A telecitologia na rotina do rastreamento do câncer do colo uterino

The telecithology in the routine of cervical cancer screening

 

Camila Tonet1

Luciane Noal Calil2

Lisiane Cervieri Mezzomo3

1Curso de Especialização em Citopatologia Diagnóstica da Universidade Feevale. Novo Hamburgo-RS, Brasil.
2Faculdade de Farmácia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre-RS, Brasil.
3Faculdade de Farmácia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre-RS; Curso de Especialização em Citopatologia Diagnóstica da Universidade Feevale. Novo Hamburgo-RS, Brasil.

Instituição: Programa de Especialização em Citopatologia Diagnóstica da Universidade Feevale. Novo Hamburgo-RS, Brasil.

Conflito de interesses: não há conflito de interesses.

Recebido em 09/05/2019
Artigo aprovado em 08/08/2019
DOI: 10.21877/2448-3877.201900846

 

INTRODUÇÃO

O câncer do colo uterino continua sendo uma das principais causas de morte por câncer em mulheres.(1) São esperados aproximadamente 530 mil novos casos e cerca de 265 mil óbitos por ano, configurando-se como a quarta causa mais frequente de morte por esta neoplasia em mulheres no mundo, principalmente nos países de baixo índice socioeconômico.(2) No Brasil, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), em 2015 ocorreram 5.727 óbitos por câncer do colo do útero, sendo a terceira causa de morte e o quarto tipo mais frequente em mulheres.(2,3)

A doença é considerada prevenível e tratável quando diagnosticada precocemente, em virtude da existência das lesões pré-neoplásicas e do longo período de desenvolvimento até tornar-se invasiva.(3,4) A citopatologia de colo uterino, obtida por meio de raspado cervical, é reconhecidamente uma ferramenta diagnóstica útil no rastreio das lesões cérvico-vaginais. Está baseada na visualização e análise microscópica das características celulares, provenientes de raspados do colo uterino, com o uso do microscópio óptico.(5)

A telecitologia ou citologia digital surgiu a partir da telepatologia como uma abordagem inovadora para o auxílio ao diagnóstico das lesões cérvico-vaginais. Foi utilizada pela primeira vez com esfregaços cervicais e, desde então, seu escopo expandiu-se.(6) O termo refere-se à “citopatologia diagnóstica realizada em imagens digitais” e consiste em transmitir e interpretar o material citológico utilizando imagens obtidas da ocular de um microscópio, capturadas por dispositivos eletrônicos como câmeras digitais e scanners. Há maneiras distintas de transmissão: imagens focadas na ocular do microscópio que são transmitidas de forma estática (imagens capturadas, ou fotografadas), imagens dinâmicas (Microscopia Real-time/Live/Robotic) e a varredura ou escaneamento da lâmina, gerando imagens da lâmina inteira (também chamada de Microscopia Virtual).(1,7-10)

Esse método possibilita a discussão de alterações microscópicas relevantes com outros profissionais à distância. Além disso, elimina o microscópio como campo de observação e insere a tela do computador ou do smartphone. O arquivamento permanente da laminoteca, controle de qualidade e geração de atlas digitais fazem com que essa tecnologia assuma importância em diversos aspectos e possibilite que o citologista e a lâmina (contendo o material citológico do paciente) estejam separados pela distância.(7,11)

A incorporação da telecitologia como uma ferramenta de auxílio ao diagnóstico das lesões cervicais vem sendo inserida na rotina laboratorial, a exemplo da automação de outras técnicas, como a uroanálise. Embora possua inúmeras vantagens, seu uso também possui limitações e interferentes. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é descrever sobre o uso da telecitologia na rotina do laboratório de citopatologia no rastreamento das lesões precursoras do carcinoma cervical, os principais métodos disponíveis, aplicações, vantagens e desvantagens.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Trata-se de um estudo de revisão narrativa de literatura. Para o levantamento dos dados foi realizada uma abordagem qualitativa, com busca de artigos científicos, utilizando os seguintes descritores: telecytology, telepathology, virtual microscopy e digital pathology. A pesquisa foi realizada nas bases de dados National Center for Biotechnology Information, U.S. National Library of Medicine (PubMed – NCBI), Medical Literature Analysis and Retrieval System on-line (Medline) e SciElo (Scientific Electronic Library Online). Os critérios de inclusão foram os artigos publicados em português, inglês e espanhol, indexados nas referidas bases de dados, no período de 2008 a 2019.

