Análise comparativa dos resultados de exames colpocitológicos realizados em Governador Valadares-MG com aqueles realizados no país, região sudeste e Minas Gerais

AComparative analysis of the cervical cytopathological examination results carried out in Governador Valadares-MG with those conducted in the country, southeast region and Minas Gerais state

 

Luciana Maria Rocha de Almeida1

Michel Rodrigues Moreira2

1Estudante de graduação. Universidade Federal de Juiz de Fora – Campus Governador Valadares (UFJF Campus GV) – Governador Valadares-MG, Brasil.
2Doutorado. Professor adjunto. Universidade Federal de Juiz de Fora – Campus Governador Valadares (UFJF Campus GV) – Governador Valadares- MG, Brasil.

Instituição: Universidade Federal de Juiz de Fora – Campus Governador Valadares (UFJF Campus GV) – Governador Valadares-MG, Brasil.

Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse.

Recebido em 10/12/2018
Artigo aprovado em 18/09/2019
DOI: 10.21877/2448-3877.201900806

 

INTRODUÇÃO

O câncer do colo uterino (CCU) tornou-se um grave problema de saúde pública mediante as suas elevadas taxas de incidência e mortalidade na população feminina, ocupando a posição de terceira neoplasia mais frequente nesta população, atrás apenas do câncer de mama e do color­retal, sendo a quarta causa de morte de mulheres por câncer no Brasil.(1,2)

A infecção persistente por tipos oncogênicos de Papilomavírus Humano (HPV), o qual é transmitido por via sexual, é a causa da maioria absoluta dos cânceres do colo do útero (CCU). Grande parte desses cânceres é de células escamosas e se origina na zona de transformação da ectocérvice; os demais são adenocarcinomas que surgem na camada colunar glandular da endocérvice.(3)

A prevenção se dá pelo uso de preservativo e vacinas. A cura vem através da detecção precoce por meio do rastreamento e tratamento das lesões.(3)

As mulheres que estão na faixa de cobertura do rastreamento (25 a 64 anos) e que já iniciaram a atividade sexual são aconselhadas a fazer o exame preventivo pelo menos uma vez ao ano, ou em período menor conforme orientação médica. Este exame é eficiente para o diagnóstico precoce de câncer uterino, indolor e de baixo custo. O procedimento consiste na coleta de células do colo uterino, por meio do raspado da ectocérvice com espátula de Eyre e escova apropriada para a coleta de material do canal endocervical. Quanto mais precoce for identificado o câncer de colo útero estima-se maior índice de cura.(4)

Os elevados índices de incidência e mortalidade por câncer do colo do útero no Brasil justificam a implementação de ações nacionais voltadas para a prevenção e o controle do câncer; assim, em 1998, surgiu o Sistema de Informações e Controle do Câncer do Colo do Útero – Siscolo.(5)

A utilização de um sistema informatizado para geren­ciamento das informações oriundas das unidades de saúde, o qual deve ser atualizado constantemente, é um dos principais instrumentos que auxiliam a validação das ações de um programa de controle de câncer. Assim, para aprimorar o Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (Siscolo), tanto na sua vertente tecnológica como em decorrência da implantação da “Nomenclatura Brasileira para Laudos Citopatológicos Cervicais e Condutas Preconizadas”, o Departamento de Informática do SUS – DATASUS, em parceria com o Instituto Nacional do Câncer (IncA), criou um programa de entrada de dados que tem a função de coletar e processar informações sobre pacientes e laudos de exames, sendo capaz de fornecer dados para o monito­ramento externo da qualidade dos exames, informar a qualidade dos laboratórios responsáveis pela leitura do exame no município e possibilitar a qualquer cidadão o acesso a informações estatísticas relacionadas aos exames citopatológicos e anatomopatológicos do colo do útero, bem como seu seguimento, a partir do acesso ao site do DATASUS – Ministério da Saúde, disseminando informações para Gestão e Controle Social do SUS, assim como para apoio à pesquisa em saúde.(5)

