Prevalência de doenças respiratórias e alérgicas em Caxias do Sul-RS

Prevalence of respiratory and allergic diseases in Caxias do Sul-RS

 

Shaiane Aline Cunico1

Liziane Bertotti Grippa2

Cristian Roncada3

1Biomédica. Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG). Caxias do Sul – RS, Brasil.
2Bióloga. Mestre em Biologia com ênfase em Diversidade e Manejo de Vida Silvestre pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professora do Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG). Caxias do Sul – RS, Brasil.
3Professor. Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG). Caxias do Sul – RS, Brasil.

Instituição: Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG). Caxias do Sul – RS, Brasil.

Recebido em 18/12/2018
Artigo aprovado em 24/03/2020
DOI: 10.21877/2448-3877.202000812

 

INTRODUÇÃO

As doenças respiratórias como rinite alérgica e asma vêm sendo consideradas as principais patologias do homem moderno.(1) Podem ocorrer em qualquer fase da vida, sendo mais comum durante a infância, onde sua prevalência vem aumentando em todo o mundo. A asma é uma inflamação das vias aéreas e possui sintomas como dispneia, tosse, opressão torácica, muco excessivo e chiados.(2) Tais sintomas podem ser controlados por meio de tratamento profilático ou até mesmo serem reversíveis espontaneamente.(3)

A rinite alérgica é uma inflamação da mucosa nasal causada pela inalação de alérgenos como os ácaros da poeira domiciliar. Seus sintomas são obstrução nasal, coriza hialina ou mucoide e espirros que duram de dois a mais dias consecutivos. Além disso, cerca de 60% dos casos de asma possuem diagnosticados conjunto de rinite alérgica.(4) Sua incidência vem aumentando, e, apesar de não ser uma doença grave, ela afeta a qualidade de vida do paciente e dificulta o controle da asma.(5) Alguns desses sintomas aparecem após a exposição do indivíduo a alérgenos como ácaros da poeira domiciliar, fungos, animais domésticos, pólens, fumaça de tabaco, odores fortes, poluição e mudanças de temperatura e umidade.(6)

Essas doenças são causadas na maioria das vezes por alergia respiratória, que é uma reação de hipersensibilidade do sistema imunológico, mediadas por mecanismo imunológico IgE (imunoglobulina E).(7) Ao indivíduo, ao entrar em contato com substâncias alérgenas ocorre uma resposta inflamatória alérgica que acontece em duas fases, sendo a primeira fase imediata, na qual ocorre a ação dos mediadores liberados na degranulação de mastócitos e basófilos.(7) Após quatro a oito horas acontece a fase tardia devido ao recrutamento por quimiotaxia de células como eosinófilos, neutrófilos e células T, que migram para o sítio inflamatório.(7) As alergias respiratórias são causadas por fatores genéticos e ambientais como a poeira doméstica, ácaros, fungos e acometem 20% a 30% da população mundial.(8)

A atopia é uma doença inflamatória cutânea de caráter crônico e genético, com reações de hipersensibilidade mediadas por IgE em resposta a alérgenos, causando eczemas com pruridos e está associada com a asma e a rinite alérgica.(9) Alguns fatores como pele seca, poeira, produtos de limpeza, roupas de lã, tecido sintético, baixa umidade do ar, frio intenso, calor e transpiração, infecções, estresse emocional e alguns alimentos ajudam a desencadear ou a piorar a dermatite atópica.(6) É mais comum na infância e na adolescência, mas afeta também na fase adulta, e sua prevalência vem aumentando nos últimos anos devido à predisposição genética, poluição e exposição aos alérgenos.(10)

Para o diagnóstico dessas doenças respiratórias, primeiramente é feito um histórico clínico do paciente, avaliando-se sintomas, características físicas e o histórico familiar. Outros testes utilizados para a confirmação das alergias são o teste de imunoglobulina E (IgE) e o teste cutâneo. O teste cutâneo é o mais utilizado por ser considerado um teste padrão para diagnóstico de alergia já que é um método rápido, simples e muito acessível.(11) Esse teste é de hipersensibilidade imediata (TCHI) onde se evidenciam reações alérgicas por IgE, possuindo alta sensibilidade e especificidade. Ele deve ser executado com antígenos de relevância clínica do paciente e sob supervisão médica, assim determinando a sensibilização alergênica que serve para orientar a imunoterapia adequada para o tratamento e também medidas de higiene do ambiente.(12)

