Recidiva de Malária: relato de caso

Malaria recurrence: case report

 

Gabriela Pavan da Fontoura1
Brenda Sonnenstrahl Correa1
Marina Ferri Pezzini2
Adriana Dalpicolli Rodrigues3
Julia Poeta4

  

  1. Biomédica, graduada pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter), Porto Alegre-RS, Brasil.
  2. Biomédica, graduada pelo Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), Caxias do Sul-RS, Brasil.
  3. Mestre em Biotecnologia  – Universidade de Caxias do Sul (UCS). Caxias do Sul-RS, Brasil.
  4. Mestre em Ciências Médicas (UFRGS) e professora do Curso de Biomedicina do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter), Porto Alegre-RS, Brasil.

Instituição: Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter), Porto Alegre-RS, Brasil.

Recebido em 20/07/2017
Artigo aprovado em 12/04/2018
DOI: 10.21877/2448-3877.201800601

  

Resumo

A malária caracteriza-se pela invasão de parasitas do gênero Plasmodium, considerada a principal parasitose tropical e uma das mais frequentes no mundo. Este relato tem como objetivo descrever um caso de malária, encontrado numa zona não endêmica, onde o paciente apresentou recidiva para P. vivax. Relato de caso: V.C.B, masculino, 63 anos. Apresentou sintomas de febre, dores de cabeça, tremores e sudorese, dez meses após uma viagem à Amazônia. O paciente foi encaminhado para exames, sendo diagnosticado com recidiva para o Plasmodium vivax. Considerações finais: É de extrema importância que profissionais e estudantes da saúde saibam diagnosticar corretamente a malária, assim como a possível presença de recidivas, a fim de minimizar erros de diagnóstico e uma correta profilaxia para o paciente

Palavras-chave

Malária; Plasmodium vivax; Recidiva; Tratamento

 

INTRODUÇÃO

A malária é uma importante doença parasitária causada por protozoários do gênero Plasmodium. A principal via de transmissão é através da picada da fêmea do gênero Anopheles infectado com o Plasmodium. Também pode ocorrer através da via materno-fetal, transfusão sanguínea e seus derivados, e menos frequente, mediante o compartilhamento de seringas conta­minadas.(1)

Ao entrar em contato com o organismo, os parasitas migram até o fígado e, em seguida, à corrente sanguínea onde invadem os glóbulos vermelhos, destruindo-os. A partir do momento da destruição aparecem os primeiros sintomas da doença, tais como febre, com calafrios ou não, dores de cabeça e no corpo, tremores e intensa sudorese.(2)

O objetivo do tratamento da malária é combater todas as fases do ciclo de evolução do parasita, que pode ser dividido em: interrupção da esquizogonia sanguínea, fase em que surgem as manifestações clínicas da infecção; erradicação das formas latentes do parasito no ciclo tecidual, os hipnozoítos das espécies P. vivax e P. ovale, evitando as recidivas; e impedimento dos gametócitos, forma sexuadas dos parasitas responsáveis pela transmissão da doença.(3)

A recidiva de malária é conceituada como a recorrência de parasitemia assexuada seguinte ao tratamento da doença, após ter sido constatada a sua negativação, em variado período de tempo,(4) podendo ocorrer por um dos seguintes aspectos: falha terapêutica resultante de não adesão ao tratamento, resistência do parasito às drogas utilizadas, má qualidade do medicamento instituído, utilização de doses subterapêuticas das drogas ou reativação de hipnozoítos e exposição à nova infecção pelo mosquito vetor.(5)

O Plasmodium se prolifera em regiões tropicais e subtropicais, sendo o Brasil com maior número de casos de malária no continente americano. Os principais focos no país estão na área chamada de “Amazônica Legal”, que engloba os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Ron­dônia, Roraima e Tocantins.(6,7)

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se 219 milhões de novos casos e 66 mil mortes por ano no mundo, tendo como principais alvos crianças menores de 5 anos e mulheres grávidas. Mesmo com estes números, no Brasil, desde o ano 2000, tem havido uma redução de mais de 50% em casos de malária.(8,9) Portanto, sabendo-se que a chave para a redução da taxa de mortalidade é o diagnóstico precoce e uma terapia eficaz, este trabalho tem por objetivo relatar um caso de malária no Rio Grande do Sul – região não endêmica – no intuito de alertar as principais características do parasita através de testes imunológicos (Imunofluorescência indireta) e microscópicos (gota espessa), além de ressaltar a presença de recidiva.

