Vacinação em mulheres gestantes, puérperas e lactantes
Vaccination in pregnant, puerperal and lactating women
Maria do Socorro Ferreira Martins1
Sarah Laís Silva de Freitas2
Catherine Sonaly Ferreira Martins3
1Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Campina Grande, PB, Brasil. Presidente do Comitê de Imunizações da Sociedade Paraibana de Pediatria, Membro do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Pediatria, Profa. do Curso de Medicina do Centro Universitário Facisa (Unifacisa). Campina Grande, PB, Brasil.
2Acadêmica de Medicina da Universidade Federal de Campina Grande. Campina Grande, PB, Brasil.
3Professora de Alergia e Imunologia Clínica da Universidade Federal de Campina Grande. Campina Grande, PB, Brasil.
Recebido em 10/03/2021
Aprovado em 29/04/2021
DOI: 10.21877/2448-3877.202100964
INTRODUÇÃO
A COVID-19, doença causada pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2), surpreendeu o mundo por ter rápida disseminação e ser potencialmente grave. Os estudos publicados no início da pandemia com gestantes e puérperas sobre a COVID-19 não considerava que esse grupo de mulheres seria de risco e que não apresentariam uma maior probabilidade de desenvolver formas graves da doença com complicações obstétricas evoluindo com hospitalizações e mortes, como também uma maior ocorrência de prematuridade e óbito fetal.(1)
No ano de 2020, estatísticas divulgadas pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos da América apontaram que gestantes estão em risco maior para internação em unidades de tratamento intensivo e para intubação.(2–4) Em síntese, apesar das gestantes não apresentarem maior risco de contrair a doença, quando infectadas podem ter uma evolução pior do que mulheres da mesma idade que não estão grávidas.(5)
De acordo com análise dos dados publicados do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP GRIPE), houve aumento importante da mortalidade materna por COVID-19 no Brasil, sendo até o dia 02 de junho de 2021 notificados 455 casos em 2020 e 814 em 2021(6). Isto representa 10 mortes maternas por semana em 2020 e 38 mortes maternas por semana em 2021. Tanto nos casos de SRAG, como nos de SRAG confirmados para COVID-19, a idade gestacional mais frequente é o terceiro trimestre(6). Comparando os anos de 2020 e 2021, a mortalidade materna semanal aumentou em 283% e a mortalidade da população em geral em 105%, confirmando os achados do CDC de que gestantes constituem grupo de maior risco para complicações e óbito decorrente da COVID-19.
Objetivo
O objetivo desse trabalho foi apresentar uma breve revisão do impacto da COVID- 19 nas gestantes, puérperas e lactantes e avaliar alguns fatores de risco relacionados à saúde dessa população como também as recomendações específicas da vacinação contra a COVID-19 nesse grupo, além de relatar eventos adversos raros observados com um dos imunizantes.
A metodologia empregada foi através da seleção aleatória de artigos e publicações mais recentes sobre o tema, como as notas técnicas atualizadas emitidas pelo Ministério da Saúde.