As alergias respiratórias não têm cura, portanto, algumas medidas como a higienização do ambiente de forma frequente ajudam a diminuir as manifestações clínicas.(13) Vacinas de alérgenos também podem proporcionar uma melhora ao paciente com rinite alérgica e evitar o aparecimento da asma.(14) Manter uma higiene no domicílio, lavar sempre lençóis e cortinas, usar capas antialérgicas para colchões e travesseiros, evitar plantas e animais de estimação dentro de casa são medidas que ajudam a melhorar a qualidade de vida.(15) Mediante tais fatos, o objetivo do estudo é avaliar a prevalência de doenças respiratórias e atopia em duas amostras distintas de Caxias do Sul-RS.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo caracteriza-se por uma pesquisa de delineamento transversal descritivo analítico, sendo avaliada a prevalência de doenças respiratórias e atopia de duas populações distintas de Caxias do Sul-RS no período de março a junho de 2018. Como critério de inclusão, foram selecionadas residências dos distritos urbanos (grupo urbano) e rurais (grupo rural) do município. No total, foram selecionadas cem residências (cinquenta urbanas e cinquenta rurais), sendo aplicada uma randomização simples na avaliação da prevalência de doenças nas residências com mais de um morador. Como critérios de exclusão, foi aplicado aos participantes um quadro de atopia no momento da avaliação, com ou sem tratamento medicamentoso.

Para classificação da amostra foi aplicado um questionário em forma de entrevista, com duração média de cinco minutos, contendo perguntas sobre dados gerais da residência e de seus moradores. Para avaliação da classificação econômica, foi aplicado o questionário organizado e orientado pelo Critério Brasil de Classificação Econômica “CBCE”, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP),(16) composto por uma pergunta sobre grau de escolaridade do chefe da família e utensílios domésticos na residência. A partir das respostas, o questionário foi categorizado nas faixas econômicas de A a E, onde A são as pessoas classificadas com maior poder aquisitivo e E abaixo dos níveis da pobreza.(16) O CBCE foi aplicado em forma de entrevista, tendo dois minutos como tempo médio para sua aplicação. Para avaliação de doenças respiratórias foi aplicado um questionário contendo perguntas sobre asma, rinite e atopia, baseado na fase III do estudo internacional de doenças alérgicas ISAAC (International Study of Asthma and Allergies in Childhood).(17)

Para fins da avaliação das alergias foi aplicado o teste cutâneo (Skin Prick Test) na superfície volar medial do antebraço dos indivíduos, onde foram aplicados os extratos de alérgenos (gota única), por conta-gotas, a uma distância de aproximadamente 2 cm, em sequência pré-determinada [1ª fila: Soro, Histamina 10 mL/mL, Barata MIX (5%), D. pteronyssinus (20%) e Epitélio de cão (5%) / 2ª fila: Epitélio de gato (5%), Gramíneas MIX (5%), B. tropicalis (20%), Fungos do ar (5%) e D. farinae (20%)]. Foi utilizado um Puntor® (dispositivo plástico que limita o grau de penetração na pele) para cada alérgeno. Após três minutos, foi retirado o excesso de extrato com papel toalha, evitando-se contaminar os testes vizinhos. A leitura foi realizada 15 minutos após a aplicação dos alérgenos. Para o diagnóstico de atopia, tanto histamina quanto outro diluente de extrato, exceto soro, com pápulas com diâmetro maior ou igual a 3 mm indicam positividade do teste.(18)

Para fins de cálculo amostral, considerando a população de Caxias do Sul-RS com 415.822 habitantes(19) e um percentual médio de 10% de doenças alérgicas, assumindo um erro amostral de 5% e um nível de confiança de 95%, buscando uma diferença entre grupos rurais e urbanos de 10%, seriam necessários ao menos cinquenta indivíduos/residências caracterizados nos critérios de inclusão para cada grupo, totalizando uma amostra de cem domicílios visitados.

Para fins de análise estatística, aplicou-se o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences, Nova York, Estados Unidos), versão 20.0. As variáveis quantitativas são apresentadas sob forma de média e desvio padrão e as nominais em forma de frequências absolutas e relativas. Para comparação entre os resultados, foi utilizado o teste t independente de Student, e para variáveis qualitativas foi utilizado o teste de qui-quadrado. A significância estatística estipulada foi de 5% (p<0,05).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa (CEP) da instituição proponente, sob parecer con¬subs¬tanciado nº 2.567.206/2018. Os responsáveis pelas residências foram convidados a ler e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), o qual contempla informações sobre a justificativa do estudo e os procedimentos que foram realizados nos domicílios.

