodologia, principalmente na transição de NIC2 para NIC3, o que destaca a necessidade de buscar biomarcadores específicos que minimizem a discordância entre os analistas, auxiliando na classificação das lesões e na identificação precoce da doença cervical. Estes biomarcadores contribuem para fornecer evidências da persistência da infecção pelo HPV e da ativação de suas proteínas oncogênicas virais.(7,8)

Atualmente os biomarcadores mais estudados são p16, ProExC, que atuam no ciclo celular, e o Ki-67, um marcador de proliferação celular. A coexpressão dessas duas moléculas sugere uma desregulação do ciclo celular mediada pela infecção do HPV de alto risco. Estudos têm mostrado a importância da coloração dupla p16/Ki-67 na triagem e rastreamento de câncer cervical e lesões pré cancerosas.(9)

Este estudo tem por objetivo analisar a correlação com a expressão imuno-histoquímica dos biomarcadores p16 e Ki-67 com lesão intraepitelial cervical de alto grau na detecção molecular DNA/HPV de alto risco.

 

METODOLOGIA

 

Visando alcançar resposta ao objetivo enunciado, considerou-se pertinente a realização de uma revisão sistemática, por permitir a síntese do estado do conhecimento de um determinado assunto, permitindo a compilação de vários estudos publicados em um período, o que facilita alcançar informações conclusivas relevantes. O levantamento bibliográfico foi realizado por meio de buscas informatizadas nas bases de dados eletrônica Literatura Latino-Americana em Ciência e Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), National Library of Medicine, Estados Unidos (MEDLINE).

Para tanto, foram aplicados como Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) os seguintes: neoplasia intraepitelial cervical, neoplasia do colo do útero, biomarcadores, infecções por papilomavírus. Os critérios de inclusão foram: artigos publicados no período de 2005a 2019, a fim de garantir informações atualizadas, redigidos nos idiomas português, inglês e espanhol; artigos científicos originais e de revisão que respondam ao objetivo proposto. E como critérios de exclusão foram estipulados os seguintes: ausência de resumos nas plataformas de busca online; indisponibilidade de acesso na íntegra e demais tipos de publicações, como anais de congressos e editorais.

Para o levantamento dos artigos foram realizadas três etapas de leitura minuciosa. Assim, a princípio os estudos que não atenderam aos critérios de inclusão foram excluídos. Na primeira leitura, se enfatizou o título e o resumo dos artigos, na segunda leitura, deu-se ênfase ao método, resultados e conclusões e, por fim, na última etapa, ocorreu a leitura na íntegra.

 

DESENVOLVIMENTO

 

Nos últimos anos, os biomarcadores têm sido muito estudados para colaborar na identificação de lesões intraepiteliais escamosas de alto grau. Já há um consenso que estes biomarcadores podem ser incorporados na prática da histopatologia a fim de aumentar a sensibilidade na detecção de lesão de alto grau em biópsias.(9)

Uma série de proteínas tem sido relacionada a mecanismos envolvidos na carcinogênese cervical e vem sendo proposta como possíveis biomarcadores da doença, dentre estas destacam-se a proteína supressora de tumor p16INK4a e o marcador de proliferação celular Ki-67, p53, pRb.(9,10)

As oncoproteínas críticas do HPV envolvidas no processo da carcinogênese são as oncoproteinas virais E6 e E7. A proteína viral E6 se liga e inativa a proteína p53 e desregula o ciclo celular bloqueando o processo de apoptose, fazendo com que as células infectadas percam o controle, proliferando de forma desordenada. A pRb é desativada pela oncoproteina E7, liberando o E2F ativado que informa a continuação do ciclo celular. Isso induz à expressão aumentada de p16 que tenta bloquear o ciclo, mas o feedback não funciona, porque a proliferação das células infectadas não depende da Ciclina D/Cdk4/6, causando então acúmulo de p16 na célula.(11-14)

Muitos estudos recentes têm verificado a importância e a positividade do imunomarcador da p16 e do p53 nas NIC. Fonseca et al. (2016), em seus estudos, demonstram que a expressão imuno-histoquimica de p53 e p16 evidencia fortemente a relação de gravidade da infecção do HPV com o desenvolvimento da NIC, mas que não podem ser considerados marcadores capazes de prever a recorrência da doença após tratamento por conização.(9,13-17)

Estudos tem demonstrado que, as células resultantes de mutação pela ação das oncoproteínas virais podem se multiplicar descontroladamente e levar ao desenvolvimento de lesões precursoras do câncer de colo uterino e, dessas, evoluírem para o câncer.(6,18)