O objetivo do trabalho foi realizar um levantamento dos resultados dos exames colpocitológicos realizados em Governador Valadares a partir de dados obtidos do Siscolo e contextualizar com os resultados obtidos no país, na região sudeste e em Minas Gerais, a fim de determinar as taxas de lesões pré-malignas e malignas do colo uterino encontradas em cada esfera.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Foi realizado um estudo retrospectivo, a partir de dados obtidos do Siscolo, que pode ser acessado por meio do endereço eletrônico http://w3.datasus.gov.br/siscam/index.php?area=0401. Buscaram-se informações sobre a situação do município de Governador Valadares (GV), que possui uma unidade territorial de 2.342,3 Km2, uma população estimada de 279.885 habitantes, sendo 52,2% mulheres, Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – 2010 (IDHM 2010) de 0,727 e uma incidência de pobreza de 24,64%, comparando os dados encontrados com aqueles obtidos para o país (população estimada em 210.147.125 habitantes, sendo 51,0% mulheres), região sudeste (população estimada em 88.371.433, sendo 51,9% mulheres) e Minas Gerais (população estimada em 21.168.791, sendo 52,9% mulheres).(6)

Foram verificados o quantitativo de exames colpo­cito­lógicos realizados, o percentual de exames considerados insatisfatórios para avaliação oncótica, quantos estavam dentro da normalidade, quantos foram inflamatórios ines­pecíficos ou específicos e quais os agentes mais relacionados com estes últimos. Verificaram-se também as taxas das diferentes lesões precursoras do câncer do colo uterino e as taxas de neoplasias malignas escamosas e glandulares, bem como o intervalo de tempo entre o último exame e aquele imediatamente anterior em pacientes que tiveram resultados com alterações cervicais e qual a faixa etária mais relacionada com estas alterações no último exame.

Os resultados encontrados no município de GV foram comparados com aqueles obtidos em âmbito nacional, na região sudeste e no estado de Minas Gerais. As análises das taxas de prevalência de câncer e de suas lesões precursoras foram realizadas por meio do programa estatístico Bioestat 5.0 (Belém-PA, Brasil). A significância estatística foi definida por um valor de P £ 0,05.

 

RESULTADOS

 

No período avaliado foram realizados 86.184.602 exames em todo o Brasil, sendo 39.160.737 na região sudeste, 10.693.694 em MG e 328.139 em GV. Foram insatis­fa­tórios para avaliação oncótica 1,1%, 0,8%, 0,7% e 0,4% deles, respectivamente, sendo o desse­camento da amostra (mais de 75% do esfregaço) o principal motivo. O número de exames insatisfatórios foi significativamente menor em GV quando comparado com as demais esferas, exceto em relação ao número de exames dessecados quando comparado com a região sudeste. Foram considerados dentro dos limites da normalidade no Brasil, região sudeste, MG e GV, 13.161.562 (15,3%), 5.007.739 (12,8%), 2.887139 (27,0%) e 182.981 (55,8%) exames, respectivamente, sendo esta taxa significativamente mais alta em GV. Entre as alterações celulares benignas, a inflamação foi a mais frequente nas quatro esferas, corres­pondendo a 72,3%, 74,9%, 58,4% e 35,6% dos exames no Brasil, Sudeste, MG e GV respectivamente, com taxa significativamente menor em GV. A microbiota mais frequente nas quatro esferas foi representada por lactobacilos, com taxa significativamente mais alta em GV (Tabela 1).

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Apresentaram-se alterados, nas esferas nacional, regional, estadual e municipal, 2.390.373 (2,8%), 1.299.110 (3,3%), 237.490 (2,2%) e 8.846 (2,7%) exames, respectivamente. A taxa de exames alterados foi significativamente mais alta em GV quando comparada com a taxa encontrada em MG, entretanto, foi significativamente mais baixa quando comparada com dados nacionais e da região sudeste. As principais alterações nas quatro esferas foram: atipias em células escamosas de significado indetermi­nado possivelmente não neoplásicas (ASC-US), lesão intra­epite­lial escamosa de baixo grau (LSIL) e lesão intra­epitelial esca­mosa de alto grau (HSIL). O percentual de exames classificados como ASC (células escamosas atípi­cas), incluindo ASC-US e ASC-H (células escamosas atípi­cas de significado indeterminado, não se pode afastar lesão de alto grau) foi de 1,4%, 1,1%, 1,9% e 1,5% nas esferas municipal, estadual, regional e nacional, respectivamente, considerando os exames satisfatórios. Este per­centual, em GV, foi significativamente mais alto quando com­parado com o encontrado em MG e significativamente mais baixo quando comparado com a região sudeste e o Brasil. Já o percentual de ASC em relação aos exames alterados foi de 52,2%, 49,3%, 56,6% e 52,7%, considerando as esferas anteriores, respectivamente, sendo este per­cen­tual significativamente mais alto em relação a MG e significativamente mais baixo em relação à região sudeste. A relação ASC/Lesão intraepitelial esca­mosa, incluindo as lesões intraepiteliais escamosas de baixo e alto grau, foi de 1,2; 1,1; 1,5 e 1,3, considerando GV, MG, região sudeste e Brasil, respectivamente. O percentual de exames compatíveis com Lesão intraepitelial de alto grau em relação ao total de exames satisfatórios foi de 0,31%, 0,21%, 0,26% e 0,27% em GV, MG, região sudeste e Brasil, respectivamente, sendo significativamente mais alto em GV em relação às demais esferas.