 

MÉTODOS EM CITOLOGIA DIGITAL

 

A telecitologia depende fundamentalmente da capacidade de converter informações ópticas apresentadas na ocular de microscópio em uma imagem digital que pode ser transmitida remotamente.

O conceito de imagem digital compreende uma matriz de números bidimensionais (2iD), cada elemento representando um pixel.(12) O processo de imagem digital tem cinco etapas principais: 1) capturar a imagem (aquisição); 2) salvar; 3) editar; 4) visualizar a imagem (armazenamento e gerenciamento) e 5) exibição ou transmissão.(13)

Estas imagens são obtidas por meio de dispositivos eletrônicos que permitem identificar e classificar células potencialmente anormais, com apresentação digital dessas áreas.(9,10) Há vários tipos de dispositivos disponíveis para aquisição de imagens digitais, como câmeras aco­pladas a microscópios, (já amplamente utilizados nos laboratórios, como os microscópios trinoculares com capturas de imagens), microscópios com tecnologia robótica controlados remotamente e scanners de lâminas inteiras, utilizados em menor escala.(9)

Diversos estudos mostraram que o uso da tele­citologia no rastreamento das lesões cérvico-vaginais pode ser útil, uma vez que traz novas possibilidades para o aprimoramento da rotina laboratorial e, portanto, aplicável desde a captura, armazenamento e compartilhamento de imagens, permitindo que o citopatologista avalie remotamente os esfre­gaços citológicos.(8,11,14)

Trata-se de uma abordagem inovadora para o auxílio no rastreamento das lesões citológicas precursoras do câncer do colo do útero, principalmente em locais com poucos recursos, onde com a sua aplicabilidade poderia superar a necessidade de transporte de lâminas para visualização microscópica para outros laboratórios, assim diminuindo a chance de danos às lâminas e evitando a perda do material.(1) É particularmente importante para o estudo de amostras citológicas raras e com alterações que necessitam uma segunda opinião.(9,10)

 

Citologia Estática (Imagens estáticas)

 

Essa é a mais simples e mais antiga de todas as técnicas. O citopatologista pré-seleciona as áreas de interesse da lâmina, captura as imagens com o auxílio de uma câmera, digitaliza-as e por fim as transfere remotamente por e-mail, aplicativos de smartfones ou por meio de outras ferramentas, com o auxílio da internet.(8,11) É uma técnica de baixo custo operacional e que não exige nenhum software padrão. Além do microscópio de luz, requer apenas uma câmera, computador e conexão de rede.(7,8,14) A Figura 1 mostra um exemplo de citologia estática, no qual as imagens foram selecionadas, capturadas e transmitidas remotamente para um segundo observador.

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Figura 1.  Imagens de citologia estática de uma lâmina de raspado cervical, coradas pela técnica de Papanicolaou. As imagens mostram detalhes dos tipos celulares escamosos, metaplásicos e glandulares, capturadas por uma câmera de um Smartphone. (Imagens cedidas pelo Laboratório de Patologia Médica Santo Antônio)

 

As imagens de citologia estática mostram apenas uma parte limitada de toda a amostra, portanto são adequadas para a educação continuada, consultas de campos celulares específicos com outros especialistas e testes de proficiência.(14) Além disso, o trabalho manual de seleção das imagens e a qualidade limitada das fotografias muitas vezes acaba dificultando a observação. Ainda, a técnica limita o controle sobre a ampliação e o foco das lâminas, muitas vezes dificultando a análise e fornecendo pouco material de qualidade.(8,11) Os avanços futuros na tecnologia de varredura e visualização tendem a melhorar a qualidade das imagens obtidas dessa forma.(15)

Apesar dessas limitações, em um estudo realizado por Tong et al.(16) analisaram-se vinte e cinco casos utilizando imagens digitais (enviadas por e-mail) e, após, as respectivas lâminas, obtendo alta concordância (96% e 100%) quando comparados os diagnósticos obtidos por ambos os métodos (imagens digitais e lâminas). Estes dados são corroborados por estudo posteriormente publicado por Hanna et al.(17) que  também encontraram alta concordância (90% a 100%) entre a análise de imagens digitais e a leitura das lâminas após analisarem trinta casos (dez casos ginecológicos (ThinPrep®) e vinte casos não ginecológicos).

Estudo realizado posteriormente por Kldiashvili e Schrader(18) observou concordância semelhante. Neste trabalho, quatro patologistas analisaram 420 casos de cito­logia ginecológica por meio da leitura de lâminas e da visualização de imagens digitais, obtendo 94% concordância ao comparar os diagnósticos de ambos os métodos.