Vacinas atualmente recomendadas para gestantes e puérperas no Brasil
Nenhuma das vacinas em uso atualmente, tanto no Brasil como no mundo, incluiu gestantes nos estudos de fase 3. Segundo o MS, as vacinas Sinovac/Butantan (Coronavac©) e Pfizer/BioNTech (Comirnaty©), que passam a ser disponibilizadas para as gestantes no Brasil, são de categoria B (nos estudos realizados em animais não foram observados efeitos teratogênicos) e estão descritas nas suas respectivas bulas.(7)
A vacina Coronavac©, de vírus inativado, é produzida com tecnologia semelhante às atualmente ofertadas para gestantes no calendário para esse grupo no PNI(8). Já a vacina da Pfizer/BioNTech (Comirnaty©) utiliza uma plataforma inovadora, de RNA mensageiro(7). Nos EUA, esta última foi recomendada para gestantes de risco e os dados de monitoramento publicados até o momento demonstram segurança de seu uso nessa condição, confirmado por recentes publicações.(9,10)
Suspensão da vacina AstraZeneca/Fiocruz
As vacinas COVID-19 em uso no Brasil não foram avaliadas em estudos de fase 3 em gestantes e puérperas e, portanto, não possuem indicação para uso em bula de maneira indiscriminada, sendo seu uso recomendado apenas após avaliação do risco-benefício.(11) Os dados de segurança para uso na gestação provêm sobretudo de estudos em animais, que não demonstraram riscos aumentados de complicação, bem como de relatos de uso pós-implantação nos diversos países.(11)
A gestação por si só é uma condição com risco aumentado de eventos de trombose e sangramento.(12) Contudo, não há evidências de que ela seria um fator de risco para a ocorrência da síndrome de trombose com trombocitopenia (TTS).(12) Considerando o mecanismo fisiopatológico proposto e específico para esta síndrome (presença de autoanticorpos contra o fator 4 plaquetário), não é esperado que haja um risco aumentado de ocorrência da síndrome em indivíduos que possuam outros fatores predisponentes para trombose, incluindo gestantes.(12) A exceção são indivíduos que apresentaram quadro prévio de trombocitopenia induzida por heparina.(12)
A suspensão temporária da vacina AstraZeneca/Fiocruz em gestantes e puérperas é resultado do monitoramento e vigilância de eventos adversos com as vacinas COVID-19 que estão sendo utilizadas no Brasil.(13)
Após o recebimento da notificação de um caso de TTS em gestante que resultou em óbito materno e fetal, com possível associação causal com a vacina AstraZeneca/Fiocruz no estado do Rio de Janeiro, o caso foi avaliado pela Câmara Técnica Assessora em Farmacovigilância de Vacinas e outros Imunobiológicos (CTAFAVI), tendo sido classificado como nível 2 de certeza diagnóstica (caso provável).(13) Trata-se de uma síndrome extremamente rara, inicialmente descrita na Europa, com incidência estimada ao redor de um caso para cada 100 mil doses administradas da vacina. Até o momento não haviam sido notificados casos desta síndrome em gestantes em todo o mundo.(13)
As gestantes e puérperas que já receberam dose(s) da vacina AstraZeneca/Fiocruz devem ser orientadas a procurar atendimento médico imediato se apresentar nos 4 a 28 dias seguintes à vacinação os seguintes sintomas: falta de ar, dor no peito, inchaço em perna, dor abdominal persistente, sintomas neurológicos, como dor de cabeça persistente e de forte intensidade, visão borrada, dificuldade na fala ou sonolência, pequenas manchas avermelhadas na pele além do local em que foi aplicada a vacina.(14)
Os trabalhadores da saúde deverão ficar atentos para os sinais e sintomas da síndrome de TTS e as recomendações de manejo adequado, conforme detalhado na Nota técnica n.º 441 /2021 – CGPNI/DEIDT/SVS/MS.(14)
É importante que seja esclarecido que uma identificação precoce dos sintomas relacionados a possíveis eventos adversos pós-vacinação (EAPV) à vacina Oxford/AstraZeneca/Fiocruz e com uma intervenção terapêutica adequada, a letalidade para esses casos diminui bastante.
Recomendações atuais do PNI sobre a vacinação nas gestantes e puérperas e lactantes
A Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Associação Médica Brasileira (AMB) reforçam que a COVID-19 em gestantes está associada a risco elevado de morbidade e mortalidade materna, além do maior risco de prematuridade e óbito fetal.(15)
Considerando a avaliação do perfil de risco-benefício da vacinação contra a COVID-19 em gestantes e puérperas até 45 dias do pós-parto, o PNI entende que neste momento o perfil de risco-benefício neste grupo seja altamente favorável à vacinação e faz as seguintes recomendações:(13)
- a) Vacinar gestantes e puérperas (até 45 dias após o parto), a partir de 18 anos, como grupo prioritário independentemente da presença de fatores de risco adicional.
- b) A vacinação das gestantes e puérperas (até 45 dias após o parto), a partir de 18 anos, deverá ser realizada com as vacinas que não contenham vetor viral (Sinovac/Butantan e Pfizer/Wyeth), não estando recomendado intercambialidade entre laboratórios produtores para aquelas que receberam sua primeira dose com o imunizante AstraZeneca/Oxford.