Foram encontrados 17.060 (0,7%), 6.399 (0,5%), 1.493 (0,6%) e 70 (0,8%) casos de carcinoma escamoso invasor, sem diferença significativa apenas entre GV e o total do país, e 6.237 (0,3%), 4.574 (0,3%), 324 (0,1%) e 6 (0,07%) casos de adenocarcinoma invasor, sem diferença significativa apenas entre GV e MG, (nacional, região sudeste, estadual e municipal respectivamente), afetando principalmente mulheres acima de 64 anos nas esferas nacional, regional e estadual e entre 60 a 64 anos em GV (Tabelas 1 e 2). Quando incluídas as lesões pré-neoplásicas, o percentual de exames alterados foi maior na faixa etária de 12 a 14 anos na região sudeste, MG e GV e de 15 a 19 anos no Brasil (Tabela 2). Entretanto, no total, o número mais alto de exames foi realizado por mulheres na faixa etária de 30 a 34 anos em GV, MG e região sudeste e de 25 a 29 anos quando consideramos todo o país (Tabela 2).

 

 

 

 

 

 

 

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As taxas de incidência de câncer do colo do útero foram: 27,03; 28,02; 16,99 e 23,16 casos por 100 mil mulheres no país, região sudeste, MG e GV, respectivamente. O município de GV apresentou uma taxa significativamente mais alta apenas quando comparado com dados de MG.

Apesar de uma grande quantidade de mulheres ter realizado exame prévio há um período maior ou igual a quatro anos, a maioria delas, nas quatro esferas, realizou exame prévio há um ano, inclusive aquelas com exames alterados, os quais tiveram um tempo de realização maior que sessenta dias em 8,4%, 6,9% e 2,1% dos casos (Brasil, Sudeste, Minas Gerais e Governador Valadares, respectivamente), sendo esta taxa significativamente menor em GV. (Tabela 3)

 

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DISCUSSÃO

 

A adequabilidade da amostra está, em grande parte, relacionada ao desempenho dos profissionais em realizar a coleta. Portanto, é de suma importância, identificar as principais causas relacionadas com as amostras insa­tis­fatórias, a fim de corrigir as falhas evidenciadas e, conse­quentemente, aumentar o número de lâminas satis­fatórias e a sensibilidade do exame.(7)  Em nosso estudo, 1,1% (Brasil), 0,8% (Sudeste), 0,7% (MG) e 0,4% (GV) dos exames foram considerados insatisfatórios para avaliação oncótica e o dessecamento da amostra foi o principal motivo. Entretanto, estes números podem ser melhorados por meio do treinamento dos profissionais responsáveis pela coleta. Sabe-se que a preservação da qualidade das amostras está diretamente relacionada com a fixação adequada do esfregaço na lâmina. Esta deve ser realizada imedia­tamente após a coleta de forma a preservar as estruturas celulares e conservar os detalhes, evitando distorções, o aparecimento de artefatos e a perda da afinidade tintorial.(8) As amostras podem ser fixadas com o álcool absoluto, ou álcool a 96%, por um tempo mínimo de 15 minutos ou um fixador de cobertura, como Carbowax, que, ao secar, promove o aparecimento de um fino filme protetor. Vale ressaltar que cada passo para uma perfeita fixação minimiza quase que 90% das chances de dessecamento.(8) Em estudo realizado por Galvão et al.,(7) 0,92% dos resultados foram considerados insatisfatórios para avaliação oncótica, sendo a presença de material acelular ou hipocelular (em menos de 10% dos esfregaços) o principal motivo, seguido pelo desse­camento de mais de 75% dos esfregaços na lâmina. No trabalho de Amaral et al.,(9) 2,3% dos esfregaços mostraram-se insatisfatórios para avaliação oncótica, sendo a maioria por desseca­mento, seguido por piócitos em mais de 75% do esfregaço. O número de exames insatis­fatórios encontrados em GV foi menor que o encontrado nestes trabalhos e significativamente menor que aqueles encontrados nas esferas nacional, regional e estadual, o que sugere que o profissional coletor nesta cidade faz uma coleta adequada.