Recentemente publicado, o trabalho de Sahin et al.(19) também confirma esses dados. Os autores analisaram 172 laminas, capturaram imagens e as transferiram via WhatsApp® para outro citopatologista. Da totalidade dos casos avaliados, 84,30% (n=145) foram concordantes. No mesmo artigo, também se observou que a maior concordância foi obtida na análise de material de aspiração por agulha fina, enquanto que a menor foi obtida na análise de material de citologia urinária. Devido à alta porcentagem de resultados concordantes obtidos neste estudo, os autores acreditam que o método da telecitologia pode ser utilizado com sucesso, pois se mostrou prático, fácil e barato. Ademais, melhorias e aperfeiçoamentos na técnica podem fornecer resultados mais bem-sucedidos no futuro.

 

Citologia Dinâmica (Citologia em Tempo Real)

 

A forma dinâmica consiste na transmissão de imagens digitais em tempo real por meio de um operador ou de um microscópio, que permite a revisão da lâmina citológica em sua totalidade, com possibilidade de focali­zação e ampliação.(7,11) Essa técnica se aplica principalmente em áreas de telepatologia de seções de congelamento, cujo diagnóstico necessita maior rapidez e agilidade. Nesta forma de compartilhamento de imagens, o diagnóstico preliminar pode ser comunicado ao clínico usando-se uma chamada de vídeo do FaceTime®, por exemplo (para uma fotografia de um smartphone acoplado a um microscópio para captura de imagens).(11) Assim, a técnica de citologia em tempo real possibilita a realização de avaliações feitas onsite em diversos locais por diferentes profissionais, otimizando o tempo do analista.(7)

O estudo de Dalquen et al.(20) avaliou os diagnósticos feitos com imagens de citologia digital usando uma rede Internet Pathology Suite (iPath®), que atua como uma combinação do registro de paciente eletrônico e um fórum de discussão. Essa ferramenta é utilizada principalmente para consultas histológicas e citológicas, servindo como um valioso instrumento de aprendizado. No estudo, os citopato­logistas foram capazes de diferenciar diagnósticos benignos e malignos com cerca de 90% de precisão e obtendo alta concordância entre os observadores.

Além deste, análise realizada por Agarwal et al.(11) avaliou 25 casos por ambos os métodos (microscopia e visualização de imagens na tela do computador), obtendo alta concordância (88%, 22 de 25 casos) e concluiu que a geração de imagens em tempo real/dinâmica tem se mostrado um método benéfico, custo-efetivo e que pode ser utilizado para a avaliação imediata em citologia. A alta concordância também pôde ser observada no estudo realizado posteriormente por Sirintrapun et al.(21) que analisaram 439 casos durante 23 meses. Os resultados mostraram que o método dinâmico foi eficaz e apresentou alta concordância. A implementação da telecitologia permitiu realizar avaliação rápida (Rapid on Site Evaluation – ROSE), sem a presença física de um citologista no local, sendo que os resultados obtidos pela técnica foram concordantes com a avaliação final do citopatologista, em 92,7% dos casos. O uso dessa tecnologia para técnicas minimamente invasivas melhorou o atendimento ao paciente, diminuiu a necessidade de repetições de procedimentos e ainda possibilitou uma triagem mais eficaz do material para estudos auxiliares. Recentemente, Lin et al.(22) utilizaram a telecitologia pelo método ROSE em um grande centro de diagnóstico e tratamento do câncer durante um período superior a dois anos. Totalizaram-se 12.949 avaliações, obtendo concordância de 93% (12.049/12.949) entre a avaliação inicial e o diagnóstico citológico final. A técnica permitiu a comunicação direta entre o citopatologista e o clínico, incluindo a discussão ao vivo dos casos. O estudo demonstrou que o uso desse método foi preciso com redução do tempo do citopa­tologista.

Entretanto, apesar das vantagens descritas, as limitações deste tipo de metodologia incluem o custo elevado e a necessidade de equipamentos de alta resolução, softwares especiais e internet de alta qualidade para que as imagens sejam transmitidas e a técnica seja eficaz.(8)

 

Whole Slide Imaging (WSI) ou Microscopia Virtual

 

A transmissão de imagens a partir do escaneamento de toda a extensão da lâmina, é um método conhecido como Whole Slide Imaging (WSI) ou microscopia virtual.(8,12) A metodologia permite digitalizar e converter toda a lâmina contendo o material citológico em imagens digitais (slides digitais) que podem ser observadas e analisadas sem um computador por meio de um software de visualização. Esse método permite a observação dinâmica da lâmina digitali­zada, garante a visualização de toda a extensão da lâmina, e de todo o material citológico. Permite inclusive ampliar ou reduzir quaisquer áreas da lâmina e diminui as chances de perda de alguma informação diagnóstica.(7,8,11,12) As Figuras 2 e 3 exemplificam como funciona o método de seleção de imagens digitais (WSI).

