Perfil clínico e microbiológico dos casos de infecção hospitalar ocorridos em um hospital de médio porte do noroeste do Rio Grande do Sul

Clinical and microbiological profile of hospital infection cases occurred in a medium-sized hospital of the northwest of Rio Grande do Sul

 

Rafael da Silva Pozzato1

Mariana Migliorini Parisi2

 

 

1Estudante de Biomedicina, Universidade de Cruz Alta – Cruz Alta-RS, Brasil.
2Mestre, Universidade de Cruz Alta – (Professor Assistente) – Cruz Alta-RS, Brasil.

Instituição: Centro de Ciências da Saúde e Agrárias – Curso de Biomedicina, Universidade de Cruz Alta (Unicruz) – Cruz Alta-RS, Brasil.

Recebido em 19/11/2017

Artigo aprovado em 06/11/2018

DOI: 10.21877/2448-3877.201800649

 

INTRODUÇÃO

A infecção hospitalar (IH) é caracterizada como toda infecção relacionada à hospitalização do paciente. Assim, toda condição de infecção onde não há evidência clínica ou dado laboratorial de infecção no momento da internação hospitalar do indivíduo ou o isolamento de bactéria diferente em pacientes internados há pelo menos 72 horas devido à infecção comunitária correspondem a IH. Ainda, a IH pode ocorrer após a alta, desde que estejam presentes fatores associados à hospitalização.(1)

O número de casos de IH tem relação direta com o aumento de morbidade e mortalidade nos pacientes bem como com o aumento do crescimento de microrganismos multirresistentes no ambiente hospitalar, impactando em elevados custos sociais e econômicos. Diante deste contexto, as IH tornam-se um sério e crescente problema de saúde pública.(2,3)

O risco de desenvolvimento de IH está diretamente relacionado à gravidade da doença de base e às condições nutricionais dos pacientes, à natureza dos procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, ao tempo de internação, à utilização de antibióticos de largo espectro, entre outros. Assim, pacientes que possuem enfermidades de base como queimaduras em grande extensão, pacientes em quimio­terapia, imunodeprimidos, distróficos, submetidos a cirurgias, recém-nascidos, traqueostomizados e internados na UTI são mais suscetíveis a adquirir uma IH.(4)

Uma grande variedade de microrganismos está relacionada a IH. Estudos demonstram que as bactérias gram-positivas são os patógenos mais frequentemente relatados, os quais incluem Staphylococcus aureus, Staphylococcus coagulase-negativos, Entero­coccus spp. e Streptococcus pneumoniae.(5) Ainda, há relatos de alta prevalência de IH causadas por Pseudo­monas aeruginosa, Acinetobacter, Klebsiella e Esche­richia coli.(6) 

As bactérias respondem rapidamente às mudanças do microambiente onde estão inseridas, portanto, o uso indiscriminado dos antimicrobianos para o controle das infecções, principalmente no ambiente hospitalar, promove o aumento da aquisição de mecanismos de resistência, aumenta a pressão seletiva e pode culminar na seleção de organismos resistentes.(7,8) 

Muitos fatores influenciam o desenvolvimento da resistência, como o estado imunológico do paciente, o número de bactérias no sítio da infecção, o mecanismo de ação do antimicrobiano e o nível da droga que atinge a população bacteriana. Neste contexto, o aparecimento generalizado de mecanismos de resistência aos antimi­crobianos tem dificultado gradativamente o tratamento das IH.(7,8)

Deste modo, a IH representa um grave problema de saúde pública que requer uma vigilância epidemiológica constante e rigorosa, exigindo atenção redobrada de todos os profissionais de saúde, da administração hospitalar, da CCIH e do Governo.(9,10) Assim, o objetivo deste trabalho foi descrever as características clínicas e micro­biológicas dos casos de IH que ocorreram em um hospital de médio porte do noroeste do Rio Grande do Sul, nos anos de 2014 e 2015.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Todos os procedimentos referentes a este trabalho foram realizados em consonância com as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde).

Desta forma, a execução deste projeto foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Cruz Alta sob o CAAE 54929516.9.0000.5322 e o parecer de aprovação 1.535.034. Além disso, a coleta de dados foi autorizada pela instituição hospitalar onde foi realizado o estudo. O sigilo em torno da identidade dos pacientes foi resguardado.

O estudo constitui-se de uma pesquisa documental, transversal e retrospectiva realizada em um hospital de médio porte do noroeste do estado do Rio Grande do Sul, nos anos de 2014 e 2015.

Para a análise, foram selecionados os prontuários e exames dos pacientes com IH confirmada, junto a Comissão de Controle de Infeção Hospitalar do referido hospital. Os dados coletados compreenderam a idade, sexo, doença de base, fatores de risco, tempo de internação, local de internação, desfecho do caso, amostra biológica analisada (topografia), microrganismo isolado e resistência aos antimicrobianos. Todos os dados coletados dos prontuários e exames foram transcritos para um instrumento de coleta de dados. Um sistema numérico foi utilizado para catalogar os dados, evitando a utilização e identificação do nome do paciente.