- c) A vacinação poderá ser realizada em qualquer trimestre da gestação.
- d) A vacinação das gestantes e puérperas (até 45 dias após o parto), a partir de 18 anos, deverá ser condicionada a uma avaliação individualizada, compartilhada entre a gestante e seu médico, do perfil de risco-benefício, considerando as evidências e incertezas disponíveis até o momento.
- e) A vacinação poderá ser realizada em lactantes que pertençam a algum dos grupos prioritários já elencados, no momento da convocação do respectivo grupo, não sendo necessária a interrupção da lactação, no entanto a lactação em si não será considerada como prioritária para a vacinação.
- f) Para a vacinação das gestantes e puérperas deverá ser exigido prescrição médica.
Os dados fornecidos pelo Ministério da Saúde de janeiro a maio de 2021, estão presentes na Tabela 1 e na Tabela 2, do total de doses aplicadas das vacinas da COVID-19 em gestantes e puérperas no Brasil e a incidência de eventos adversos notificados para cada 100 mil doses aplicadas dos respectivos imunizantes.(15)
Trabalhos preliminares publicados em vários países mostraram também o provável benefício da vacinação das gestantes trazendo proteção para o feto e o bebê, através dos anticorpos transplacentários da classe IgG, mas ainda precisamos saber o nível dessa proteção para diversas vacinas, por quanto tempo protegerá essa criança e se essa proteção será a mesma para os diferentes desfechos de leve, moderado ou grave.(16,17)
Tabela 1 – Distribuição das doses aplicadas de vacinas para COVID-19 em gestantes durante os meses de janeiro até maio de 2021.
Imunobiológicos | Doses aplicadas | ||
Dose 1 | Dose 2 | Total | |
AstraZeneca/Fiocruz | 37.455 | 1.134 | 38.589 |
Sinovac/Butantan | 6.760 | 2.989 | 9.678 |
Pfizer/Wyeth | 39.342 | 23 | 39.365 |
Total | 83.577 | 4.055 | 87.639 |
Fonte: CGPNI/DEIDT/SVSMS.
Tabela 2 – Eventos adversos notificados em gestantes com registro nominal de vacinação contra a COVID-19, período de janeiro a maio de 2021, Brasil.
AstraZeneca/
Fiocruz |
Incidência* | Sinovac/
Butantan |
Incidência* | Pfizer/
Wyeth |
Incidência* | Total | |
Graves | 19 | 49,2 | 0 | 0,0 | 5 | 12,70164 | 24 |
Óbitos | 3 | 7,8 | 0 | 0,0 | 1 | 2,540328 | 4 |
Não grave | 357 | 925,1 | 40 | 413,3 | 18 | 45,7259 | 415 |
Total | 376 | 974,4 | 40 | 413,3 | 23 | 58,42754 | 439 |
*Incidência por 100 mil doses administradas.
Fonte: CGPNI/DEIT/SVSMS.
Vacinação nas lactantes
A OMS, a SBP e outras entidades internacionais se posicionaram claramente a favor da vacinação nesse grupo de lactantes, mesmo não sendo considerado como prioritário; sua recomendação atual de vacinação é para aquelas lactantes com comorbidades ou pertencentes a grupo de alto risco ocupacional, enquanto não dispomos de estudos. A OMS não preconiza a interrupção da amamentação após a vacinação.(8)
São citadas como referências as orientações vacinais do CDC que, por seu comitê de imunizações Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP), defende ser altamente improvável que os componentes das vacinas contra COVID-19 possam ser excretados no leite materno e, mesmo que o fossem, seriam digeridos no intestino dos lactentes.(18) O CDC ainda confirma que atualmente nenhuma das vacinas utiliza vírus vivos e, portanto, não podem provocar a doença COVID-19 e nem alterar o material genético de quem as recebe.(18)
As vacinas inativadas têm sido utilizadas há décadas em lactantes, sem nenhum risco ou prejuízo ao recém-nascido ou lactente. O puerpério, inclusive, é considerado um excelente momento de atualização do calendário vacinal da mulher.
