Obesidade e dislipidemia na infância: uma revisão sobre a associação de marcadores laboratoriais
Obesity and dislipidemia in children: a review on the association of laboratory markers
Renata Soares Andrade1
Daniele Osório Meira Brito2
Hilma Nunes da Silva Santa Ritta3
Mara Dias Pires4
1Graduada em Biomedicina/Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Salvador-BA, Brasil.
2Mestra em Patologia Humana – Universidade Federal da Bahia (UFBA) – Salvador-BA, Brasil.
3Graduada em Biomedicina – Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) – Salvador-BA, Brasil.
4Doutora em Ciências. Instituto de Ciências Biomédicas – Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo-SP, Brasil.
Instituição: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Salvador-BA, Brasil.
Recebido em 12/02/2018
Artigo aprovado em 06/11/2018
DOI: 10.21877/2448-3877.201800675
INTRODUÇÃO
A obesidade, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), é considerada o quinto fator de morte em todo o mundo, uma vez que é fator de risco para o desenvolvimento de várias doenças crônicas, tais como diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares, as quais afetam um grande número de pessoas, bem como implica outros agravos, muitos deles irreversíveis à saúde. Para além da mortalidade, sua magnitude como um problema de saúde é evidente, haja vista que, no ano de 2008, estimou-se a existência de 1,4 bilhão de adultos com excesso de peso, sendo pelo menos 500 milhões de obesos.(1) Estima-se ainda que a obesidade alcance, em 2025, 40% da população nos EUA, 30% na Inglaterra e 20% no Brasil.(2)
No Brasil, de acordo com os dados da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico – Vigitel,(3) em 2014, 17,9% dos brasileiros adultos já são obesos, e dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2008-2009 do IBGE, estima-se que, em 2020, 2/3 da população brasileira adulta estarão com excesso de peso.(4) Os índices brasileiros de obesidade dentre as crianças têm crescido também de forma acelerada, especialmente na faixa etária de 6 a 12 anos, fato já observado considerando também as crianças em torno de 5 anos de idade, em que o número dobrou.(5) Os principais responsáveis por esse acontecimento são uma maior ingestão de alimentos feitos de farinha e a diminuição das atividades físicas e brincadeiras.(6-8)
A obesidade é referida como excesso de gordura corporal que pode de algum modo trazer danos à saúde, calculada pelo IMC (Índice de Massa Corporal) o qual deverá ser maior ou igual a 30 em adultos.(9) Já em crianças e adolescentes, adotam-se, no Brasil, as curvas de IMC da OMS por idade e sexo, em que são consideradas obesas as crianças de 0 a 5 anos com escore Z > +3 e de 5 a 19 anos com escore Z > +2 e £ +3 e obesidade grave nesse grupo com escore Z > +3.(9) Ela é considerada uma patologia relacionada à etiologia da dislipidemia, uma vez que ambas partem da mesma fonte de fatores de risco, basicamente originados por uma dieta pobre em nutrientes e rica em gorduras e açúcares.(10,11)
A dislipidemia pode ser definida como um quadro clínico assinalado por concentrações anormais de lipídios ou lipoproteínas no sangue, determinadas por fatores genéticos e/ou ambientais.(12) Dessa forma, analisando-se a definição de dislipidemia, é possível afirmar que a obesidade é um fator de risco para o desenvolvimento da mesma, pois promove o aumento do colesterol, triglicerídeos e redução de HDL-colesterol (HDL-C).(13)
A prevalência das dislipidemias na infância e adolescência tem variado no mundo inteiro, com valores entre 2,9% e 33%, quando adotado o nível de colesterol total (CT) superior a 200 mg/dL.(14) No Brasil, a prevalência está em torno de 28% e 40% entre as crianças e adolescentes, quando o critério adotado é o CT sérico superior a 170 mg/dL.(6,15) Contudo, essa prevalência está subestimada, pois, de acordo com a III Diretriz Brasileira de Prevenção da Aterosclerose, o valor máximo da normalidade é 150 mg/dL.(16)
Essa relação entre obesidade e dislipidemia em crianças tem intrigado alguns estudiosos, dado que o aumento excessivo do peso proporciona, por consequência, um aumento no nível de colesterol nessa faixa etária, o qual funciona como um preditor do nível de colesterol na vida adulta, sendo então importante considerar a necessidade de prevenção pediátrica das doenças cardiovasculares.(17)
Desta feita, na última década, cresceu a importância em estudar a dislipidemia em crianças, já que alguns estudos demonstraram que a dislipidemia em adultos, a qual está associada com a aterosclerose (doença vascular inflamatória crônica que determina a ocorrência das doenças cardiovasculares), inicia a sua sequência patológica ainda na faixa etária pediátrica, assim como a intensidade, extensão e a prevalência da aterosclerose presente nas crianças parecem estar relacionadas com a gravidade dos fatores de risco cardiovasculares em adultos.(18,19)
Sendo assim, diante das evidências de o quanto as dislipidemias influenciam a aceleração da progressão da aterosclerose,(18,19) a I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência(20) e documento publicado pela Sociedade Brasileira de Pediatria(21) determinam que a análise do perfil lipídico seja realizada em crianças e adolescentes obesos.