A coleta de dados obedeceu aos seguintes critérios de inclusão: paciente com diagnóstico de IH confirmado, pacientes que possuíam nos prontuários os dados de idade e sexo, bem como os exames microbiológicos realizados durante a internação hospitalar e o desfecho do caso (óbito ou convalescença/alta hospitalar).

A análise dos dados foi realizada nos programas Excel e GraphPad Prim 9, sendo que as variáveis categóricas foram expressas em frequência (n) e percentual (%) e as variáveis não categóricas (quantitativas) foram expressas por média e desvio padrão (dados paramétricos). Quando pertinente, comparações entre variáveis categóricas foram analisadas estatisticamente pelo Teste do Qui-Quadrado.

 

RESULTADOS

O hospital em estudo é considerado de médio porte, possui cem leitos de internação, dez leitos na UTI, 370 funcionários e aproximadamente cem médicos que compõem o corpo clínico. O atendimento do hospital é restrito a convênios e particular, não atendendo pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Durante os anos de 2014 e 2015 foram realizadas 11.995 internações, sendo que 108 (0,9%) pacientes desenvolveram IH. No ano de 2014 houve 5.796 internações e 67 (1,15%) casos confirmados de IH. Por outro lado, no ano de 2015, houve 6.199 internações e 41 (0,66%) casos de IH confirmadas. Constatou-se uma redução significativa dos casos de IH (p=0056) do ano de 2014 para o ano de 2015.

Na Tabela 1 podem-se observar os dados demo­gráficos e clínicos dos pacientes que desenvolveram IH durante a internação hospitalar.

Na Tabela 2, podemos observar que as amostras que tiveram maior frequência de isolamento de bactérias causadoras de IH e os microrganismos isolados com maior frequência. O Staphylococcus coagulase negativa representou a bactéria mais frequentemente isolada em ponta de cateter (33,3%), secreção traqueal (23,8%), secreção de pústula (46,15%) e em outras amostras biológicas (28,5%).

Na secreção uretral, a bactéria mais frequentemente isolada foi Escherichia coli (50%) e no swab/secreção de ferida foi a Pseudomonas aeruginosa (25%).

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DISCUSSÃO

A IH é problema de saúde pública que aumenta o tempo de internação dos pacientes, gerando maiores custos aos hospitais e ao sistema público de saúde. Além disso, o número de casos de IH tem relação direta com o aumento de morbidade e mortalidade dos pacientes bem como com o aumento do crescimento de microrganismos multirre­sistentes no ambiente hospitalar.(11,12) Neste estudo, realizado em um hospital de médio porte, que atende apenas convênios e particular, houve uma baixa prevalência de IH (0,9%), com diminuição significativa dos casos entre os anos de 2014 e 2015. Em contrapartida, prevalências de 8,2%,(13) e 15,9%(14) têm sido descritas em hospitais gerais.

A UTI é o setor do hospital onde são descritas as maiores prevalências de IH, com índices de 29%,(6) 57,6%(2) e 60,8%.(15) em diferentes trabalhos. Corroborando com estes achados, neste estudo, 75% dos pacientes com IH estavam internados na UTI. Na UTI, os pacientes estão com doenças de base mais graves, necessitando de intervenções médicas que representam maior risco ao desenvolvimento de IH. Neste sentido, os fatores de risco são geralmente dispositivos invasivos que representam as principais portas de entrada para os microrganismos, predispondo o indivíduo a IH.(16)

Os fatores de risco mais frequentes nos pacientes com IH confirmada foram nutrição parenteral, cateter arterial, traqueostomia, cateter urinário e cateter venoso. Além disso, o trauma tem sido relatado na literatura como um fator de risco importante para desenvolvimento de IH,(6) e foi descrito como o principal motivo de internação dos pacientes deste estudo. Ainda, a presença frequente de fatores de risco como cateteres e traqueostomia nos indivíduos deste trabalho corrobora com o fato de que a maioria dos patógenos envolvidos na IH tenha sido isolado de ponta de cateter e secreção traqueal.

Vários estudos têm demonstrado que o sítio de maior prevalência de IH é o trato respiratório. (2,6,14,16,17) Dentre as infecções respiratórias, a pneumonia é uma complicação importante nos pacientes internados, e o risco de desenvolvimento de pneumonia é associado a ventilação mecânica invasiva,(17) um fator de risco encontrado com menor fre­quência nos indivíduos deste estudo. Além disso, apesar da alta frequência de cateterismo urinário na população estudada, e ao contrário do encontrado literatura,(3,6,14,16,18,19) foi constatada uma frequência baixa de IH do trato urinário (uroculturas positivas). Neste contexto, dados publicados mostram que 35% a 45% de todos casos de IH são infecções do trato urinário, sendo que 80% são relacionadas ao uso de cateter vesical de demora, ou seja, a duração do cateterismo é um dos fatores envolvidos na infecção do trato urinário hospitalar.(15)