As alterações celulares benignas são caracterizadas pela presença de alterações celulares epiteliais, ocasionadas pela ação de agentes físicos, os quais podem ser radioativos, mecânicos ou térmicos; químicos, como medicamentos abrasivos ou cáusticos, quimioterápicos e acidez vaginal sobre o epitélio glandular, além dos agentes infecciosos.(8) Em nosso estudo, a inflamação foi a alteração celular benigna mais frequente nas quatro esferas, assim como observado no trabalho de Silva et al.,(10) onde a inflamação esteve presente em 86,3% dos esfregaços, sendo também a principal alteração celular benigna. Entretanto, as taxas de alterações celulares benignas reati­vas ou reparativas em GV foram significativamente menores, o que pode ser justificado por uma taxa de exames com resultados dentro da normalidade significativamente mais alta quando comparada com as demais esferas. Contudo, é importante que o laboratório monitore continuamente seus resultados, avaliando tanto o desempenho global quanto individual de seus profissionais. Se houver uma porcentagem alta ou baixa inexplicável de um resultado específico, a avaliação de desempenho e a inclusão do profissional em um programa de educação continuada são obrigatórias.(8)

A composição da microbiota do trato genital feminino não é estática, varia ciclicamente e de mulher para mulher, em resposta a fatores intrínsecos, como ciclo menstrual, alterações hormonais, patologias e fatores extrín­secos, como uso de contraceptivos, antimicrobianos, atividade sexual ou traumatismo.(11) Em nosso estudo, a micro­biota mais frequente nas quatro esferas foi representada por lactobacilos (bacilos de Döderlein), com taxa significativamente mais alta em GV (59,36%). Os lacto­bacilos são os micro-organismos mais comuns da micro­biota do trato genital feminino na mulher em idade repro­dutiva e são importantes para a manutenção do equilíbrio do ecossistema vaginal. Sua presença inibe a proliferação de outros micro-organismos patogênicos devido ao fato de produzirem ácido lático a partir da degradação do glicogênio presente nas células intermediárias do epitélio escamoso, o que mantém o pH vaginal mais baixo e impede a ocorrência de diversas infecções. Entretanto, o aumento excessivo desta microbiota lactobacilar pode levar à citólise intensa de células epiteliais escamosas, processo denominado vaginose citolítica, o qual resulta em intensa lise celular com corrimento abundante, sem cheiro, e em esfregaço constituído predominantemente por núcleos desnudados, fragmentos de citoplasma e elevado número de lactobacilos, o que, por muitas vezes, torna o esfregaço insatisfatório para avaliação oncótica, sendo necessária nova coleta.(11,12) No trabalho de Neves et al.(12) foram analisados 11.732 exames citopatológicos do colo uterino e, na avaliação micro­bio­lógica, os lactobacilos foram os micro-organismos mais frequentes, sendo encontrados em 56,5% dos esfre­gaços. Já no trabalho de Silva et al.,(10) os micro-organismos mais frequentes no colo uterino foram os bacilos (52,8%), os cocos (45,5%) e os Lactobacillus sp. (32,6%). No trabalho de Sousa et al.,(13) após análise de 45.110 esfregaços, observou-se um predomínio de cocos (60,7%), lactobacilos (27,4%) e bacilos (6,5%), entre outros micro-organismos. Em nosso estudo, após os lactobacilos, os cocos foram os micro-organismos mais frequentes nos esfregaços, seguidos por Gardnerella sp./ Mobiluncus sp., os quais são os principais agentes da vaginose bacteriana, distúrbio do ecos­sistema vaginal de etiologia polimicrobiana, com predomínio de anaeróbios e que se apresenta clinicamente com corrimento bolhoso, banco-acinzentado, com odor de peixe.(14)