O presente trabalho, portanto, justifica-se na medida em que pretende estudar a relação existente entre obesidade e dislipidemia em crianças, sob os aspectos laboratoriais em artigos publicados no período de 2000 a 2016. Para isso, iremos correlacionar a dislipidemia com os marcadores laboratoriais: HDL, LDL e VLDL, bem como correlacionar os achados laboratoriais com os níveis de obesidade. Uma vez conhecido o perfil lipídico das crianças, obtidos a partir de exames laboratoriais contendo os valores dos níveis de LDL-colesterol (LDL-C), HDL-colesterol (HDL-C) e VLDL- colesterol (VLDL -C), pode-se planejar estratégias de intervenção, mobilização e prevenção da obesidade, garantindo assim uma melhoria das condições de saúde dessa população de estudo.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se este trabalho de uma revisão literária sistemática, cujo objetivo geral que norteou essa pesquisa foi formulado tomando-se como base a descrição da doença, ou condição de interesse, a população, o contexto, a exposição e o desfecho.
A localização dos estudos, ou busca das evidências, teve início com a definição das palavras-chave, seguida da estratégia de busca e definição das bases de dados a serem pesquisadas. A pesquisa das palavras-chave foi realizada nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme). O DeCS é uma tradução expandida do Medical Subject Headings (MeSH), o vocabulário controlado do PubMed. Os termos localizados foram combinados utilizando-se os operadores booleanos “AND”, “OR” ou “NOT”, para compor a frase abaixo como estratégia de busca:
(obesity) AND (dyslipidemia) AND (childhood) AND (triglycerides OR LDL OR HDL OR VLDL) AND (coho* OR prospect* OR longitu* OR case report). Filters: Publication date from 2000/12/01 to 2016/12/01.
As pesquisas foram realizadas na base de dados eletrônica, PubMed, a qual foi considerada como fonte de informação primária. Para verificar bases bibliográficas empregadas em revisões anteriores de temas semelhantes ao deste trabalho, foram consultadas as bases: Cochrane Library, National Guideline Clearinghouse, e BMJ BestPractice. A busca limitou-se àqueles escritos em inglês, publicados a partir de 2000 até 2016.
A avaliação crítica, bem como a elegibilidade dos estudos foi realizada em trio, de forma independente e cegada, obedecendo rigorosamente os critérios de inclusão e exclusão definidos com base na pergunta que norteia esta revisão, utilizando-se o modelo proposto no STROBE, para cada artigo encontrado. Os critérios de inclusão foram: população (crianças), exposição (obesidade), desfecho (dislipidemia), publicados em inglês, a partir de 2000 até 2016. Já os critérios de exclusão foram: artigos publicados de estudos realizados com animais, artigos que incluíam adolescentes e adultos, e comorbidades como diabetes ou outras doenças inflamatórias. Os resultados serão apresentados em um quadro com destaque para: autores, ano da publicação, objetivos, estratégias de avaliação e principais achados.
RESULTADOS
Inicialmente, foram encontrados 24 estudos na base de dados Pubmed, dos quais excluíram-se 17 artigos (4 não estavam relacionados ao tema em questão e 13 não contemplaram os objetivos). Dessa maneira, sete artigos (Tabela 1), atenderam aos critérios de inclusão instituídos para a presente revisão.
Destes, um artigo é brasileiro e seis são estrangeiros.
Com relação às estratégias de avaliação, seis artigos utilizaram o cálculo do IMC, todos os artigos realizaram medidas antropométricas, assim como dosagens de perfis lipídicos; três, a aferição da pressão arterial; quatro, a dosagens de glicose; três, a avaliação de atividade física e avaliações nutricionais; dois, a dosagem de insulina e um a técnica de PCR ultrassensível. Apesar de constar em um dos objetivos específicos desse estudo, não foram encontrados artigos com dados referentes ao VLDL em crianças.
