Desempenho da citologia em meio líquido na identificação de agentes microbiológicos cérvico-vaginais

Liquid medium cytology performance in identification of cervico-vaginal microbiological agentes

Ruan Carlos Gomes da Silva1

José Irnaldo da Silva2

Evelyn Gabryelle dos Anjos Rodrigues2 

Catharine de Araújo Crisóstomo Pontes2

Rachel Di Paola Vilaça Figueirêdo2

Sibele Ribeiro de Oliveira3 

Carlos Eduardo de Queiroz Lima4

Adrya Lúcia Peres5

 

 

1Especialista/Centro Universitário Tabosa de Almeida – Caruaru-PE, Brasil.

2Centro Universitário Tabosa de Almeida – Caruaru-PE, Brasil.

3Doutora/Centro Universitário Tabosa de Almeida – Caruaru-PE, Brasil.

4Doutor/Universidade Federal de Pernambuco –  Caruaru-PE, Brasil.

5Doutora/Centro Universitário Tabosa de Almeida. Instituto de Estudos Avançados Asces-Unita – Caruaru-PE, Brasil.

 

Instituição: Centro Universitário Tabosa de Almeida. Instituto de Estudos Avançados Asces-Unita – Caruaru-PE, Brasil.

 

Recebido em 20/03/2018

Artigo aprovado em 23/08/2018

DOI: 10.21877/2448-3877.201800689

 

Resumo

Verificar o desempenho da citologia em meio líquido na identificação de agentes microbiológicos cérvico-vaginais em relação à citologia convencional. Métodos: Estudo analítico e transversal realizado no Laboratório de Citopatologia de um centro universitário. Foram realizadas coletas citopatológicas pelas duas metodologias: convencional e em meio líquido (Liqui-PREP®), além de coleta microbiológica. Resultados: Foram avaliadas 67 amostras cérvico-vaginais pelas duas técnicas citopatológicas, verificando-se que a citologia convencional identificou 26 esfregaços com microrganismos de interesse clínico, enquanto que a citologia em meio líquido identificou 20 casos, sendo observada boa concordância entre as técnicas na identificação de Gardnerella vaginalis e Candida spp. A citologia convencional também evidenciou mais casos de esfregaços com Trichomonas vaginalis e ocorreu boa concordância entre as técnicas citopatológicas e o exame microbiológico na identificação de Gardnerella vaginalis. Conclusão: Observou-se boa concordância entre as técnicas citopatológicas na identificação de Candida spp. e Gardnerella vaginalis, assim como, entre as duas técnicas frente ao exame microbiológico na evidência de Gardnerella vaginalis.

 

Palavras-chave

Neoplasias do colo do útero; Teste de Papanicolaou; Gardnerella vaginalis; Candida sp.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O exame citopatológico é o método de escolha para triagem e rastreamento das lesões pré-neoplásicas e câncer invasor, sendo preconizado sua utilização nas diretrizes nacionais de rastreamento do câncer cervical.(1) No entanto, alguns estudos demonstram que a técnica convencional da citopatologia apresenta algumas limitações, como distribuição não homogênea das células no esfregaço, pequeno número de células que permanecem na lâmina (20%), presença de leucócitos, hemácias e restos celulares em excesso, prejudicando a análise microscópica, além de fatores dependentes da coleta do material celular, como insuficiente representatividade da junção escamo-colunar (JEC) e secagem ou má fixação do material.(2-5)

A citologia em meio líquido foi desenvolvida na tentativa de diminuir as falhas da citologia convencional por apresentar uma melhor disposição celular, facilitando a interpretação, redução do número de hemácias, exsudado inflamatório e muco, além de possibilitar a preparação de lâminas adicionais em caso da necessidade de comple­mentação ou uso de material residual para testes mole­culares e identificação de HPV e outros agentes micro­biológicos.(6-8) Além disso, esta metodologia permite uma melhor randomização das células que são transferidas para as lâminas, permitindo que todo o material seja processado, evitando, conse­quentemente, perdas indesejáveis da amostra celular.(9)

