A corrida pela vacina em tempos de pandemia: a necessidade da imunização contra a COVID-19
The vaccine race in pandemic times: the need for immunization against COVID-19
Líllian Oliveira Pereira da Silva1
Joseli Maria da Rocha Nogueira2
1Especialização em Análises Clínicas – Fundação Técnico-Educacional Souza Marques (FTESM). Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
2Departamento de Ciências Biológicas, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
Recebido em 14/08/2020
Artigo aprovado em 27/08/2020
DOI: 10.21877/2448-3877.20200002
INTRODUÇÃO
Os Coronavírus fazem parte de um grupo de retrovírus que causa infecções respiratórias. Em dezembro de 2019, após um surto infeccioso de uma síndrome respiratória aguda de origem zoonótica, foi identificada em Wuhan, na China, a presença em humanos de uma mutação em um coronavírus, originando o SARS-CoV-2. Esse vírus tornou-se o causador da COVID-19 (do inglês, coronavirus disease – 2019), cuja velocidade da disseminação mostrou-se muito mais rápida do que outras viroses, levando a Organização Mundial da Saúde a declarar essa doença como pandemia três meses depois de sua descoberta, em março de 2020.(1) Os pacientes infectados são atualmente as principais fontes da doença, que pode ser transmitida por gotículas respiratórias e contato direto ou indireto.(2)
Dados publicados mostram que, em cerca de 80% dos casos, os infectados se apresentaram assintomáticos ou com sintomas relativamente leves, como febre, fadiga e alguns sinais respiratórios, incluindo a tosse, dor de garganta e falta de ar, enquanto que o restante (20%) apresentou quadros mais graves, evoluindo para pneumonias severas e, em alguns casos, para o óbito.(1,3) O coronavírus pode se manter incubado por cerca de 2 a 14 dias e, ainda assim, ser transmitido através de fômites ou da pulverização de gotículas por meio de tosse ou espirro, que são os sintomas mais comuns nos pacientes acometidos pela doença.(2)
Em meados de agosto de 2020, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), foram contabilizados cerca de 21.500.000 casos confirmados de COVID-19 e 771.500 mortes em todo o mundo. A mortalidade ocorre principalmente por pneumonia e falência de múltiplos órgãos, especialmente em idosos e pessoas que apresentam condições crônicas, como a hipertensão, doenças cardiovasculares e diabetes. No Brasil, a curva ainda se mostra progressiva (Figura 1), com 3.317.096 casos confirmados e 107.232 óbitos em 17 de agosto de 2020.(2)
Figura 1. Curva de contaminação da COVID-19 no Brasil.
Fonte: WHO, 2020(2)
Nos últimos anos, a indústria e a comunidade científica foram solicitadas para produzir vacinas de forma rápida e eficaz frente às epidemias de H1N1, Ebola, Zika e, atualmente, contra o vírus SARS-CoV-2.(4) Bousada e Pereira afirmam que, salvo a utilização de água potável, as vacinas são o maior avanço da humanidade no combate às doenças, tendo como princípio básico a exposição do organismo aos antígenos, substâncias presentes nos microrganismos, estimulando, assim, a produção de anticorpos através de uma resposta imunológica induzida sem que o indivíduo contraia a doença em questão. A imunização adquirida só se torna possível através da formação de células de memória, que, por sua vez, serão capazes de ativar os leucócitos após um novo contato com o antígeno.(5)
As vacinas surgiram ainda no século XVIII quando Edward Jenner descobriu a vacina antivariólica, onde comprovara que, ao inocular uma secreção de um paciente doente em outra pessoa saudável, esta última desenvolvia sintomas muito mais brandos e tornava-se imune. A vacina da varíola humana foi desenvolvida a partir de um tipo de varíola que acometia as vacas, já que Jenner notara que ordenhadores de vacas contaminadas acabavam imunes à varíola humana. A partir disso, a palavra vacina (do latim, Vaccinum, que significa “de vaca”), tornou-se correspondente aos inóculos que apresentam a capacidade de produzir anticorpos. As vacinas também se mostram extremamente úteis e mais efetivas no controle de doenças do que o uso de medicamentos, ou seja, trata-se de um método mais barato para a saúde coletiva atuar na prevenção de doenças.(6)
Tais vacinas podem ser classificadas de forma correspondente aos componentes utilizados para fabricá-la, como microrganismos inteiros, macromoléculas específicas e purificadas, vetores recombinantes, peptídeos sintéticos ou, até mesmo, o próprio material genético do patógeno, como o DNA.(5) As vacinas virais, como as que são tratadas neste artigo, podem ser classificadas em atenuadas, inativadas ou oriundas de subunidades (Tabela 1).