A maioria dos artigos teve como objetivo geral investigar os fatores e marcadores globais, tais como HDL-C, LDL-C, TG e CT, relacionados com a obesidade ou algum outro tipo de risco inter-relacionado com o sobrepeso ainda durante a infância.
Os valores de referência para a faixa etária de 2 a 19 anos são aumentados para CT ³ 170, TG e LDL ³ 130, considerados limítrofes 150-169 para CT, 100-129 para TG e LDL e desejável HDL ³ 45, todos em mg/dL.(20) Os valores encontrados nos artigos da Tabela 2 variam para CT entre 153.1 e 185.7, aumentado em dois artigos, limítrofe em três e não relatado em dois. TG variou em 28.9 e 116.4, limítrofe em um artigo, desejável em cinco e não relatado em um. LDL entre 90.2 e 138.9, aumentado em um artigo, limítrofe em quatro, desejável em um e não relatado em um. HDL entre 42.4 e 61.0, desejável em cinco e não relatado em um.
DISCUSSÃO
Dos sete artigos analisados, cinco indicam que existe uma carência e limitações de estudos relacionados ao perfil lipídico e outros fatores de risco cardiovasculares, como obesidade, glicemia, síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (AOS) em crianças pequenas, havendo uma gama maior de análises em adolescentes e adultos.(22,24,25,27,28) Essa questão parece se estender ao Brasil, pois há apenas uma “Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência”, que foi realizada somente em 2005.(20) Contudo, é sabido que houve mudanças significativas relativas aos hábitos alimentares e ao sedentarismo em crianças nesses 12 anos, além de novas descobertas relacionadas a aterosclerose.(26) Sendo assim, é de suma importância uma atualização de um estudo amplo nesse âmbito.
Outro dado em comum encontrado em três(22,25,27) dos sete artigos, foi a relação do sexo feminino com as maiores concentrações de colesterol total (CT), triglicerídeos (TG) e lipoproteínas de baixa densidade (LDL). A “I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência”(20) reforça esse achado em seus estudos, no entanto contradiz estes resultados quanto à concentração de lipoproteínas de alta densidade (HDL), os quais também mostraram-se maiores nas meninas, ao passo que, nos artigos analisados no presente estudo, os níveis de HDL foram menores no sexo feminino. É possível, portanto, que o perfil lipídico em crianças tenha mudado na última década.
Fazendo-se referência à população de crianças obesas ou com sobrepeso, quatro artigos(23,24,27,28) apontam a existência de uma maior concentração de pelo menos um marcador lipídico (CT, TG ou LDL) em crianças com estes perfis, e cinco artigos demonstram a ocorrência de uma menor concentração de HDL nesse grupo populacional quando comparados a crianças normais.(23,24,26-28) Desta maneira, estes achados reforçam que, de fato, existe uma relação entre o perfil lipídico e a obesidade, assim como sinalizam a ocorrência das alterações dos marcadores lipídicos correlacionados ao índice de massa corporal (IMC) mesmo em crianças menores.
De acordo com Tershakovec et al.,(22) há muitos artigos que relacionam adiposidade e risco cardiovascular em adolescentes e adultos. No entanto há limitações e inconclusões referentes a esses estudos em crianças menores. Observou-se então que, nesse estudo longitudinal, crianças hipercolesterolêmicas de 5 e 6 anos de idade obtiveram aumento do IMC à medida que cresciam, sugerindo assim, que a dislipidemia antecede a obesidade. Esse achado vai de encontro ao descrito na literatura,(14) a qual indica que a obesidade antecede a dislipidemia. Entretanto, a explicação para esta ordem de ocorrência ainda não está clara, mas segundo o mesmo autor: “Parece mais provável que a hipercolesterolemia atue como um marcador do metabolismo alterado, o que resulta em adiposidade excessiva“. Outro dado interessante nesse artigo, e que pode ser visualizado na Tabela 2, é uma maior concentração de TG e LDL, e uma menor concentração de HDL em meninas do que em meninos de 5 e 6 anos, e que esse padrão se perpetua no decorrer dos outros períodos. Isso possivelmente deve-se ao fato de haver uma relação entre o tempo de início da puberdade e os diferentes hormônios sexuais entre os sexos. Foi observado também que, no sexo feminino, o aumento da pressão arterial (PA) sistólica/diastólica foi proporcional ao aumento da idade. Já no sexo masculino, o aumento do IMC foi associado à maior concentração de insulina e pressão arterial sistólica, sendo que essa relação entre o IMC e a PA sistólica e PA diastólica também aumentou com a idade.