Ética

Esse relato de caso foi aprovado pelo Comitê de ética e pesquisa do Centro Universitário Ritter dos Reis, sob parecer nº 1.788.547.

RELATO DO CASO

V.C.B., masculino, nascido em 26 de março de 1953, 63 anos, Frei, e vindo de viagem à Amazônia em 2015.

O paciente relatou uso de anti-hipertensivos, medicamentos para hiperplasia prostática e hipolipemiantes. Relatou, também, que já havia contraído malária em uma viagem anterior para as zonas endêmicas. A anamnese foi de extrema importância para que se elaborasse a suspeita clínica, pois o paciente relatou a aparição de sintomas como febre, dores de cabeça e no corpo, tremores e sudorese, características marcantes na malária. Os sintomas iniciaram-se dez meses após ter frequentado a zona endêmica e ter contraído a doença. Dados referentes à história clínica de infecção prévia de malária não estavam disponíveis pelo laboratório clínico. Foi solicitado hemograma e pesquisa de anticorpos Plasmodium falciparum e vivax IgG e IgM pelo método de Imunofluorescência indireta, pelo suspeita de caracterizar-se como possível recidiva. A diferenciação das espécies foi realizada por laboratório terceirizado. Foram adicionados ao relato, exames bioquímicos realizados pelo paciente meses antes do aparecimento dos sintomas. Na Tabela 1 encontram-se os resultados dos exames de bioquímica e hematologia.

O hemograma do paciente, assim como os exames bioquímicos da tabela acima encontram-se dentro dos valores de referência do laboratório. Através do exame para­sitológico de sangue (gota espessa), considerado padrão ouro para o diagnóstico de malária, foi possível observar, claramente, a presença de Plasmodium nos eritrócitos (Figura 1).

A confirmação deu-se com o teste de pesquisa de anticorpos Plasmodium falciparum e vivax IgG e IgM, pelo método de Imunofluorescência indireta, que teve como resultado P. vivax, com titulação positiva de IgG 1:320 e IgM negativo com título inferior a 1:20.

 

001 - Tabela - 1

001 - Figura - 1

Figura 1. Exame parasitológico de sangue com a presença de Plasmodium vivax.(100x).

 

DISCUSSÃO

A alta suspeita clínica e o rápido diagnóstico são cruciais para otimizar os resultados do tratamento da malária, pois uma vez diagnosticada de forma correta, a patologia é de fácil tratamento. A gota espessa é a metodologia considerada padrão-ouro, no qual o Plasmodium é visualizado microscopicamente após coloração pela técnica de Giemsa ou de Walker. Essa técnica possui alta sensibilidade, porém necessita de profissionais treinados, e permite avaliar o grau de parasitemia, predizendo a gravidade e também como acompanhamento após início da terapia.(10) Neste caso, o analista clínico experiente já tem uma correta percepção do Plasmodium vivax, sendo capaz de adiantar esta análise para o médico assistente.

As manifestações clínicas na malária pelo P. vivax variam em relação ao estado imune de cada paciente. Na primeira infecção, em pacientes não imunes, os sintomas são mais acentuados.(11) Nas recidivas, esses sintomas geralmente são mais brandos, o que demonstra o papel do estado imune do infectado na sintomatologia da doença.

Em um estudo com nativos do estado de Rondônia infectados pelo P. vivax, foi relatado que os pacientes apresentaram-se assintomáticos, demonstrando que esse quadro, apesar de não ser comum na Amazônia, pode ser encontrado.(12) Em outro estudo realizado por Simões et al.,(13) em Porto Velho, foram incluídos 26.006 pacientes por período de um ano, com diagnóstico de malária. Destes, 26,9% apresentaram recidiva da doença, sendo, 90% causados por P. vivax. Em casos raros, a infecção é adquirida através de transfusão sanguínea. Relativamente aos países não endêmicos, por exemplo, nos EUA, a incidência estimada de malária transmitida por transfusão é inferior a um caso por um milhão de unidades de sangue transfundidas.(4) De fato, o paciente não realizou transfusão sanguínea prévia, podendo se excluir a possibilidade de infecção por transfusão.