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Figura 2. Imagem de uma lâmina digitalizada de lesão cervical ilustrando o software que permite a visualização remota de todo o conteúdo da lâmina e também a manipulação de imagens pelo citopatologista. (A) imagem em miniatura, (B) informações de zoom e escalas, (C) barra de ferramentas de desenho, (D) controle deslizante de zoom, área circulada é a informação da camada de anotação usada para marcar áreas de interesse. (Imagens cedidas pela Contollab®).

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Figura 3. Imagens de lâmina inteira (slide/lâmina digitalizado/a) de Lesão Intraepitelial de baixo grau (LSIL) de um teste Pap ThinPrep® ilustrando o software visualizador que permite a visualização remota e a manipulação de imagens pelo citopatologista. (A) aumento de 100X; (B) aumento de 200X; (C) aumento de 400X e (D) aumento de 800X. (Imagens cedidas pela Contollab®).

 

Atualmente, existem dois sistemas de triagem automatizada: o ThinPrep Imaging System® e o Focal Point GS Imaging System®, ambos possibilitam a varredura de toda a extensão da lâmina de forma interativa e com alta resolução. As imagens ficam integradas a um software visualizador, que permite variar o foco com maior ou menor precisão nos campos selecionados, sendo possível a emissão do laudo apenas com a visualização da lâmina digitali­zada.(8,9,12)

A tecnologia WSI também oferece a capacidade de introduzir programas de controle de qualidade e programas educacionais on-line de citologia, como atlas virtuais.(8) Essa metodologia foi abordada no estudo de Duarte et al.,(10) que propuseram desenvolver uma laminoteca on-line de amostras de citologia ginecológica, utilizando casos selecionados e digitalizados por essa metodologia. Os resultados do estudo mostraram que os estudantes tiveram grande interesse com o uso da ferramenta, sugerindo que ela pode ser empregada como um método complementar, útil no estudo e na formação em citologia ginecológica.

Além disso, um trabalho realizado posteriormente por Mukherjee et al.(23) verificou que a microscopia virtual é útil na educação em citologia para a demonstração das diferenças entre diagnósticos e métodos de preparação de lâminas. A partir da digitalização das lâminas, há possibilidade de diversos recursos e ferramentas de edição importantes para o aprendizado dos critérios de diagnóstico, como comparações das imagens lado-a-lado, marcações digitais para destaque das células e critérios escritos adicionados a imagens.(11)

Entretanto, para que se obtenham imagens satis­fatórias é preciso melhorar a qualidade da amostra cito­lógica original. As células precisam ter boa preservação, estarem bem coradas e as lâminas não conterem artefatos de bolhas. Além disso, o material disposto na lâmina deve ser suficiente para análise (material hipercelular ou escasso dificultam o escaneamento da lâmina), uniformemente espalhado para não formar sobreposições, as lâminas e lamínulas devem estar limpas e sem arranhões, entre outros. A utilização da citologia em meio líquido auxilia na captura das imagens para se obter maior qualidade, pois este método faz com que não se encontrem interferentes (filamentos de muco e detritos) ao fundo da amostra, da mesma maneira como não ocorre sobreposição celular. Assim, acredita-se que estes critérios juntamente com os avanços tecnológicos futuros ajudarão a melhorar a qualidade da citopatologia WSI.(15)

Todavia a utilização do método WSI na rotina labora­torial ainda é limitada, devido ao custo elevado quando comparado a outras técnicas disponíveis de transmissão de imagens, a necessidade de treinamento especializado para a operação do equipamento e do software, o tempo para digitalização das lâminas, as limitações quanto à qualidade da internet para a transmissão das imagens, bem como a relutância dos profissionais em adotar estas novas tecnologias.(8,12)

 

VANTAGENS E LIMITAÇÕES DA TELECITOLOGIA

 