A vaginose bacteriana, a candidíase e a tricomoníase representam cerca de 90% das desordens de origem infecciosa do trato genital uterino e são consideradas fatores de risco para aquisição de outras infecções, entre elas, o vírus da imunodeficiência humana – HIV.(15) Em nosso estudo, não foi possível avaliar a taxa de esfregaços com Candida sp. em GV, pois o Siscolo não disponibilizou este dado, entretanto foi o quinto micro-organismo mais encontrado nas demais esferas. Já o protozoário Trichomonas vaginalis esteve presente em menos de 1% dos esfregaços em GV, número significativamente menor que o encontrado nas demais esferas. No trabalho de Barcelos et al.(16) foram encontradas taxas de 21,3%, 9,3% e 2,0% para vagi­nose bacteriana, Candida sp. e Trichomonas vaginalis, respectivamente.

O rastreamento do câncer do colo do útero baseia-se na história natural da doença e no reconhecimento de que ela evolui a partir de lesões precursoras, as quais podem ser detectadas e tratadas adequadamente, impedindo a progressão para o câncer.(8) Em nosso estudo, considerando apenas os exames satisfatórios, apresentaram-se alterados, nas esferas nacional, regional, estadual e municipal, 2.390.373 (2,8%), 1.299.110 (3,3%), 237.490 (2,2%) e 8.846 (2,7%) exames, respectivamente, sendo que, de acordo como o manual de gestão da qualidade para laboratório de citopatologia,(8) valores abaixo de 2,0% são considerados muito baixos, de 2,0% e 2,9% são considerados baixos, de 3,0% a 10,0% são considerados dentro do esperado e acima de 10,0% são considerados acima do esperado. Em países onde o rastreamento foi bem-sucedido na diminuição das taxas de incidência e mortalidade por câncer do colo do útero, como Estados Unidos e Reino Unido, o percentual de positividade foi de 6,8%(17) e 6,4%,(18) respectivamente. A baixa positividade pode indicar que amostras alteradas não estão sendo identificadas pelo laboratório, acarretando exames falso-negativos, sendo necessário avaliar e intensificar o monitoramento interno de qualidade.(8)

As principais alterações encontradas nas esferas nacional, regional, estadual e municipal foram, respectivamente: ASC-US, LSIL e HSIL, conforme a Tabela 1. No trabalho de Sousa et al.,(13) realizado em Teresina-PI, as principais alterações foram ASC-US (59, 4%), LSIL (18,8%) e ASC-H (13,6%). Já no estudo de Araújo et al.,(19) realizado em Goiânia-GO, as principais alterações foram LSIL (33,6%), ASC-US (30,8%) e HSIL (19,6%).

O termo ASC (células escamosas atípicas) é empregado para indicar a presença de células escamosas com anormalidades que não preenchem os critérios habitualmente encontrados nos processos reativos, pré-neoplá­sicos ou neoplásicos e inclui ASC-US e ASC-H.(20) Em nosso estudo, 1,4%, 1,1%, 1,9% e 1,5% dos exames satisfa­tórios, realizados respectivamente nas esferas municipal, estadual, regional e nacional, foram classificados como ASC. Espera-se que, no máximo, 4% a 5% de todos os exames sejam classificados como ASC, pois percentuais elevados sugerem problemas na amostra, no escrutínio ou em ambos, muitas vezes apontando a necessidade de treinamento junto aos profissionais do laboratório.(8) Além disso, o aumento desse índice representa ônus para a mulher e para a rede assistencial, pois acarreta a necessidade de repetição do exame para melhor investigação diagnóstica ou o encaminhamento desnecessário à col­poscopia das mulheres com resultado de ASC-H.(8) Com relação ao percentual de ASC em relação aos exames alterados, recomenda-se que seja inferior a 60%.(8) Em nosso trabalho, as taxas encontradas foram de 52,3%, 49,3%, 56,6% e 52,7% em GV, MG, região sudeste e Brasil, respectivamente. A razão ASC/Lesão intraepitelial escamosa, incluindo lesões intraepiteliais escamosas de baixo e alto grau não deve ser superior a 3.(20) Em nosso estudo, encontramos 1,2; 1,1; 1,5 e 1,3, respectivamente, para as esferas municipal, estadual, regional e nacional. Laboratórios com razão ASC/Lesão intraepitelial esca­mosa muito alta necessitam determinar a causa desse resultado, sendo necessário rever critérios citológicos tanto de ASC quanto de SIL.(8)

