Possíveis abordagens farmacológicas para SARS-CoV-2
Possible pharmacological approaches to SARS-CoV-2
Guilherme Eduardo da Silva Ribeiro
Critical Care Pharmacist – Medical Sciences M.Sc.
Instituição: Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião – Saúde. Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
Recebido em 04/08/2020
Artigo aprovado em 17/08/2020
DOI: : 10.21877/2448-3877.20200015
Prezado Editor
A partir da divulgação do primeiro caso, em 12 de dezembro de 2019, ocorrido na cidade de Wuhan, China,(1) a ciência médica deparou-se com um gigantesco desafio – encontrar medicamentos para a prevenção e o tratamento deste novo agente infeccioso. Apesar de novo, esse agente é muito semelhante na sintomatologia a outras infecções respiratórias virais. Apresenta similaridades filogenéticas com coronavírus causadores da SARS (SARS-CoV) e MERS (MERS-CoV).(2) O genoma deste novo vírus exibe 96% de similaridade com o do vírus RaTG13, obtido do morcego Rhinolophus affinis. O domínio ligante do receptor do SARS-CoV-2 adere com alta afinidade ao receptor ACE2 humano.(3)
Não há vacina ou medicamento com eficácia comprovada para o tratamento do vírus, apesar de várias pesquisas estarem em andamento. Portanto, o tratamento da doença se concentra principalmente no tratamento sintomático e na oxigenoterapia.(4) Com o rápido crescimento na transmissão da doença, a procura por moléculas disponíveis com mecanismo de ação determinado e com possíveis atividades contra o vírus foi iniciada.
A patogênese da infecção por SARS-CoV-2 em humanos permanece incerta. A função imunológica exerce papel vital para melhores desfechos do processo infeccioso.(4)
Alterações imunes em pacientes com SARS, MERS e influenza, especialmente alterações nos subconjuntos de linfócitos T do sangue periférico, contribuem para o entendimento das características, diagnóstico, monitoramento, prevenção e tratamento da doença.(4)
Existem três linhas de abordagem para a descoberta de medicamentos para se desenvolver um novo medicamento para SARS-CoV-2. Essas abordagens levam a possíveis opções de tratamento, incluindo o redirecionamento de medicamentos, a triagem de bancos de dados moleculares empregando-se ferramentas de modelagem de drogas e a triagem das bibliotecas de compostos em ensaios antivirais, sendo que a terceira opção não é compatível devido à alta taxa de transmissão na comunidade. Assim, o redirecionamento de medicamentos e as análises computacionais de acoplamento são as duas principais abordagens atuais para se encontrarem possíveis agentes para a terapia do SARS-CoV-2.(5)
Candidatos a medicamentos
Como o SARS-CoV-2 cursou para uma pandemia, causando um grande número de mortes, devido à sua transmissão rápida, a descoberta de medicamentos contra o vírus é, dessa forma, uma prioridade urgente. No entanto, atualmente não existem medicamentos bem-sucedidos para o tratamento da COVID-19. O redirecionamento de medicamentos com base em drogas já existentes, como metodologia ativa para o desenvolvimento de medicamentos para reduzir o tempo e o custo em comparação com a descoberta de novos medicamentos, tem sido bastante considerado.
Remdesivir
Vários ensaios clínicos estão atualmente em curso (Gilead “SIMPLE” Trials, Pediatric Trial, REMDACTA Trial). O FDA (Food and Drug Administration) disponibilizou o remdesivir sob autorização de uso emergencial para o tratamento de adultos e crianças com doença grave causado pelo vírus.(6) O remdesivir (GS-5734) é um pró-fármaco que apresenta ação antiviral de amplo espectro, inibidor da RNA polimerase dependente de RNA (RdRp), com atividade inibitória contra SARS-CoV e a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV). Foi identificado precocemente como candidato promissor à terapêutica para o COVID-19 devido à sua capacidade de inibir SARS-CoV-2 in vitro. Além disso, em estudos com primatas não humanos, o remdesivir iniciado 12 horas após a inoculação com MERS-CoV reduziu os níveis de vírus pulmonares e danos nos pulmões.(7) Foi relatado que um paciente americano com 2019-nCoV se recuperou após receber remdesivir intravenoso em 7 de janeiro, dentro de um ensaio em pacientes com 2019-nCoV (NCT04252664 e NCT04257656).(8)
No protocolo de uso do remdesivir para o tratamento da COVID-19 (em adultos), a Sociedade Espanhola de Farmácia Hospitalar propõe o seguinte regime posológico:
Dose de ataque e de manutenção:
- Dose de ataque no primeiro dia de 200 mg/EV, seguida por uma dose de manutenção de 100 mg/EV por dia, do 2º ao 10º dia.