O desenvolvimento de vacinas é um processo custoso, constituído de diversas etapas e que pode demorar anos para produzir uma única vacina licenciada, com diferentes análises de dados ou verificações do processo de fabricação, sendo divididos em três etapas.(4,7,8) A primeira etapa do processo é correspondente à pesquisa básica, onde novas propostas ocorrem. Já na segunda, são realizados os testes pré-clínicos (in vitro e/ou in vivo) no intuito de comprovar a segurança e o potencial imunogênico da vacina. Por último, na terceira etapa, ocorrem os ensaios clínicos, que são divididos em quatro fases (Tabela 2), sendo esta a etapa mais longa e financeiramente mais custosa.(8)
Em janeiro de 2020, o material genético do novo coronavírus, o SARS-COV-2, foi sequenciado e publicado no meio acadêmico, permitindo assim que as buscas para uma vacina fossem iniciadas. Tendo em vista o impacto negativo da pandemia, diversas pesquisas foram iniciadas em todo o mundo e somente em março desse ano a primeira proposta de vacina entrou na fase de testes em humanos.(9) Mais de 170 equipes de pesquisadores estão tentando criar essas vacinas, todavia, mesmo que os testes em humanos comecem com brevidade e mesmo que transcorra tudo de forma adequada existem ainda muitas barreiras antes que a imunização global seja viável.(10) Com base nesse cenário, o objetivo deste artigo é levantar o andamento das vacinas que estão sendo produzidas contra o causador da COVID-19.
MATERIAL E MÉTODOS
A partir de uma busca refinada em fontes de dados como periódicos Capes e PubMed, realizou-se um levantamento de trabalhos relacionados com a produção de vacinas para a COVID-19, por meio da associação das palavras-chave “Vaccine“, “COVID” e “Coronavírus”. A pesquisa abrangeu trabalhos publicados desde março de 2020 até atualmente. A seleção dos artigos foi baseada na leitura dos títulos seguida dos resumos, e os trabalhos que apresentavam o enfoque correspondente foram lidos na íntegra, dando origem aos resultados deste artigo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Como dito anteriormente, a corrida para o desenvolvimento da vacina contra o coronavirus avança de forma promissora. Atualmente, cerca de 188 vacinas estão sendo produzidas em todo o mundo. Ainda que, normalmente, sejam necessários anos de testes e um período ainda maior para a produção das mesmas, os pesquisadores pretendem desenvolver uma vacina eficaz no prazo de 12 a 18 meses.(10,11) De acordo com o balanço da OMS, apenas seis das 188 vacinas que estão sendo pesquisadas estão na fase 3. Todavia, recentemente, a Rússia declarou publicamente que a vacina produzida em Moscou, pelo Instituto Gamaleya, que consta como fase 1 para a OMS, estava na reta final para ser liberada à população, totalizando sete vacinas em potencial (Tabela 3).(11)
Vacina de Oxford
Pertencente à indústria farmacêutica AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a vacina se encontra na Fase 3 de testagem e está sendo aplicada em voluntários no Reino Unido, África do Sul e em cerca de 5 mil voluntários em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Os pesquisadores de Oxford afirmaram que a vacina é segura e capaz de induzir a resposta imunológica em humanos e, em junho deste ano, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou uma parceria com a Universidade de Oxford para auxiliar no desenvolvimento da vacina. É considerada pela OMS como um dos projetos mais promissores até o momento, haja vista que seus estudos preliminares correspondentes às fases 1 e 2 mostraram que a vacina apresenta boa resposta imunológica. Este estudo está com sua conclusão prevista para final de outubro de 2021.(11,12)
Vacina Moderna
A vacina Moderna, pertencente ao laboratório de mesmo nome, em parceria com a Autoridade de Pesquisa e Desenvolvimento Biomédico Avançado e o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID), entrou em fase III no final de julho, sendo a primeira pesquisa implementada no programa americano contra o coronavírus. O estudo está sendo desenvolvido para avaliar principalmente a eficácia, segurança e imunogenicidade do mRNA-1273 para prevenir a COVID-19 por até dois anos após a segunda dose da vacina, sendo controlado por placebo em adultos acima de 18 anos. A previsão da conclusão do estudo é para outubro de 2022.(11,13)
Vacina Pfizer & Biontech
A vacina desenvolvida pelas empresas Pfizer e Biontech (Alemanha e Estados unidos, respectivamente) também se encontra na fase 3, além de apresentar uma aprovação da FDA (Food and Drug Administration), o órgão regulador dos Estados unidos. Essa vacina está sendo testada em voluntários brasileiros com idades entre 18 e 85 anos e, em julho, a testagem foi aprovada em São Paulo e Salvador pela Anvisa. De acordo com os pesquisadores, o produto apresenta uma resposta imune robusta através da produção de anticorpos, citocinas e células T induzidas por uma nanopartícula lipídica (LNP) formulada com RNA mensageiro modificado com nucleosídeo do vírus, que codifica o domínio de ligação ao receptor da proteína correspondente ao SARS-CoV-2. A previsão da conclusão do estudo é para novembro de 2022.(11,14,15)
Vacina CoronaVac