As lesões intraepiteliais escamosas de alto grau (HSIL) representam as lesões verdadeiramente precursoras do câncer do colo do útero, ou seja, aquelas que apresentam, efetivamente, potencial para progressão, tornando sua detecção o objetivo primordial do exame preventivo do câncer do colo do útero.(8) Segundo o manual de gestão da qualidade para laboratório de citopatologia, do Instituto Nacional do Câncer, em trabalhos realizados nos Estados Unidos, o percentual de HSIL foi de 0,5%, no Reino Unido foi de 1,2% e na Noruega de 1,1%.(8) Em nosso estudo foram encontrados percentuais de 0,31%, 0,21%, 0,26% e 0,27% em GV, MG, região sudeste e Brasil, respectivamente. Este indicador mede a capacidade de detecção de lesões precursoras. No Brasil, esse percentual encontra-se abaixo do encontrado em países onde o rastreamento foi bem-sucedido na diminuição das taxas de incidência e mortalidade por câncer do colo do útero, e o Ministério da Saúde estabeleceu o valor ³ 0,4% como sendo um valor de referência, visto que alguns laboratórios públicos considerados referência de qualidade para exames citopatoló­gicos apresentaram percentuais de HSIL/total de exames satisfatórios, em 2013, entre 0,4% e 1,4%.(8)

Os diagnósticos citopatológicos de carcinoma esca­moso invasor e adenocarcinoma invasor são infrequentes, segundo as diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero,(4) ocorrendo em 0,5% e em menos de 0,3% dos exames alterados, respectivamente. Em nosso estudo foram encontrados 17.060 (0,7%), 6.399 (0,5%), 1.493 (0,6%) e 70 (0,8%) casos de carcinoma escamoso invasor e 6.237 (0,3%), 4.574 (0,3%), 324 (0,1%) e 6 (0,07%) casos de adenocarcinoma invasor nas esferas nacional, regional, estadual e municipal respectivamente, afetando principalmente mulheres acima de 64 anos nas três primeiras esferas e entre 60 a 64 anos em GV. No trabalho de Guarisi et al.,(21) as lesões malignas foram detectadas com maior frequência nas faixas etárias de 35 a 49 anos e 50 anos ou mais. Quando incluídas as lesões pré-neoplásicas, o percentual de exames alterados foi maior na faixa etária de 12 a 14 anos na região sudeste, MG e GV, e de 15 a 19 anos no Brasil, o que pode ser explicado pelo início da atividade sexual precoce e pelo uso de contraceptivos orais, aumentando a exposição ao risco de infecção por HPV. Além disso, um percentual menor de mulheres realiza o exame colpocitológico nestas faixas de idade mais jovens, uma vez que a recomendação do Ministério da Saúde é que os exames sejam realizados em mulheres assintomáticas na faixa etária de 25 a 64 anos, o que pode justificar um aumento nas taxas de lesões pré-malignas encontradas naquelas faixas etárias.(2) No trabalho de Guarisi et al.,(21) 69% dos diagnósticos de LSIL foram feitos em mulheres de até 35 anos de idade.

No Brasil, segundo a Estimativa de Incidência de Câncer publicada pelo INCA para o biênio 2018-2019,(22) a taxa de incidência de câncer do colo do útero é de 15,43/100 mil mulheres. Entretanto, estas taxas variam de acordo com as regiões do país, sendo de 25,62/100 mil na região norte, 20,47/100 mil no Nordeste, 18,32/100 mil no Centro-oeste, 14,07/100 mil no Sul e 9,97/100 mil no Sudeste. Em MG, a taxa foi de 8,37/100 mil  mulheres.(2) Em nosso estudo, no período avaliado, as taxas foram de 27,03, 28,02, 16,99 e 23,16 casos por 100 mil mulheres no país, região sudeste, MG e GV, respectivamente. Pode-se observar que as taxas publicadas pelo INCA na estimativa para o biênio 2018-2019(22) mostraram redução na incidência de câncer quando comparadas com as taxas encontradas durante o período avaliado em nosso estudo, o que pode ser atribuído à implantação e implementação de programas de prevenção e controle efetivos.(2)