A literatura relata que os processos inflamatórios que acometem o colo do útero são considerados cofatores ao desenvolvimento da neoplasia cervical em virtude da desordem da microbiota, com redução dos lactobacilos e aumento de agentes anaeróbios obrigatórios, promovendo aumento do risco de aquisição da infecção pelo HPV.(10,11) Desta forma, a citopatologia, seja pela técnica convencional ou em meio líquido, tem contribuído não somente para o rastreio do câncer cervical, mas também como uma alternativa diagnóstica para detecção de infecções cérvico-vaginais e melhorias na seleção de condutas, já que estas correspondem a cerca de 70% das queixas em consultas ginecológicas, sendo a Gardnerella vaginalis, Candida spp. e Trichomonas vaginalis os principais agentes responsáveis pelas vaginites e cervicites.(12,13)

O uso de metodologias específicas para identificação de agentes microbiológicos em programas de saúde é limitado, tendo em vista o elevado custo, não sendo frequentemente utilizada na rotina pública de saúde.(14) Por este motivo, o presente estudo teve como objetivo evidenciar o desempenho da citologia em meio líquido na identificação de agentes microbiológicos cérvico-vaginais, buscando verificar a real contribuição desta proposta meto­dológica em relação à citologia convencional, comumente utilizada e de baixo custo para os serviços de rastreio do câncer cervical.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Trata-se de um estudo analítico e transversal, cuja amostra foi composta de esfregaços cérvico-vaginais de mulheres que realizaram exame citopatológico no período de março a outubro de 2016, no Laboratório Escola de Citopatologia do Centro Universitário Tabosa de Almeida, Asces-Unita. A amostra se deu por conveniência, incluindo os esfregaços de mulheres atendidas no período proposto e na faixa etária acima dos 18 anos.

A coleta do material citopatológico foi realizada utilizando as técnicas convencional e em meio líquido (Liqui-PREP®), para posterior coloração pelo método de Papanicolaou. Todo o processamento da citologia em meio líquido foi realizado seguindo recomendações do manual do fabricante.

Simultaneamente, além da coleta citopatológica, foi realizada coleta para exame microbiológico, utilizando três swabs estéreis, sendo um swab para a confecção de uma lâmina, que foi corada pelo método de Gram, outro para o exame a fresco com solução fisiológica glicosada e outro para semeio nos meios de isolamento bacteriano.

A realização de exame direto da secreção cérvico-vaginal e coloração de Gram foi conduzida para análise de possíveis Trichomonas vaginalis e Gardnerella vaginalis, respectivamente. Os meios utilizados para o isolamento bacteriano foram o Agar Sangue de Carneiro e Agar Chocolate, que, após semeadura, foram incubados em estufa bacteriológica a 35-37ºC por 24 a 48 horas, sendo o Agar Chocolate em anaerobiose. O meio Sabouraud foi também semeado e mantido por sete dias em temperatura ambiente para verificação da presença de leveduras.

Após a coleta citopatológica, as lâminas coradas pelo Papanicolaou foram direcionadas à microscopia para análise, diagnóstico e liberação de laudos. Além disso, após a coleta microbiológica, as lâminas coradas pelo Gram e os meios de cultura foram avaliados quanto à presença de microrganismos de interesse clínico. Todo o procedimento foi realizado conforme controle interno de qualidade do laboratório escola.

As análises microscópicas dos esfregaços cérvico-vaginais foram realizadas por profissionais especialistas em citopatologia, experientes na área e com treinamento para leitura e interpretação de lâminas por meio de citologia em meio líquido.

Os dados finais foram analisados pelo Programa Bioestat® versão 5.0 para determinação da concordância entre as técnicas, utilizando o teste de Kappa com confia­bi­lidade de 95%. Para associação foi utilizado o Prism statistical software® (Version 7.0) e teste Chi-square®, p < 0.05.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro Universitário Tabosa de Almeida (Asces-Unita) sob o número 619.400, de acordo com as resoluções e normativas do Ministério da Saúde.