RESULTADOS

Participaram do estudo cem indivíduos, sendo 57% pertencentes à zona urbana e 43% pertencentes à zona rural de Caxias do Sul-RS. Do total, 71% dos avaliados eram do sexo feminino, com idade média de 43,3±15,7 anos, pertencentes às classes C (29%) e D (63%), como escolaridade predominante o ensino fundamental (41%) e médio (35%), raça caucasiana (72%) e ocupação no ramo indus¬trial (32%). Na Tabela 1, os resultados de classificação amostral são demonstrados por grupos.

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Na classificação entre a prevalência de doenças respiratórias (Tabela 2), os resultados demonstram haver maior número de moradores nas residências na zona rural (p=0,036), com maior número de autorrelato de doenças respiratórias (p=0,008), sendo confirmado o diagnóstico de asma em 10% no quadro geral (8% na zona urbana e 2% na zona rural; p=0,023), por meio dos critérios do estudo internacional The International Study of Asthma and Allergies in Childhood, com relatos de remissão da doença nos últimos 12 meses (p<0,001), consultas médicas (p<0,001) e utilização de medicamentos (p=0,002) para o grupo zona urbana. Para diagnóstico de doença pulmonar obstrutiva crônica e enfisema pulmonar não houve casos entre os dois grupos, além de possuírem valores semelhantes no autorrelato de outras doenças crônicas (p=0,198), possuírem animais domésticos (p=0,333) ou prevalência de tabagismo (p=0,716)

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Por fim, na avaliação da atopia, por meio do teste cutâneo imediato (Skin Prick Test), houve uma positividade de 62% no quadro geral, não havendo diferença entre os grupos avaliados (p=0,579), conforme Tabela 3 e Figura 1. Os índices de positividades foram maiores entre o grupo de ácaros da poeira domiciliar (Dermatophagoide pteronyssinus, 31%; Dermatophagoide farinae, 15%; Blomia tropicalis, 19%), seguido pelo epitélio de gato e mix de gramíneas (ambas 13%).

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Figura 1. Prevalência de atopia, por grupo, pertencentes à Zona Urbana (N=57) e à Zona Rural (n=43) de Caxias do Sul-RS.

DISCUSSÃO

Doenças respiratórias crônicas possuem elevada prevalência no Brasil.(20) Uma das justificativas deve-se ao fato de estarem relacionadas aos fatores genéticos e ambientais. Dentre estes fatores, a alergia tem um papel fundamental para o desencadeamento destas doenças, principalmente para indivíduos portadores de rinite alérgica ou asma. Outra relação para estas doenças deve-se ao local de moradia destas populações, possuindo maior frequência nas zonas urbanas.(20) No presente estudo, o diagnóstico de asma se mostrou significantemente maior na população urbana, com histórico de remissão da doença nos últimos 12 meses. Em relação à atopia, mesmo sendo evidenciado um diagnóstico elevado entre os dois grupos, não houve diferença entre os reagentes testados, tendo o grupo de ácaros da poeira domiciliar como responsável pela taxa de positividade de atopia.

Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) caracteriza-se por limitar o fluxo aéreo, proveniente de uma resposta inflamatória anormal dos pulmões. Pode ser desenvolvida tanto por fatores genéticos quanto por fatores ambientais. Geralmente está associada à hiper-reatividade brônquica, enfisema pulmonar e bronquite crônica. Ainda como demonstra o estudo de Neves et al.,(21) existem evidências de que a DPOC poderia ter relação com a atopia, uma vez que a asma, bronquite crônica e enfisema pulmonar são doenças de mesma base genética, com alterações pelo meio ambiente.(22) Ao contrário do estudo em comparação, este estudo em questão não demonstrou relação entre DPOC e portadores de atopia como indica a Tabela 2.

A poluição atmosférica está 50% a 60% diretamente associada a doenças respiratórias agudas e crônicas como a asma e a rinite alérgica. Vianna et al.(23) relatam que regiões urbanas são mais afetadas que as rurais já que a urbana possui mais frota veicular e indústrias, e esses fatores acabam colaborando para uma maior prevalência de doenças respiratórias como a asma, rinite alérgica e as alergias. Podemos observar na Tabela 2 do presente estudo que houve uma maior prevalência de asma e sua remissão na zona urbana da cidade de Caxias do Sul, e essa maior prevalência pode estar associada à poluição ambiental.