Segundo as diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero, o exame deve ser realizado anualmente em mulheres com idade entre 25 e 64 anos a partir do início da atividade sexual, entretanto, após dois resultados consecutivos negativos, o exame deve ser realizado a cada três anos.(4) Em nosso estudo, uma grande quantidade de mulheres realizou exame prévio em um período maior ou igual a quatro anos, entretanto, a maioria delas, nas quatro esferas, realizou exame prévio há um ano, inclusive aquelas com exames alterados. No trabalho de Andrade et al.,(23) em entrevista realizada com mulheres de 25 a 59 anos de Feira de Santana-BA, 71,2% referiram ter feito o último exame há um ano ou menos do período da entrevista.

O tempo de liberação do resultado é um importante componente de qualidade do exame citopatológico do colo do útero, sendo recomendado no máximo trinta dias para liberação, não havendo sentido de urgência para os resultados por se tratar de um exame de rastreamento.(8) Em nosso estudo, conforme mostra a Tabela 3, um percentual significativo dos exames alterados teve tempo de realização maior que sessenta dias, sendo que em GV esse percentual foi significativamente menor que nas demais esferas. A demora em qualquer parte da linha de cuidado leva a insatisfação à mulher, comprometendo o seguimento e a qualidade das ações. O atraso na liberação de um resultado deve ser um imprevisto pontual e não um aborrecimento cotidiano e habitual.(8)

 

CONCLUSÃO

 

Os exames realizados em Governador Valadares mostram algumas diferenças significativas em relação às outras esferas. Periodicamente, é importante treinar o profissional coletor a fim de diminuir as taxas de exames insatis­fatórios para avaliação oncótica, principalmente no que diz respeito à fixação do material na lâmina, mesmo sendo observado que esse profissional trabalha de forma adequada, e implementar uma política de monitoramento interno da qualidade com o objetivo de aumentar a sensibilidade do exame, além de maiores investimentos na educação continuada do profissional que faz a leitura das lâminas. É preciso investir também em trabalhos que promovam a orientação às mulheres quanto às práticas de prevenção e controle do câncer do colo do útero e das infecções sexualmente trans­mis­síveis, principalmente às mais jovens.

 

 

Abstract

Objective: Cervical cancer is one of the leading causes of cancer death in women and can be prevented by the early detection of precursor lesions by cytological techniques. The objective of this study was to compare the results of colpocytological exams performed at national, regional and state level with those obtained at Governador Valadares (GV). Methods: Information was obtained on colpocytological exams performed in the four spheres, from January / 2006 to December / 2014, from the Cervical Cancer Information System – Siscolo. Results: The rate of altered exams was 2.8%, 3.3%, 2.2% and 2.7% [Brazil, Southeast, Minas Gerais (MG) and GV, respectively]. This rate was significantly higher in GV when compared to MG and significantly lower than that in the Southeast and Brazil. The main injuries in all spheres were: atypical squamous cells of undetermined significance, possibly non-neoplastic, low grade squamous intraepithelial lesion and high grade squamous intraepithelial lesion. The incidence rates of cervical cancer were: 27.03; 28.02; 16.99 and 23.16 cases per 100,000 inhabitants in the country, southeast region, MG and GV, respectively. GV showed a significantly higher rate only when compared with MG data. Conclusion: Concluding, the exams carried out in GV show some significant differences in relation to the other spheres. It is necessary to implement an internal quality monitoring policy to improve the quality of the exam, besides greater investment in the continuing education of the professional who does the scrutiny of the blades.

 

Keywords

Cervix; vaginal smear; neoplasms

 

 

REFERÊNCIAS

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  2. INCA. Instituto Nacional do Câncer. Estimativa 2018: Incidência de câncer no Brasil / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Rio de Janeiro, 2017.
  3. OPAS. Organização Pan-Americana de Saúde. Controle integral do câncer do colo do útero. Guia de práticas essenciais. Washington, DC: OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), 2016. [Acesso em 05 nov 2018]. Disponível em: http://iris.paho.org/ xmlui/bitstream/handle/123456789/31403/9789275718797-por.pdf? sequence=1&isAllowed=y&ua=1.
  4. INCA. Instituto Nacional do Câncer. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede. 2ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro, 2016a.
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Correspondência

Luciana Maria Rocha de Almeida

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