As vantagens das ferramentas empregadas na telecitologia incluem a avaliação imediata do material do paciente após o procedimento de coloração e preparo da lâmina, com a possibilidade de discussão de casos com outros observadores à distância, além da segurança do resultado em casos de perda ou quebra das lâminas.(8,11,14) Como citam em seu estudo Zamudio et al.,(24) as imagens digitais (lâminas digitais) podem, por si só, substituir o uso de lâminas para fins de diagnóstico, educação e pesquisa. Além disso, a possibilidade de revisão de lâminas por outros profissionais (garantia da qualidade) e o arquivamento dos resultados por tempo indeterminado aumentam a qualidade e eficiência do serviço e também são pontos favoráveis ao seu uso.(8,11,14)

Ainda, as técnicas possibilitam a inclusão de casos clínicos com a utilização das imagens digitais de qualidade em palestras, folhetos de ensino e documentos eletrônicos cruciais para aprendizagem, como as laminotecas digitais (que possuem diversos casos clínicos amostrados por imagens e com diagnósticos explicativos).(1,9,10)

Ademais, a utilização das imagens digitais para o rastreio automatizado das lâminas de citologia cervical é útil para obtenção de opiniões e discussão de casos clínicos com outros profissionais, aplicável em laboratórios de menor porte, cujas imagens dos esfregaços preparados no local de triagem são enviadas para outros profissionais.(1,9,10) Além disso, sua utilização agrega aos propósitos de pesquisa, ferramenta para avaliação da qualidade e para melhoria na avaliação de amostras cito­patológicas, treinamento de profissionais técnicos, educação continuada e testes de proficiência em cito­logia.(1,9,10) Incluem também, o armazenamento/arquivamento de resultados por meio da citologia digital facilitando o acesso a lâminas de casos antigos, possibilitando que sejam visualizadas indefinidamente, sem a necessidade de aplicação de uma nova coloração ou montagem na lâmina original.(8,9,10,13)

Deste modo, essa tecnologia permite aos serviços de saúde arquivar as imagens por um tempo maior que as próprias lâminas, a melhoria no espaço físico do laboratório, diminuindo a quantidade de lâminas arquivadas e facilita o acesso quando necessário.(8,9,10,13)

Entretanto, a telecitologia também possui algumas limitações, tais como problemas de infraestrutura, dificuldades de acesso às redes de comunicação, especialmente em locais onde os sinais de internet não chegam com facilidade e dificultam a transmissão das imagens. Outros interferentes incluem o alto custo e complexidade das técnicas, a baixa taxa de aceitação pela chance de perda de detalhes significativos, questões de segurança, como a proteção de dados eletrônicos, questões éticas legais, falta de protocolo padrão de processamento de amostras, entre outros.(1,9,12)

Além do alto custo dos equipamentos necessários para o escaneamento da lâmina para WSI, por exemplo, o nível de treinamento dos funcionários, restrições quanto à captura da microscopia completa, incluindo vários planos de foco e imagens nítidas de alta potência, a organização do armazenamento das imagens, a resolução e a padronização dos campos das imagens, bem como a distância focal da câmera são outros limitadores à imple­mentação da técnica. A grande maioria, entretanto, promete ser superada com o rápido avanço e aceitação desta tecnologia.(1,9,12)

Wright et al.(6) realizaram um estudo no qual os participantes avaliaram 11 casos de citologia cérvico-vaginal com imagens digitalizadas e lâminas de vidro correspondentes. A precisão da interpretação foi superior na avaliação pela microscopia quando comparadas à análise das imagens e suas ampliações digitalizadas. Os resultados obtidos podem ser explicados pela falta de familiaridade com a nova tecnologia bem como pela existência de grupos celulares espessos, que representam um problema para o diagnóstico citológico preciso. A incapacidade de rastrear metodicamente toda a lâmina digitalizada aumentou o tempo de avaliação e pode explicar alguns casos de diagnóstico falso-negativos.

 

 

DESAFIOS E PERSPECTIVAS

 

A telecitologia mostrou ser uma novidade tecnológica que fornece armazenamento e acesso a imagens de várias modalidades. Diante de tais avanços tecnológicos, existem boas perspectivas para a área. Diversos sistemas integrados com ferramentas de software cada vez mais complexos e funcionais estão sendo desenvolvidos para que essa ferramenta seja cada vez mais utilizada. O arquivamento de imagens e os sistemas de comunicação prometem revolucionar a área da citopatologia, permitindo acesso oportuno e eficiente a imagens, interpretações e dados relacionados.(8)