Sabe-se que a asma está associada a fatores genéticos e ambientais, sendo que a localização geográfica e a poluição ambiental colaboram para o desenvolvimento da doença.(24) Neste estudo, a prevalência de asma apresentou-se mais alta em regiões urbanas (10%) com remissão da doença e utilização de medicamentos para o tratamento; a região rural apresentou apenas 2% de asma conforme a Tabela 2. Animais de estimação e fumo não apresentaram relação significativa ao desenvolvimento da asma. Nunes et al.(25) apontam que fatores ambientais como poluição e exposição ao fumo afetam no agravamento da asma em indivíduos portadores da patologia, mas não estão diretamente associados ao surgimento da doença.

Ferreira(26) e Soldera(11) pontam que os alérgenos mais frequentes em pacientes alérgicos e em pacientes com asma e rinite alérgica são o Dermatophagoides pteronyssinus, epitélio de gato e cão. Também relatam que as alergias aos ácaros são a alergia mais prevalente no Brasil, já que as condições climáticas favorecem o seu crescimento e proliferação na poeira doméstica. O que podemos observar no presente estudo é que os alérgenos de maior prevalência nos moradores tanto da zona urbana quanto da zona rural foram os ácaros da poeira domiciliar (Dermatophagoide pteronyssinus, 31%; Dermatophagoide farinae, 15%; Blomia tropicalis, 19%), seguido pelo epitélio de gato e mix de gramíneas (ambas 13%).

Dutra(6) relata que alergias respiratórias por hipersensibilidade aos ácaros estimulam uma inflamação crônica ao indivíduo que está diariamente exposto a esses e outros alérgenos. Essa hipersensibilidade é um fator de risco ao desenvolvimento de doenças respiratórias, principalmente a asma.(24) O presente estudo demonstra que os principais alérgenos que demonstraram maior prevalência foram os ácaros D. pteronyssinus, B. tropicalis e D. farinae conforme observamos na Figura 1. O estudo apresentou uma não relação da asma com a atopia aos oito tipos de alérgenos testados, já que podemos observar que a prevalência da asma foi maior na região urbana e a pre¬valência atópica não teve diferença entre as duas regiões, conforme observamos na Tabela 3.

Como principal limitação ao estudo, citamos a inexistência de ácaros após análise de classificação das espécies de ácaros coletadas nas residências no momento do teste cutâneo. Tal inexistência, possivelmente seja devido ao método de armazenamento da poeira domiciliar, resultando na degradação das espécies ácaros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As doenças respiratórias vêm aumentando em consequência da poluição ambiental e fatores genéticos, juntamente com as alergias que ajudam a desencadear doenças como asma e rinite alérgica. Os resultados do estudo apresentam que há uma maior prevalência de asma na região urbana, onde os fatores ambientais estão mais presentes. Apesar de os ácaros da poeira doméstica serem desencadeadores da asma, os dados de atopia a ácaros não demonstraram distinção entre a região urbana e rural.
Abstract
Objective: To evaluate the prevalence of respiratory diseases and atopy in two distinct samples of Caxias do Sul-RS. Methods: A descriptive-analytical cross-sectional study was carried out in a population characterized as urban and rural in the municipality of Caxias do Sul, RS, from March to June 2018. For characterization of the sample and evaluation of respiratory diseases, a structured interview on the subject, along with the Skin Prick Test, containing nine of the leading triggers for allergic respiratory diseases. Results: 100 individuals participated in the study, 57% belonging to the urban area and 43% belonging to the rural area. Of the total, 71% of the evaluated women are female, with a mean age of 43.3±15.7 years. The prevalence of total asthma was 10%, with a higher frequency in the urban population (80%), and a higher recurrence rate (100%), medical visits (87.5%) and medication use (75%). in the last 12 months. In the evaluation of atopy, there was a positive 62% in the general setting, and there was no difference between the groups evaluated (p=0.579). The positivity indexes were higher among the house dust mite group (Dermatophagoide pteronyssinus, 31%, Dermatophagoide farinae, 15%, Blomia tropicalis, 19%), followed by cat epithelium and grass mix (both 13%). Conclusion: The prevalence of asthma has a higher frequency in the urban zone, but without differentiation in the prevalence of atopy. Among the groups, house dust mites are the most prevalent reagents, followed by cat and grass epithelium.

Keywords
Allergy; asthma; rhinitis; mites

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