Smart et al.,(23) em seus estudos, correlacionaram a obesidade com a herança genética, visto que as crianças da sua pesquisa em questão tinham maiores níveis de colesterol e IMC quando os seus pais eram hipercolesterolêmicos. Foi observado também, em seus achados, que as crianças com sobrepeso e obesas apresentaram maior PA, níveis mais baixos de HDL, maior TG e um maior aumento de insulina em comparação às crianças de peso normal. Essa relação entre a obesidade, dislipidemia e genética também foi pesquisada por Falaschetti et al.,(25) que abordaram que o gene FTO (do inglês: fat mass and obesity associated – associado à massa gorda e obesidade) influencia o IMC e está associado com alterações nos lipídios, PA e índices glicêmicos. No entanto não se sabe ao certo como isso acontece.
Também é destacada por Falaschetti et al.(25) a importância das pesquisas utilizando o IMC na vigilância de sobrepeso e obesidade em crianças. De acordo com estes autores, por mais que haja uma certa preocupação acerca da precisão da medida do IMC sobre a adiposidade em crianças, visto que esta medida não faz distinção entre massa magra e gorda, dada a maior facilidade, confiabilidade e viabilidade do IMC em medir o peso e altura, em comparação com a circunferência da cintura ou a massa gordurosa DXA, tais autores indicam e apoiam o uso contínuo de IMC na vigilância da saúde pública e na prática clínica em crianças. Foi notado também neste artigo, um aumento da pressão arterial sistêmica, colesterol não HDL, apolipoproteína B, leptina, proteína C-reativa e interleucina-6, e valores mais baixos de colesterol HDL e de apolipoproteína A1 entre as crianças participantes do estudo. Esses achados, de acordo com Falaschetti et al.,(25) sugerem que a adiposidade começa a promover um perfil cardiovascular e metabólico desde o início da vida. Assim, esses dados condizem com a literatura,(20) uma vez que o aumento das apolipoproteínas B e a junção de fatores pró-inflamatórios criam condições para o risco cardiovascular. Nesse estudo, a pressão arterial sistêmica e as concentrações de insulina foram correlacionadas com o aumento da adiposidade em crianças hipercolesterolêmicas, assim como os níveis elevados de insulina, hipertensão arterial e níveis baixos de apolipoproteína A- 1 refletiram num quadro típico de obesidade. Além disso, como observado na Tabela 2, é possível notar que os valores de CT, LDL e TG foram maiores em crianças do sexo feminino obesas quando comparados aos valores das crianças do sexo masculino, assim como as primeiras apresentaram menores valores de HDL em relação às últimas.
Com relação aos níveis séricos de lipídios, Alexopoulos at al.(24) mostraram em seus estudos que esses níveis não foram afetados pela gravidade da apneia obstrutiva do sono (AOS) em crianças obesas e não obesas, com exceção do colesterol HDL. Foi possível observar também que a concentração de HDL nesse estudo está inversamente relacionada com gravidade da AOS em indivíduos não obesos. Por isso, é provável que tratar a AOS na infância aumente o nível de HDL, diminuindo consequentemente o risco cardiovascular na vida adulta. Vale salientar que estudos que envolvem essa relação são inconclusivos e artigos como este, voltados para crianças menores e sua relação com AOS, perfil lipídico e obesidade, são raros.
Outro achado interessante sobre a temática proposta neste artigo de revisão foi abordado por Gama et al.,(26) que perceberam um crescimento entre as crianças obesas ou com excesso de peso do ano de 2004 para 2008, e um menor nível de HDL em 2008 em comparação a 2004. Apesar disso, os níveis de CT e LDL foram maiores no grupo de 2004, possivelmente por ter sido realizada uma intervenção de educação nutricional nas crianças com excesso de peso e obesas da comunidade do estudo em questão. Além disso, ficou claro, nesse artigo, que os níveis de HDL em 2008 foram menores. Esse achado pode ser explicado possivelmente devido ao aumento do sedentarismo existente dentro dessa população de estudo. É importante destacar também que o aumento da renda per capita ocasionado pelos programas sociais do governo federal pode ter uma relação estreita com a melhoria na qualidade nutricional dessas crianças.