O Instituto Butantan, junto com a farmacêutica chinesa Sinovac, estabeleceram um acordo, em agosto, para produção e testes em estágio avançado da vacina CoronaVac, que contém o vírus inativado, permitindo a testagem em 9 mil voluntários em São Paulo e, caso seja comprovada sua eficácia e segurança, fornecimento de doses até junho de 2021.(16) A vacina está sendo submetida a testes duplo-cego, randomizados e controlados por placebo de fase III. Ainda na fase II, a vacina se mostrou eficaz, induzindo a resposta imune do paciente de forma segura e tolerável, sem grandes efeitos adversos. Todavia, ainda não há uma previsão para a conclusão do estudo.(17)
Vacinas Sinopharm
A Sinopharm, empresa chinesa, realizou uma colaboração com o Instituto de Produtos Biológicos de Pequim e o de Wuhan, produzindo duas vacinas de vírus inativado, que estão sendo testadas nos Emirados Árabes, onde 15 mil pessoas devem participar como voluntárias. Desse total, 5 mil pessoas receberão a versão do Instituto Wuhan e outras 5 mil a do Instituto de Pequim. Os resultados das fases 1 e 2 sugerem que a vacina pode ser segura, tolerável e capaz de desencadear a produção de anticorpos de forma robusta. Todavia, ainda não se sabe se tal resposta é suficiente para a prevenção da COVID-19, haja vista que os autores declaram que não houve comparação dos resultados obtidos com o soro de pacientes contaminados, mas sim com a resposta de outros testes de vacinas, afirmando que os níveis estavam semelhantes às vacinas em desenvolvimento pela AstraZeneca, Biontech e Moderna, ainda que sejam metodologias diferentes. Além disso, o período de recrutamento de voluntários se estende até julho de 2021, portanto, acredita-se que os estudos sejam concluídos somente após esta data.(11,18,19)
Vacina Sputnik V
De acordo com a base de dados da Organização Mundial da Saúde, a vacina produzida pelo Instituto Gamaleya, de Moscou (Rússia), também chamada de Sputnik V, não pode ser considerada em fase III, pois não há dados publicados em revistas científicas que comprovem os métodos utilizados ou o número de voluntários, bem como a eficácia da mesma. Sendo assim, perante a OMS, a Sputnik V ainda está em fase I.(11) Mariângela Simão, Diretora-geral assistente da OMS, em uma entrevista, informou que a Rússia está repassando maiores informações sobre a vacina e, ainda que seja uma excelente proposta, dada a metodologia simplificada que está sendo utilizada, somente após os ensaios clínicos correspondentes e a análise dos dados é que será possível comprovar a eficácia e segurança da Sputnik V.(20)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de todos os esforços globais que estão sendo realizados, e de algumas vacinas candidatas já estarem na fase 3, ainda não há garantia de que qualquer uma delas funcionará gerando uma resposta imune eficiente e com segurança. As vacinas potenciais que já estão em fase III devem ainda passar pela última fase do ensaio clínico. Isso é especialmente importante quando se trata de segurança, mesmo durante a emergência de uma pandemia, já que, nesse caso, a grande maioria da população irá se vacinar. Muitas pesquisas ainda precisam ser realizadas, pois já foi observada a grande capacidade de mutação deste vírus e já há relatos de possíveis casos de reinfecção. Se ainda nem sabemos se os anticorpos resultantes da infecção natural por esse vírus fornecem proteção e se esta é duradoura, imagine os anticorpos gerados pela imunização ativa. Além disso, a disposição do público em apoiar as medidas de quarentena adotadas pela saúde pública, incluindo o distanciamento social voluntário e a utilização de máscaras para diminuir a disseminação da COVID-19, nem sempre tem sido adequada em todos os países. Portanto, concluímos que o sucesso do controle desta pandemia não depende de somente um fator, e sim de um conjunto de ações combinadas, incluindo um pacto social pela prevenção da disseminação e, também, da garantia de financiamento suficiente congregando governos, iniciativa privada, fabricantes de vacinas e o próprio povo, para uma conscientização integrada, buscando um desfecho onde haja proteção para todos. Somente esse esforço conjunto levará a uma solução global para o final desta pandemia.
Abstract
In December 2019 in Wuhan, China, an acute epidemic respiratory syndrome in humans was detected, caused by a new coronavirus (SARS-CoV-2) of zoonotic origin. The great speed of its dissemination, led the WHO to declare the pandemic situation in March 2020, suggesting measures of distance between people and the use of masks. The creation of a vaccine against COVID-19, then came to be considered the most effective prophylactic strategy for the control and prevention of this disease. About 170 teams worldwide are already carrying out this research and currently, approximately 188 vaccines in different phases of the clinical trial are already being developed. Seven of these vaccines stand out in the current scenario with good potential to be made available between 2021 and 2022. The success of these efforts will depend on joint action, including the commitment of all people to avoid contact with each other and to use the vaccine when it is available, as well as the secured financing between governments and private sector
Keywords
Vaccine; COVID; Coronavirus
REFERÊNCIAS
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Correspondência
Joseli Maria da Rocha Nogueira
Departamento de Ciências Biológicas
Escola Nacional de Saúde Pública
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
Rio de Janeiro-RJ, Brasil