O antígeno de proliferação Ki-67 é expresso durante as fases G2 e M do ciclo celular e tem demonstrado ser confiável para medir a gravidade das lesões NIC. Além disso, sua associação com p16 pode melhorar a acurácia diagnóstica das lesões cervicais e indicar desregulação do ciclo celular.(15,19)

Além do Ki-67, outro marcador que tem sido avaliado por sua capacidade de medir a fração de células em proliferação é a Proteína Nuclear de Proliferação Celular (PCNA). A expressão de PCNA também está associada à replicação e ao reparo do DNA podendo variar com a gravidade e progressão da neoplasia cervical.(20,21)

Até o momento, a proteína supressora tumoral p16 e o antígeno de proliferação celular Ki-67 são os marcadores mais extensivamente investigados pela maioria das pesquisas.(16)

Estudos de Yonamine et al. (2009) concluíram que o uso isolado do biomarcador da proteína p16 não é fator prognóstico de NIC persistente. Entretanto, na dupla coloração, a superexpressão de p16 e expressão de Ki-67 em situações fisiológicas são independentes e não ocorrem simultaneamente na mesma célula epitelial cervical. Porém, a coexpressão de p16 / Ki-67 implica desregulação do ciclo celular induzido por HR-HPV e a detecção da coexpressão pode servir como um marcador para prever a transformação celular por HR-HPV e a presença das lesões de NIC de alto grau.(22,23)

A dupla coloração de p16 / Ki-67 demonstrou uma boa sensibilidade e especificidade na NIC, a coexpressão foi expressa em 86,20% e no carcinoma em 95,23%, enquanto nos casos de cervicite crônica não houve expressão de p16 e Ki-67 em 100%.(24)

A forte e difusa expressão citoplasmática e nuclear de p16 no colo do útero é predominantemente associada à infecção por HR-HPV. A superexpressão de p16 é observada na maioria dos cânceres cervicais. O padrão de imunomarcação de p16 e Ki-67 teve relação com as categorias diagnósticas de NIC realizadas em Hematoxilina-eosina, tendendo a ser positivo e difuso em mais de 1/3 do epitélio para p16 e positivo difuso ou multifocal em pelo menos 1/3 do epitélio para Ki-67 nas lesões de alto grau (NIC 2 e NIC 3) e câncer.(24-26)

 

CONCLUSÃO

 

A proposta do estudo foi alcançada, visto que foi possível destacar a relevância dos biomarcadores para diagnóstico de câncer do colo de útero, buscando avaliar a infecção do HPV por meio da expressão desses marcadores em dupla coloração nos casos onde há dúvidas de interpretação e ajudar no diagnóstico e prognóstico das lesões intraepiteliais cervicais na detecção molecular DNA/HPV de alto risco.(23)

Há evidências crescentes de que a dupla coloração p16/Ki-67 pode ser usada como boa alternativa na triagem e rastreamento de câncer cervical e lesões pré-cancerosas, mostrando alta sensibilidade e especificidade.(24)

O uso das proteínas p16 e Ki67 pode melhorar o desempenho dos testes de detecção das lesões pré-cancerosas e auxiliar na identificação das mudanças que acontecem durante a progressão da lesão cervical, aprimorando os métodos de rastreio atuais.(16)

O gene p53 tem sido extensivamente estudado nas neoplasias, mostrando que pacientes com mutações apresentam pior prognóstico. Estudos realizados por Fonseca et al. (2016) concluíram que a expressão imuno-histoquímica de p53 e p16 apresentou baixa sensibilidade e baixa especificidade como marcadores capazes de predizer a recorrência da NIC de alto grau tratada por conização. Contudo, a maioria dos estudos consegue identificar uma relação direta entre o percentual de positividade da expressão destes marcadores com a gravidade da doença. Porém, não existem dúvidas de que o gene p53 tem um papel crítico na carcinogênese. Desta maneira, os biomarcadores moleculares p53, pRb e ciclinas também têm sido indicados para entrar nos painéis de estudo.(13,17,18,27)

Vários estudos ainda devem ser realizados para identificar o melhor marcador para determinar o risco de desenvolvimento da doença e o prognóstico, para o sucesso do tratamento.

 

 

 

REFERÊNCIAS

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  2. INCA. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Manual de Gestão da Qualidade para Laboratório de Citopatologia. 2. ed. Rio de Janeiro: INCA, 2016.
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