Da mesma forma, como citam Pantanowitz et al.,(13) no futuro imediato, as imagens digitais em citopatologia provavelmente serão utilizadas para a rápida recuperação e revisão de casos arquivados previamente fotografados (por exemplo, bibliotecas digitais), telecitologia de interpretações de diagnóstico rápido no local para triagem de espécimes (em relação a ambos, a necessidade potencial de processamento/testes especializados e o nível requerido de perícia diagnóstica baseada na morfologia), triagem de amostras não ginecológicas processadas por técnicas líquidas (por exemplo, amostras de urina e de cavidades corporais) e para comunicação (por exemplo, teleconfe­rências), e que, sem dúvida, continuarão a desempenhar um papel cada vez maior na formação, educação, exames primários de certificação e manutenção da proficiência/ certificação.

Esses mesmos autores recentemente publicaram estudo que sugere que a citopatologia tem necessitado cada vez mais da informática para atender às demandas atuais e os serviços clínicos. Técnicas avançadas de imagem desenvolvidas nos últimos anos, como a citologia 2D e 3D têm se mostrado promissoras para geração de imagens nos níveis celular, subcelular e molecular, analisadas com ultra resolução. A busca pela melhor qualidade dos equipamentos de captura e sistemas envolvidos objetivam aprimorar a técnica de telecitologia para se obter melhor precisão e qualidade das imagens que se deseja transmitir e estudar.(13,25)

A aplicação destas novas técnicas de microscopia e a transmissão de imagens de última geração no campo da citopatologia ainda são pouco exploradas e necessitam de mais estudos que visem aprimorar as ferramentas, validar seu uso diagnóstico e determinar sua real utilidade na prática da rotina laboratorial. Atualmente existe uma busca constante pela qualidade da telecitologia, e para se alcançar essa qualidade são necessárias boas lâminas, coloração adequada e preservação da celularidade.(15,25)

Novas gerações de citologistas estão surgindo nesta era, onde o acesso virtual é ilimitado, os quais terão fácil adaptação a essa tecnologia, adotando este método com mais familiaridade. Portanto, acredita-se que, em um futuro próximo, o compartilhamento digital de casos seja prática comum.(8,14)

 

CONCLUSÃO

 

A citologia digital, ou telecitologia, possui aplica­bili­dade e funcionalidade na rotina do laboratório de citopato­logia, porém, na prática, sua adaptabilidade é ainda desafiadora. Traz novas possibilidades no momento em que permite a prática da citopatologia à distância, por meio da transmissão de imagens digitais, fornecendo assim uma ampla plataforma para discussão e obtenção de opinião de especialistas. No futuro, entretanto, pode modificar a forma do diagnóstico, diminuindo a necessidade de microscópio e assim permitindo que imagens de espécimes citológicos estejam disponíveis para qualquer pessoa, em qualquer lugar, para uso em diversas áreas. A utilização da informática na área da citopatologia possivelmente revolucionará o papel do profissional especialista em diagnóstico e trará diversas oportunidades para incremento das ações na área.

 

Agradecimentos

Agradecemos ao apoio da Controllab® pela disponi­bilização das imagens das lâminas digitalizadas pelo método WSI, e também ao Laboratório de Patologia Médica Santo Antônio, de Bento Gonçalves, RS por fornecer as imagens de citologia estática ilustradas nesse estudo.

 

 

Abstract

Introduction: Telecitology, or digital cytology is the interpretation of cytological samples at a distance. It mainly depends on the conversion of the optical information obtained from the eyepiece of a microscope into a digital image, which will subsequently be transmitted remotely. It has applications in several areas, such as intraoperative consultations, educational purposes and to alleviate the problem of the unavailability of cytopathologists. Objective: To describe the use of telecitology in routine laboratory cytopathology, its methods, applications, advantages and disadvantages. Method: This is a literature review. Results: The use of telecitology to aid in the diagnosis of cervicovaginal lesions is advantageous, since the generation of images from the screening of the slides allows a greater discussion of doubtful cases, even at a distance. In addition, this technology provides guarantee and safety of results, possibility of review of slides by other professionals, and the permanent storage of results. Final considerations: Digital cytology brings new possibilities, as it allows images of cytological specimens to be available to anyone, anywhere, for use in a variety of areas. With the advent of new health technologies, telecitology is an extremely useful tool that allows diagnostic assistance, especially at long distances.

 

Keywords

Telepathology; telecitology; Papanicolaou test; uterine cervical neoplasms

 

 

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Correspondência

Lisiane Cervieri Mezzomo

Universidade Feevale

Novo Hamburgo – RS, Brasil