 

RESULTADOS

 

Foram avaliadas 67 amostras cérvico-vaginais pelas duas técnicas citopatológicas, sendo possível observar que, por meio da citologia convencional, 17/67 (25,37%) apresentavam características citológicas sugestivas de Gardne­rella vaginalis e/ou Mobiluncus spp. (bacilos supracitoplas­má­ticos), 05/67 (7,46%) Trichomonas vaginalis e 04/67  (5,97%) Candida spp. Outros agentes de menor interesse clínico também foram observados, entre estes: Lactobacillus spp. 42/67 (29%), outros bacilos 13/67 (38%) e cocos 7/67 (11%) (Quadro 1), sendo importante considerar que alguns casos apresentaram mais de um agente microbio­lógico.

Conforme observado na Tabela 1, apesar da técnica citopatológica convencional ter evidenciado um maior per­centual destes agentes microbiológicos em relação à cito­logia em meio líquido, observou-se uma boa concordância entre as técnicas na identificação dos agentes Candida spp. e Gardnerella vaginalis, sendo as concordâncias observadas de 65% e 81% e Kappa 0,64 e 0,69 respectivamente, onde p foi <0,0001.

No exame citopatológico convencional foi evidenciada, em 05/67 das amostras, a presença de Trichomonas vaginalis, sendo que 1/5 foi observado na citologia em meio líquido. No exame microbiológico da secreção vaginal, apenas um dos casos foi confirmado para Trichomonas vaginalis pela análise direta da secreção vaginal a fresco. Foi evidenciada uma boa concordância entre as citologias e o exame microbiológico na evidência de Gardnerella vaginalis e/ou Mobiluncus spp. (Tabela 2).

1

 

Quadro 1. Observação microscópica de microorganismos pelas metodologias: citologia convencional e em meio líquido. (Fonte: arquivo pessoal. Aumento de 400 X)

 2a

O índice Kappa não foi calculado para Trichomonas vaginalis porque o número de esfregaços citopatológicos e exame microbiológico positivo para este agente foi baixo, ficando inviável esta análise estatística.

 

DISCUSSÃO

 

Os agentes Gardnerella vaginalis, Trichomonas vaginalis e Candida spp. são responsáveis por grande parte das vaginites infeciosas, sendo considerados os principais microrganismos de interesse clínico evidenciados em amostras cervicais e vaginais por estarem relacionados a maior risco de aquisição da infecção pelo HPV.(15)

No presente estudo, os agentes microbiológicos mais encontrados na citologia convencional foram Gardnerella vaginalis (24,6%), seguido por Candida spp. (6,3%) e Trichomonas vaginalis (2,4%), corroborando com os achados de Chiuchetta et al.(16) e Oliveira e Almeida,(17) que avaliaram o perfil das inflamações e/ou infecções cérvico-vaginais por meio da citopatologia.

A citologia em meio líquido, no presente estudo, apresentou limitações para detecção de Trichomonas vaginalis, que foi evidenciado em apenas 13,4% dos esfre­gaços, enquanto que utilizando-se a citologia convencional foram verificados 38,7%. Isso, possivelmente, pode estar relacionado ao procedimento técnico da metodologia em meio líquido, que promove retirada de artefatos da amostra, com consequente eliminação de alguns agentes micro­biológicos de interesse. A maior frequência na identificação de Trichomonas vaginalis nos esfregaços convencionais também pode ser atribuída a maior experiência dos profissionais citopatologistas com esta técnica.(18,19)

A citologia convencional tem sido utilizada há bastante tempo no diagnóstico de infecções cérvico-vaginais, pois a presença de microrganismos nos esfregaços e as alterações reacionais benignas produzidas pelos mesmos podem contribuir para o estabelecimento do diagnóstico de vaginite ou vaginose e avaliar a intensidade da reação inflamatória, acompanhando sua evolução. Além disso, a técnica citopatológica permite melhor acurácia para a detecção de microrganismos cérvico-vaginais pela aplicação de critérios morfológicos e possui a vantagem, em relação ao exame direto e cultura, de permitir o arquivamento das lâminas.(20)