Precauções a serem observadas:
- Lavar o equipo com 30 mL de solução de cloreto de sódio (NaCl) 0,9%, após a infusão da solução medicamentosa;
- Monitorar possível quadro hipotensivo durante a administração;
- Suspender o uso de lopinavir/ritonavir e interferon b;
Preparação e administração da solução:
- Frasco de 150 mg de remdesivir. Cada frasco-ampola deve ser reconstituído com 30 mL de água para injetáveis (API), obtendo-se uma concentração final de 5 mg/mL. A dose é diluída em 100 mL-250 mL de soro fisiológico com infusão em trinta minutos;
- Frasco de 100 mg de remdesivir. Cada frasco-ampola deve ser reconstituído com 19 mL de água para injetáveis (API), obtendo-se uma concentração final de 5 mg/mL. A dose é diluída em 100-250 mL de soro fisiológico com infusão em trinta minutos;
- Estabilidade. Quatro horas em temperatura ambiente e 24 horas em geladeira.(9)
Cloroquina e Hidroxicloroquina
Apesar de atualmente a aplicação de cloroquina e hidroxicloroquina ser desaconselhada pela comunidade científica internacional para o tratamento de pacientes com COVID-19, em decorrência da grande controvérsia que se estabeleceu em âmbito mundial, relatar seu uso é importante como fato histórico da medicina contemporânea.(10, 11)
A cloroquina, um medicamento amplamente utilizado no tratamento da malária e doenças reumatológicas, tem sido relatada como uma substância com potencial antiviral de amplo espectro in vitro, empregando células Vero10. Wang et al. relataram que a cloroquina bloqueia a infecção por vírus, aumentando o pH endossômico necessário para a fusão vírus/célula, bem como interfere na glicosilação dos receptores celulares de SARS-CoV. De acordo com esses autores, além de sua atividade antiviral, a cloroquina parece possuir uma atividade imunomoduladora que pode aumentar sinergicamente seu efeito antiviral in vivo. Ainda conforme Wang et al., a cloroquina é amplamente distribuída em todo o corpo, incluindo o pulmão, após administração oral.(12)
A segurança e a eficácia da cloroquina e hidroxicloroquina, contudo, têm sido avaliadas em ensaios clínicos randomizados, séries de casos e estudos observacionais com resultados pouco animadores. Nesse sentido, o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina deve ser restrito a protocolos de pesquisa aprovados em Comitês de Ética em Pesquisa com consentimento formal do paciente ou seu responsável.(10,11)
O sulfato de hidroxicloroquina, um derivado da cloroquina, foi sintetizado pela primeira vez em 1946 pela inserção de um grupo hidroxila na molécula da cloroquina e mostrou-se muito menos (~ 40%) tóxico em animais.(13) A hidroxicloroquina está disponível para o tratamento de doenças autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide. As duas moléculas compartilham estruturas e mecanismos químicos semelhantes para servir como base fraca e imunomodulador. Análises in vitro em células Vero demonstraram que a potência da hidroxicloroquina (EC50 de 0,72 mM) foi maior que a da cloroquina contra SARS-CoV-2.(10,14)
No protocolo de uso da hidroxicloroquina para o tratamento da COVID-19 em adultos, a Sociedade Espanhola de Farmácia Hospitalar propunha o seguinte regime posológico: 400 mg q12h via oral (VO) no primeiro dia, seguido de 200 mg q12h (VO) por quatro dias.(9)
Efeitos adversos
A cloroquina e a hidroxicloroquina têm um perfil de toxicidade semelhante, embora a hidroxicloroquina seja mais bem tolerada e tenha menor incidência de toxicidade do que a cloroquina.
Efeitos adversos cardíacos
Prolongamento do intervalo QTc (QT corrigido), Torsade de Pointes, arritmia ventricular e morte cardíaca. O risco de prolongamento do intervalo QTc é maior para a cloroquina do que para a hidroxicloroquina. O uso concomitante de medicamentos que apresentam risco moderado a alto para o prolongamento do intervalo QTc [por exemplo, antiarrítmicos, antipsicóticos, antifúngicos, macrolídeos (incluindo azitromicina) e antimicrobianos do grupo das fluoroquinolonas] devem ser usados apenas se necessário. Considere-se usar doxiciclina em vez de azitromicina como terapia empírica para pneumonia atípica.(15)
O acompanhamento eletrocardiográfico é recomendado quando houver interações medicamentosas em potencial ou doenças cardíacas subjacentes.(16) A relação risco-benefício deve ser cuidadosamente avaliada em pacientes com doença cardíaca, histórico de arritmia ventricular, bradicardia (<50 batimentos por minuto) ou hipocalemia não corrigida e/ou hipomagnesemia.(15)
Outros efeitos adversos
Hipoglicemia, erupção cutânea e náusea (doses divididas podem reduzir náusea). Retinopatia, supressão da medula óssea podem ocorrer com o uso a longo prazo, mas isso não é provável com o uso a curto prazo.(15)
Nitazoxanida
A nitazoxanida é um medicamento aprovado pelo FDA (Food and Drug Administration) para o tratamento de diarreia e enterite infecciosa, causada por parasitas com um bom perfil de segurança. No entanto, esse agente antimicrobiano tiazolídeo tem sido considerado um candidato em potencial contra infecções respiratórias virais.(17) Os resultados da eficácia da nitazoxanida em humanos com infecções respiratórias são limitados a um pequeno número de ensaios e os resultados são contrastantes. Em um estudo de fase 2b/3, duplo-cego, randomizado, controlado por placebo, com 624 participantes com idades entre 12 e 65 anos e com doença semelhante à influenza, foi mostrado que 600 mg de nitazoxanida duas vezes ao dia por cinco dias diminuiu o tempo entre a primeira dose e o alívio dos sintomas em comparação com o placebo, com uma baixa taxa de eventos adversos graves (4%).(18) No entanto, são necessárias mais evidências sobre os efeitos hepatorrenais e cardiovasculares, bem como sobre a teratogenicidade.(19) Até o momento, 17 protocolos de ensaios clínicos estão registrados no ClinicalTrials.gov, avaliando os efeitos da nitazoxanida no tratamento da COVID-19.
REFERÊNCIAS
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Correspondência
Guilherme Eduardo da Silva Ribeiro
Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião
Rua Sacadura Cabral, 178, Anexo 4 – Saúde
Rio de Janeiro-RJ, Brasil