A idade dos indivíduos também é considerada um importante fator de risco para desenvolvimento de IH. Neste contexto, pacientes idosos apresentam o sistema imuno­lógico comprometido, fato que favorece o aumento do tempo de internação, elevando os riscos de desenvolvimento de IH.(16) Neste estudo, a média de idade dos pacientes com IH foi de 67,79 ± 13,70 anos. Corroborando com este dado, um trabalho conduzido em UTIs mostrou uma maior prevalência de IH na faixa dos 70 a 80 anos.(2) Além disso, prevalência de IH de 23,6% tem sido descrita em pacientes idosos.(16)

O tempo de internação é um fator crítico para o desenvolvimento de IH, e, por sua vez, a IH aumenta o tempo de permanência dos pacientes no hospital. Neste estudo, observou-se um tempo médio de internação hospitalar de 18 dias. Na literatura, pode-se encontrar tempo de internação semelhante (15,9 dias)(16) e tempo de internação superior (35 dias).(3) Além disso, 25% dos pacientes deste estudo foram a óbito, sendo que estudos semelhantes mostraram 27,9%(14) e 56%(16) de óbito nos pacientes com IH.(3)

Em relação ao agente etiológico, estudos têm demonstrado que as bactérias Gram-positivas são os patógenos mais frequentemente relatados na IH. Neste âmbito, o pató­geno que foi isolado com maior frequência nos pacientes relatados neste estudo foi Staphylococcus coagulase negativa. Este grupo de bactérias é comumente encontrado na pele e mucosas dos seres humanos, compondo a microbiota normal. Antigamente, eram considerados de pouco importância clínica, no entanto, nas duas últimas décadas eles têm emergido como patógenos oportunistas causadores de infecções hospitalares e comunitárias.(19)

Os outros patógenos isolados com maior frequência foram Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli e Enterobacter sp. Surpreendentemente, foi encontrada baixa frequência de Staphylococcus aureus e Acinetobacter sp. Neste sentido, vários trabalhos têm descrito o Staphylococcus aureus e a Pseudomonas aeruginosa como os patógenos mais frequentes em IH, sendo que alguns estudos encontram ainda altas frequências de enterobactérias, como Escherichia coli, Klebsiella sp. e Proteus sp.(3,6,14,15) Neste trabalho não foi possível analisar a frequência de resistência aos antimi­crobianos das bactérias isoladas nas IH devido à falta de padronização do antibiograma nos laudos, representando, assim, uma limitação do estudo.

De maneira geral, contatou-se uma baixa prevalência de IH no hospital em estudo. No entanto, é necessário viabilizar, ainda mais, o uso correto e efetivo das medidas de controle de IH. Vários guias de redução de risco de IH tem sido descritos. As principais recomendações incluem o aprimoramento do treinamento dos trabalhadores de saúde sobre os procedimentos corretos em relação aos pacientes, bem como a avaliação do conhecimento e competência dos mesmos.(20) Além disso, a maioria dos riscos modificáveis incluem ainda a vigilância dos patógenos multirresistentes, o isolamento adequado dos pacientes, a higiene das mãos, limpeza adequada dos equipamentos e do ambiente.(21) Assim, a associação destes fatores pode contribuir com a redução das taxas de IH bem como da presença de bactérias multirresistentes.

 

Abstract

Objective: Hospital infection is a serious public health problem that requires constant and rigorous epidemiological surveillance, requiring increased attention from health professionals, hospital administration, Commissions for Hospital Infection Prevention and Government. The objective of this work was describe clinical and microbiological features of hospital infection cases that occurred in a medium-sized hospital in the northwest of Rio Grande do Sul from 2014 to 2015. Methods: Retrospective cross-sectional study conducted in a medium-sized hospital in the northwest of Rio Grande do Sul, looking for hospital data from 2014 to 2015. Results: In the hospital, 0.9% of hospitalized patients in 2014 and 2015 developed hospital infection, of which 75% were hospitalized in the ICU. The mean age of patients who developed hospital infection was 67 ± 13.7 years and 82.40% of patients were female. The most frequent risk factors were parenteral nutrition (52.8%), arterial catheter (49.1%) and tracheostomy (47.2%), and the most prevalent microorganisms isolated were coagulase negative Staphylococcus (28%), Pseudomonas aeruginosa (18%), Escherichia coli (15%) and Enterobacter sp., (11%). The mean hospitalization time was 18 ± 7.84 days, and 25% of the patients evolving to death. Conclusion: It is necessary to enable the correct and effective use of hospital infection control measures.

 

Keywords

Hospital infection; Infection Control Program; Public Health

 

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Correspondência

Rafael da Silva Pozzato

Centro de Ciências da Saúde e Agrárias – Curso de Biomedicina

Universidade de Cruz Alta (Unicruz)

Campus Universitário Dr., Ulysses Guimarães

Rodovia Municipal Jacob Della Méa, Km 5,6 – Parada Benito

98020-290 – Cruz Alta-RS, Brasil.