Além disso, como o teste imunológico apresentou positividade para P. vivax, infecção mista é descartada. Portanto, este caso trata de uma recidiva de malária, que se deu pelo reaparecimento da parasitemia e de manifestações clínicas por reinvasão das hemácias pelos merozoítos provenientes de hipnozoítos dormentes no fígado. Assim, a falha no tratamento pode-se relacionar como uma das principais causas de recidiva, podendo ser justifi­cada tanto pela má conduta do paciente, ou seja, por não ter ingerido corretamente a medicação; ou, na profilaxia, uma vez que no Brasil a administração de antimaláricos tem duração de apenas sete dias, enquanto nos países norte- americanos tem duração de quatorze dias, dessa maneira, evitando possível resistência de hipnozoítos na corrente sanguínea.(5,14) A partir deste fato, torna-se pertinente que profissionais da saúde devam ter conhecimento sobre o ciclo do parasito da malária, tornando-se mais fácil a percepção de possíveis recidivas, já que o indivíduo não citará um retorno breve das zonas endêmicas.

A recaída neste paciente é diagnosticada através do teste de pesquisa de anticorpos Plasmodium falciparum e vivax IgG e IgM, pelo método de Imunofluorescência indireta que detectou a presença de anticorpos IgG com alta titulação, presumindo malária atual ou em fase progressiva. O fato dos anticorpos IgM estarem negativados, pode dever-se à imunoglobulina IgM ser penta­mérica, molécula de alto peso molecular que leva mais tempo para ser sintetizada, além de apresentar tempo de meia vida curto, desaparecendo, portanto, o suficiente até o despertar dos hipno­zoítos e sucessivamente a recaída da malária, destacando-se que os primeiros sintomas foram relatados dez meses após seu retorno da zona endêmica.

CONCLUSÃO

Sabendo-se que a chave para a redução da taxa de mortalidade da malária é o diagnóstico precoce e uma terapia eficaz, o presente relato buscou beneficiar profissionais da saúde, no intuito de alertar sobre a ocorrência do Plasmodium vivax, na presença de recidiva, em se tratando do Rio Grande do Sul ser considerado uma região não endêmica. Dessa maneira, é imprescindível que o médico responsável colete todos os dados clínicos necessários, incluindo a espécie identificada previamente, exames labora­toriais, o antimalárico utilizado, se o paciente realizou viagem recente ou tardia à zonas endêmicas, bem como, se realizou transfusão sanguínea recente.

 

Abstract

Malaria is characterized by invasion of parasites of the genus Plasmodium, considered a major tropical parasite and one of the most frequent in the world. This report aims to describe a case of Malaria, in a non area endemic, where the patient presented recurrence to P. vivax. Case report: V.C.B., man, sixty-three years old. He presented symptoms such as fever, headaches, tremors and sweating, ten months after a trip to the Amazon. The patient was referred to a clinical laboratory, diagnosed with a recurrence of Plasmodium vivax. Considerations: Is important for health professionals and students to be able to correctly diagnosis malaria and its recurrence in order to minimize diagnosis errors and establish a correct prophylaxis.

Keywords

Malaria; Plasmodim vivax; Recurrence; Treatment

 

REFERÊNCIAS

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  2. Oliveira-Ferreira J, Lacerda MV, Brasil P, Ladislau JL, Tauil PL, Daniel-Ribeiro CT. Malaria in Brazil: an overview. Malar J. 2010;9:115.
  3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia prática de tratamento da malária no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. (Série A. Normas e Manuais Técnicos) Acesso em 24 fevereiro 2017.
  4. Simões LR, Alves ER Jr, Ribatski-Silva D, Gomes LT, Nery AF, Fontes CJ. Factors associated with recurrent Plasmodium vivax malaria in Porto Velho, Rondônia State, Brazil, 2009.Cad Saude Publica. 2014;30(7):1403-17. [Article in English, Portuguese].
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  9. World Health Organization. Roll Back Malaria. Available: http://rbm.who.int; Acesso em setembro/2016.
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  11. Warrell AD. Clinical features of malaria. In Buce-Chawatt, L.J. Essential Malariology. Third edition, London Boston Melbourne Auckland, p. 35-49, 1993.
  12. Camargo EP, Alves F, Pereira da Silva LH. Symptomless Plasmodium vivax infection in native Amazonians. Lancet. 1999;353(9162):1415-6.
  13. Mungai M, Tegtmeier G, Chamberland M, Parise M. Transfusion-transmitted Malaria in the United States from 1963 through 1999. N Engl J Med. 2001;344(26):1973-8.
  14. Nadjm B, Behrens RH. Malaria: An update for physicians. Infect Dis Clin North Am. 2012;26(2):243-59.

Correspondência
Julia Poeta
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