Ademais, a relação da quantidade mais elevada de gordura corporal em crianças com o aumento de CT, TG, LDL e menor de HDL, em especial no sexo feminino, também foi descrita no estudo de Kell et al(27) . Entretanto, essa pesquisa limitou-se a estudar a relação da dislipidemia e hipertensão com a ingestão de açúcares em crianças, o que o diferenciou de outros estudos, visto que as pesquisas anteriores fizeram essa associação apenas com adolescentes e adultos. Além disso, o método utilizado nesse estudo foi o DXA ao invés de IMC, dado que o autor deste trabalho acredita que o método do IMC é inconsistente, uma vez que as crianças consideradas com excesso de peso pelo IMC tiveram altos níveis de adiposidade no DXA. Assim sendo, os resultados obtidos por esta metodologia conflitam com o estudo de Falaschetti et al.,(25) os quais, mesmo sabendo-se da provável inconsistência do método IMC, consideraram melhor a sua utilização em seus estudos envolvendo as crianças.
Por fim, Montesinos et al.(28) relacionam o IMC com o aumento de interleucina-6 (IL-6) e consequente estímulo para a produção hepática de Proteína C-Reativa (PCR) em um estudo feito com crianças de 3 a 5 anos, associado ao perfil lipídico e glicêmico. Em seu artigo, eles também ressaltaram a carência de estudos relacionados a crianças menores sobre o tema em questão. Os resultados encontrados nesse trabalho mostraram um aumento da concentração de PCR Ultrassensível em crianças obesas quando comparados às crianças normais. Esses achados possivelmente podem estar relacionados à dieta, visto que se verificou um aumento do PCR em pacientes obesos que consumiam dieta rica em gordura saturada e edulcorantes (reversível após consumo de dieta rica em antioxidantes). Nesta população, assim como em outros estudos, as crianças apresentaram maiores concentrações de TG e LDL e menores concentrações de HDL quando comparados a crianças não obesas. Esses dados, segundo Montesinos et al.,(28) são preocupantes, já que podem resultar em uma resistência à insulina precoce e tardia.
Estudos como estes são de fundamental importância para a saúde pública, pois é sabido que a obesidade na infância e sua relação com o sobrepeso/obesidade na vida adulta traz inúmeros questionamentos sobre quais fatores, genéticos ou ambientais, seriam determinantes das alterações laboratoriais. Segundo a I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência, os fatores ambientais estão mais implicados na subsistência da obesidade durante o crescimento e desenvolvimento do que fatores genéticos.(20) Entretanto, vale ressaltar que os níveis de lipídios são influenciados por fatores genéticos e ambientais nos primeiros anos de vida.(23,24)
Após a análise crítica dos artigos, pode-se concluir que a obesidade é um problema de saúde pública bastante preocupante para o cenário mundial. O presente trabalho mostrou a relação entre perfil lipídico e obesidade em crianças, reafirmando que a placa aterosclerótica tem início nessa respectiva fase. No entanto, enfatiza a necessidade de que mais estudos sejam abordados nesse tema, com o respectivo grupo populacional.
Todavia, existe uma falta de consenso quanto à concentração de HDL, que, nos artigos analisados, mostrou-se menor nas meninas, subtendendo que pode ter havido mudança do perfil lipídico na última década. Para tanto, foi observado também que as meninas apresentaram títulos de triglicérides e colesterol LDL maiores, quando comparados com o gênero masculino. Portanto, essas alterações dos perfis lipídicos determinam fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, bem como os fatores ambientais foram determinantes para que as patologias, uma vez inseridas na genética do indivíduo, sejam desenvolvidas. Logo, é essencial a adoção de medidas atualizadas que visem reduzir o excesso de peso e a obesidade infantil. As estratégias de prevenção da obesidade nos indicam a necessidade de mudanças nos comportamentos das crianças, visto que as altas taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares são as principais causas de morbimortalidade no Brasil e no mundo.
Abstract
Obesity is a worldwide and growing disease that affects more than 300 million people. Brazil is following this trend with worrying rates in children due to changes in diet and physical habits. The correlation of obesity and dyslipidemia is perceived from childhood and can be reflected in adulthood with increased cardiovascular risk. Thus, through the systematic literature review, the present study aimed to correlate lipid markers with obesity in children through articles published between 2000 and 2016 in the Pubmed database. Therefore, seven articles were included for analysis. Of these, five addressed limitations of studies of the lipid profile and other cardiovascular risk factors. Obese children had greater changes in these markers when compared to normal children. The same result was found more among girls compared to boys. After analyzing the articles, it was concluded that it is necessary to define childhood dyslipidemia more clearly, as well as to adopt updated measures aimed at reducing overweight and childhood obesity.
Keywords
Obesity; Dyslipidemias; Childhood; Biochemistry
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Correspondência
Renata Soares Andrade
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