O E-lactancia, site destinado principalmente a estudos de compatibilidade ou não de medicamentos e substâncias utilizadas pela mulher durante a amamentação, se posiciona a favor da vacinação de lactantes (situação bastante segura, provavelmente compatível, risco leve ou pouco provável), citando nominalmente as vacinas da Pfizer, Moderna e Oxford.(10)
A Academia Médica de Aleitamento Materno (ABM) confirma que há pouca plausibilidade biológica de que a vacina cause danos aos lactentes e chama a atenção para os anticorpos (IgA secretória contra o SARS-CoV-2) provindos do leite de mulheres vacinadas que podem proteger a criança amamentada, como já temos estudos mostrando essas evidências, mas ainda não sabemos se no total de anticorpos recebidos pelo bebê os valores são os mesmos para todas as vacinas e por quanto tempo a criança ficará protegida.(19) Um benefício claro da vacinação da lactante é propiciar a proteção destas mulheres contra a COVID-19, diminuindo, portanto, o risco teórico de transmitir a infecção aos filhos destas mães vacinadas.
Espera-se que em um futuro próximo sejam ofertadas vacinas em quantidade suficiente para vacinação universal de gestantes, puérperas e lactantes, pois ao se vacinar esse grupo de mulheres, além de evitar seu adoecimento também protege indiretamente seus bebês.
Conclusão
A falta de ensaios clínicos nas pesquisas com gestantes, puérperas e lactantes, torna a vacinação desse grupo um assunto muito controverso e sem unanimidade nas suas recomendações, seja pelas entidades internacionais, nacionais ou sociedades científicas. Diante desse contexto pandêmico, avaliando risco da doença versus benefício alcançado pela vacinação, o PNI decide vacinar gestantes e puérperas (até 45 dias após o parto), a partir de 18 anos, como grupo prioritário independentemente da presença de fatores de risco adicional, e deverá ser realizada com as vacinas que não contenham vetor viral (Sinovac/Butantan e Pfizer/Wyeth), podendo ser realizada em qualquer trimestre da gestação. Deverá ser condicionada a uma avaliação individualizada, compartilhada entre a gestante e seu médico, considerando as evidências e incertezas disponíveis até o momento. O Ministério da Saúde aguarda uma posição da OMS sobre o assunto, como também novas evidências científicas e dados epidemiológicos para novas recomendações.
Abstract
In march 2020, the World Health Organization announced the onset of a devastating pandemic caused by the SARS-CoV-2 virus. Since then, accumulated scientific evidence have been showing that pregnant and postpartum women are at risk groups for obstetric complications, hospitalizations, maternal deaths, prematurity and fetal deaths, unlike the results obtained at the beginning of the pandemic. Preliminary studies have already shown that vaccination in pregnant women is beneficial and safe for the mother-fetus/infant trinomial. Covid-19 vaccines currently available on the National Program Immunization (PNI) don´t contain any live component in their formulations and they are similar to other inactivated vaccines that have been already used safely in the vaccination schedule of pregnant women. Furthermore, experimental studies in animals did not identify any teratogenic effects so far. The 8th edition of Covid-19 National Plan for the Operationalization of Vaccination, advise to perform Covid-19 vaccination in pregnant and postpartum women over 18 years of age with comorbidities. However, some states are following their own guidelines, and to recommend immunizing even those without comorbidities. After large-scale vaccination carried out in several countries with non-replicating vector immunizing agents (Oxford / AstraZeneca / Fiocruz and Johnson & Johnson), very rare and serious adverse events of thrombocytopenic thrombocytosis (TT) were observed. In response to ANVISA’s request, the PNI temporarily suspended the vaccination of pregnant and postpartum women with vaccines that use this platform, after a case reported with a pregnant woman in the city of Rio de Janeiro that resulted in maternal and fetal death, with a possible association with the Oxford / AstraZeneca / Fiocruz vaccine. Additionally, the PNI interrupted the vaccination of pregnant and postpartum women without comorbidities or risk factors for infection with any immunizing agent using this immunizing.
Keywords
Covid-19 vaccines; pregnant women; postpartum women; breastfeeding women; adverse events to vaccines
Referências
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Correspondência
Maria do Socorro Ferreira Martins
Universidade Federal de Campina Grande