Alves et al.(21) e Costa,(22) avaliando a eficácia da cito­logia de base líquida (DNA-Citoliq® e ThinPrep®, respectivamente) na identificação da microbiota vaginal, demonstraram que as técnicas citopatológicas apresentaram resultados similares para a identificação de Lactobacillus spp., cocos, Actinomyces spp., Leptotrix vaginalis, Chlamydia trachomatis e Candida spp., mas a identificação de Gardnerella vaginalis foi significativamente maior na cito­logia em meio líquido, enquanto que Trichomonas vaginalis foi observado com maior frequência nos esfre­gaços convencionais. A identificação de Gardnerella vaginalis no presente estudo revelou similaridade entre as técnicas, sendo possível verificar uma elevada taxa de concordância entre ambas, discordando dos dados apresentados pelo estudo acima mencionado.

Na identificação de Candida spp. obtivemos boa concordância entre as técnicas citopatológicas, apesar de que, quando comparado ao exame microbiológico, a concordância foi maior em relação à citologia em meio líquido, justificado pela literatura, pelo fato de a base líquida preservar as estruturas morfológicas da Candida spp., por possuírem tamanho e peso maiores que as bactérias, não sendo, desta forma, eliminadas durante o processamento técnico do material citológico.(23)

Os estudos que comparam a citologia convencional com a citologia em meio líquido mostram que os diagnósticos finais das duas técnicas são concordantes, na maioria dos casos, e os valores de sensibilidade e especificidade também tendem a ser semelhantes, porém, o tempo médio de coleta é menor nas amostras da citologia em meio líquido, apesar de os custos com esta técnica ainda serem maiores.(10,24)

Apesar de a citopatologia ter sido criada originalmente para o rastreamento das lesões pré-malignas e malignas do colo do útero, a identificação morfológica e a evidência de sinais citopáticos de agentes infecciosos do colo do útero e vagina, por meio deste método, é de grande importância para o controle de doenças sexualmente transmissíveis, que causam grande impacto na saúde pública brasileira e, muitas vezes, podem atuar como cofatores das lesões intra­epiteliais de alto grau e câncer invasor, influenciando a progressão da infecção cervical pelo HPV.(19,25-27)

 

CONCLUSÕES

 

Observou-se uma boa concordância entre a citologia convencional e em meio líquido na identificação dos agentes Candida spp. e Gardnerella vaginalis/Mobiluncus spp., assim como, uma boa concordância entre as duas meto­dologias frente ao exame microbiológico na evidência de Gardnerella vaginalis/Mobiluncus spp., sendo possível evidenciar que ambas as técnicas mostram-se efetivas na identificação de diversos agentes microbiológicos de interesse clínico, apesar do melhor desempenho da citologia convencional para a identificação de Trichomonas vaginalis.

 

Abstract

Objective: To verify the performance of the cytology in liquid medium in the identification of microbiological agents cervico-vaginal, in relation to conventional cytology. Methods: An analytical and transversal study, carried out in the Laboratory of Cytopathology of a university center. Cytopathological collections were carried out by two methodologies: conventional and in liquid medium (Liqui-PREP®), besides microbiological collection. Results: Were evaluated 67 cervico-vaginal samples for both cytopathological techniques, it being verified that the conventional cytology identified 26 smears with microorganisms of clinical interest, whereas cytology in liquid medium identified 20 cases, being observed good agreement was found between the techniques in the identification of Gardnerella vaginalis and Candida spp. Conventional cytology also evidenced more cases of smears with Trichomonas vaginalis and it occurred good agreement between the cytopathological techniques and the microbiological examination in the identification of Gardnerella vaginalis. Conclusion: It was observed good agreement between cytopathological techniques in the identification of Candida spp. and Gardnerella vaginalis, as well as between the two techniques front the microbiological examination in the Gardnerella vaginalis evidence.

 

Keywords

Uterine cervical neoplasms; Papanicolaou test; Gardnerella vaginalis; Candida sp.

                                                                                                                               :

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